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Ecclesia de Eucharistia: a encíclica eucarística de João Paulo II
2003-04-21 20:51:54

Preocupado com alguns desvios e reduções na celebração e na vivência do mistério da Eucaristia, que representa na Igreja como que o concentrado e a síntese da fé, em vez da sua tradicional mensagem aos sacerdotes, nesta Quinta Feira Santa João Paulo II dirige uma encíclica a toda a Igreja sobre a Eucaristia na sua relação com a Igreja.

O que o santo Padre faz nesta encíclica é recordar, num tom extremamente simples e muito pastoral, algumas evidências hoje em alguns sectores esquecidas, evidências essas que compõem o património teológico do mistério eucarístico, nomeadamente estas três, que passo brevemente a comentar.


a) A dimensão sacrificial da Eucaristia, dado que ela é memorial da paixão e ressurreição do Senhor, portanto, do sacrifício de Cristo para a redenção do mundo. Aqui está, de facto, um tema nuclear da teologia eucarística e da teologia da redenção em geral, sendo certo que o conceito de sacrifício terá sido aquele que, desde a reforma até aos nossos dias e hoje com particular intensidade, tem sido objecto das maiores críticas, desvios e perversões, até ao ponto de hoje se ter tornado um conceito quase insustentável e incompreensível, portanto. João Paulo II tem o cuidado de o situar no quadro da teologia bíblica e de mostrar que em Cristo (na Eucaristia e, portanto, na espiritualidade cristã) o sacrifício diz a entrega obediencial ao Pai: «Em virtude da sua íntima relação com o sacrifício do Gólgota, a Eucaristia é sacrifício em sentido próprio, e não apenas em sentido genérico, como se se tratasse simplesmente da oferta de Cristo aos fiéis para seu alimento espiritual. Com efeito, o dom do seu amor e da sua obediência até ao extremo de dar a vida (cf. Jo 10, 17-18) é em primeiro lugar um dom a seu Pai. Certamente, é um dom em nosso favor, antes em favor de toda a humanidade (cf. Mt 26,28; Mc 14, 24; Lc 22,20; Jo 10, 15), mas primariamente um dom ao Pai...» (n. 13).

b) Em segundo lugar, a encíclica recorda a relação entre sacerdócio e a eucaristia, na perspectiva da nota da Apostolicidade da Eucaristia e da Igreja.

A encíclica recorda a teologia clássica sobre o sacerdócio, que se caracterizou, ao longo de todo segundo milénio, a partir da sua relação com a eucaristia, tendo sido na teologia contemporânea complementada com a teologia da sucessão apostólica. Recordando o Catecismo, a encíclica precisa as três acepções da apostolicidade da Igreja como sua nota essencial: a) A Igreja foi e continua a ser construída sobre o alicerce dos Apóstolos (Ef 2, 20); b) Ele guarda e transmite com fidelidade a doutrina dos Apóstolos; c) continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos, nos seus sucessores, os bispos, o Colégio dos Bispos, assistido pelos presbíteros. Recorda ainda a doutrina clássica e conciliar sobre o ministério sacerdotal que age in persona Christi: «na específica e sacramental identificação com o Sumo e Eterno Sacerdote, que é o Autor e o principal Sujeito deste seu sacrifício...» (n. 29).

c) Em terceiro lugar, as condições que são requeridas para celebrar com dignidade e com fruto a Eucaristia. São as disposições nas quais há-de participar-se neste mistério, ou seja, a relação entre a Eucaristia e a comunhão eclesial, no processo da maturidade espiritual e na santidade. Neste capítulo João Paulo II recorda as condições para a celebração da eucaristia como mistério de comunhão, donde a relação intrínseca entre a Penitência e a Eucaristia. Trata-se, pois, das condições para a vivência da espiritualidade eucarística, pois sendo esta a celebração sacramental da comunhão os que nela participam devem estar plenamente reconciliados, não apenas moral e espiritualmente, mas também social e eclesialmente.

Merece também especial registo teológico o último capítulo dedicado a Nossa Senhora como 'mulher eucarística', num convite a que toda a Igreja se coloque na escola de Maria, para nela aprender o que representa verdadeiramente a vivência eucarística, que é a continuação do mistério da Incarnação: na eucaristia e na comunhão eucarística continua na Igreja e em cada um dos fiéis, o mesmo mistério que se iniciou na Virgem Maria, ou seja, o 'nascimento' do Verbo nos corações, tema que evoca uma das mais fecundas correntes da espiritualidade e da mística medieval, mas cuja validade não se circunscreve a esse período histórico, que é precisamente este do 'nascimento' do Verbo na alma, como a analogia mais profunda para dizer o processo de deificação, que, caracterizando o cristianismo enquanto tal, é fruto especial e próprio da Eucaristia.

Uma encíclica muito oportuna, que, pela sua linguagem muito simples e pelo tom até de testemunho, com certeza que será por toda a Igreja bem acolhida: ela só vem, aliás, recordar o que a Igreja é, comunidade eucarística, e por isso ela toca o coração mesmo da Igreja, o seu mistério sacramental mais profundo.

José Jacinto Ferreira de Farias, scj
joseffarias@netcabo.pt

Fonte Ecclesia

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