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"Para nos Livrarmos dos Piores Efeitos da Religião, Temos de a Tomar a Sério"
2003-04-20 22:11:07

James Alison esteve em Lisboa a convite do Centro Nacional de Cultura, onde falou sobre o cristianismo em tempos de incerteza. Nascido em 1959, Alison já leccionou no Brasil, Bolívia, Chile, Estados Unidos, México e Costa Rica. Ex-padre dominicano, Alison é autor de várias obras publicadas em Inglaterra, Espanha e América Latina.

PÚBLICO - O factor religioso é um dos que está presente na guerra contra o Iraque. Na guerra, as religiões não são parte do problema, mas da solução, como afirmava há dias um rabino judeu?
JAMES ALISON - Um dos problemas do mundo ocidental é uma certa arrogância em relação à fragilidade da religião. Imaginamos que a religião é uma coisa muito fraca. A religião em si é uma dimensão cultural da vida em todos os planos, a que não é fácil fugir.

Mesmo no Ocidente?

Mesmo no Ocidente. E muito mais agora.

Quer dizer que a fragilidade das religiões é aparente?

É. Tanto em Portugal como em Inglaterra há um desprezo muito grande pela religião oficial. Mas as pessoas não sabem como lidar com a realidade de uma religião mais totalitária que está ressurgindo no nosso meio, como é o caso do fundamentalismo islâmico - [embora] entre o fundamentalismo islâmico e o fundamentalismo cristão exista muito pouca diferença. Estamos a falar de coisas fortes dentro da nossa própria cultura. Para nos livrarmos dos piores efeitos da religião, temos de tomar a religião mais a sério do que se tomava.

Pensando na actualidade internacional: faz falta os líderes políticos colocarem-se no lugar do outro, no lugar da vítima?

O discurso que reconhece a maldade definitiva no outro impede de ver a realidade, está construindo um mundo de fantasia e paranóia. Uma dessas vozes é a de certo humanitarismo islâmico, falando de todos os vícios do Ocidente. Por outro lado, sente-se que há uma posição de cruzada do lado norte-americano e - Deus me perdoe! - do meu próprio país. O pior desta posição é que é insuficientemente cúmplice com a realidade alheia para poder aprender.

Vem falar sobre o cristianismo em tempos de incerteza. Em épocas como a nossa, qual deve ser o principal papel do discurso religioso?

A minha questão é esta: será que existe uma hermenêutica auto-crítica dentro da religião? Em tese, o cristianismo e o judaísmo têm essa auto-crítica. A vítima tem o papel mais importante dentro da religião. Ou seja, a nossa religião deveria ensinar-nos uma atenção privilegiada para o outro, não-privilegiado. Deveria, em tese. A questão é se estamos dispostos a viver isso. Da mesma forma, a pergunta é se existe também, dentro do islamismo, uma capacidade de auto-crítica.

Veio a Lisboa falar de René Girard. Como explica a ideia do "bode expiatório", por ele proposta?

Trata-se, principalmente, de entender como o desejo e a violência nos formam e como sair da violência. O bode expiatório é um dos eixos no pensamento de Girard. Os seres humanos são normalmente movidos pelos outros de modos pouco previsíveis. Uma das tendências que temos é o desejo colectivo, a união de todos contra alguém considerado como inimigo mau e ruim, portador de contaminação. Isto passa-se em termos de religião primitiva, mas também de sociedades modernas, que escondem de si próprias a primitividade do seu funcionamento.

O mecanismo do bode expiatório seria a maneira de construir a ordem social por meio das vítimas, escondendo nós mesmos o que estamos fazendo. Girard [diz] que há um só lugar onde esta mesma história está descrita desde a posição invertida, de quem está sendo expulso: é na tradição judaica e cristã, onde começa a entender-se o mesmo mecanismo, a partir da pessoa que está sendo expulsa.

Esse é o interessante do pensamento de Girard, que nos permite descobrir-nos dentro desta história - e mudar de lado, o que é mais difícil. Quando [alguém] cai na conta da cumplicidade, começa a ter liberdade para actuar não movido pela mentira, mas a partir da possibilidade de reconhecer o que está fazendo, deixando de o fazer e estendendo a mão a quem normalmente seria perseguido.

A renúncia e o perdão são também importantes?

A renúncia é uma palavra muito difícil, pelo que implica de exigência e de sacrifício. Deixar coisas, na medida em que nos descobrimos para os outros, é uma coisa [diferente]. Renunciar pode ser uma maneira de me transformar em herói. O perdão, sim: temos moralizado a palavra perdão. Mas a palavra grega significa "soltar", "deixar". [Deve-se aprender o perdão] de forma a que ele não contenha uma vingança escondida. Aprender a perdoar, de modo a que não seja uma forma de vingança nietzschiana - isso é também o centro do pensamento de Girard.

Fonte Público

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