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Por Santo António, Contra São Valentim
2001-02-14 22:23:06

São Valentim? Um santo de origem obscura, com uma história cujos contornos não são claros. Ainda por cima, dizem os hagiógrafos, há dois Valentim hoje festejados no calendário católico e não se sabe bem quem se está a festejar: se um padre de Roma, se um bispo de Terni (Umbria italiana), ambos do século III. O primeiro teria curado a filha de um magistrado, o segundo sarou o filho de um filósofo. Em ambos os casos, a sorte teria sido a mesma: a decapitação. Outras versões contam que Valentim (não se sabe qual) teria abençoado vários casamentos, contra a vontade do imperador, acabando do mesmo modo: decapitado.

Santo António, ao contrário, sabe-se onde nasceu, na Lisboa medieval. Sabe-se que foi estudar para o Mosteiro de São Vicente de Fora e que depois rumou a Coimbra, onde leu e estudou muitos dos livros de referência da época. Que lhe viriam a ser muito úteis nos sermões que pregaria nas terras entre o actual Norte de Itália e o Sul de França.

São Valentim? Foi ressuscitado 18 séculos depois da sua decapitação. Os europeus que foram viver para a América do Norte trataram, primeiro, de dizimar os índios. Depois de quase completo o trabalho, e à falta de História, ficaram a falar a língua que já conheciam, importaram as "pizzas", o Pai Natal, o bife picado de Hamburgo, as pipocas e o sofá. Chamaram a esta mistura o "american way of life", que é como quem diz: "estamos bem aqui, no nosso canto, a viver com as ideias e costumes dos nossos avós". Depois, sentaram-se, sossegados, passaram a ter uma ideia vaga do mapa-mundo, julgando que o Iraque estava logo ali abaixo, algures a sul do México. No fim, importaram também o São Valentim, que nem sabiam bem quem era, mas que dava jeito para o "intermezzo" entre o Ano Novo e o Carnaval.

Santo António foi, desde o início, um cosmopolita do seu tempo. Não se ficou por casa, o que de bom lá (cá) aprendera tratou de o levar para outras paragens, mas tão-pouco se recusou a novas trocas culturais com o que de interessante fermentava na ebulição do século XIII. E ei-lo a ingressar nos franciscanos, e a andar de terra em terra, contando histórias, vituperando os clérigos que aplacavam o "deus ventre", invectivando contra ricos e poderosos. Chegou a Pádua, por ali andou, ali acabando por morrer. E passou a encontrar, para quem procura, as coisas perdidas, desde os botões aos animais, desde os anéis aos amores - e aos namoros. E até dá para que uns quantos casais possam dar o nó, apoiados por instituições públicas. Foi o povo, escreveu João Simões Raposo ("Itinerarium", 1981), que o tornou "- podia lá deixar de ser - santo dos amores infelizes, compreensivo, brincalhão, casamenteiro".

São Valentim? Para que precisamos nós de um santo assim? Santo António trata muito melhor dos amores perdidos ou encontrados. Ainda por cima, é culturalmente português, universal e caseiro, e só os portugueses - e os brasileiros, que lhe ganharam igual ligação - é que lhe reconhecem o dote de namoradeiro e casamenteiro. Qual é o primeiro hipermercado, a primeira loja, a festejar o verdadeiro padroeiro dos namorados e a acabar com a mentira do 14 de Fevereiro? Dia 13 de Junho é a data certa.

Fonte Público

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