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Renovar a Esperança
2003-03-27 21:23:51

Nota Pastoral dos Bispos Católicos de Angola e S. Tomé

1. Uma causa nacional.
Angola vive, neste momento, num horizonte de expectativa. É verdade que todos sentimos nestes dias mais um peso na alma, pois uma densa nuvem ensombra o mundo com uma nova guerra destrutora no Médio Oriente, que arrasta atrás de si dor, pranto e a morte de muitos inocentes.
Para nós, angolanos, a paz tão desejada chegou e é tempo de construir uma Pátria una, próspera para todos os seus filhos. Vivemos um momento de grande importância, o da reconstituição da família angolana.
A CEAST, reunida na sua primeira sessão ordinária deste ano, debruçou-se de modo particular sobre a situação dos nossos deslocados e a sua reintegração na sociedade.
Vindos de uma guerra cruel, estes filhos da Pátria angolana querem encontrar o seu lugar dentro da grande família. A guerra significou divisão e luta, mas este novo tempo deverá ser encontro e construção da fraternidade e da unidade. Cada um dos filhos de Angola é importante e deve ser valorizado como pessoa e membro desta Pátria una. Por isso o seu bem e o seu desenvolvimento é anterior a todo outro interesse ou classificação ideológica. A paz, que queremos ter, depende em grande parte da harmonia e realização pessoal que possamos conseguir para todos os membros da sociedade. A reintegração dos deslocados não pode, pois, ser encarada com óptica partidária, mas com espírito aberto, universal e patriótico, buscando o bem comum da Nação e de todos os seus filhos. Estamos a refazer a casa de todos. É importante que cada tijolo ocupe o seu lugar e seja tido na devida conta. Trata-se duma causa nacional, a paz do nosso País.


2. Um País de deslocados
A reintegração dos deslocados é, pois, um desafio para todos nós. Mas afinal quem são esses deslocados?
A nossa realidade actual é que somos em grande escala um País de deslocados. Não o são somente aqueles que vieram de zonas de guerrilha, mas também aqueles que deixaram a sua terra natal e tiveram de viver numa área diferente da sua. E de alguma maneira todos nos sentimos um pouco deslocados, na medida em que toda Angola e suas instituições foram abaladas por esta guerra.
Temos vários tipos de deslocados a que devemos prestar atenção:
- Os ex-militares e as suas famílias em campos de acolhimento;
- Os grupos de pessoas civis que se deslocam das áreas de guerrilha para outras zonas sem apoio oficial;
- Aquela multidão de gente que se concentrou à volta das cidades fugindo a situações de guerra nas suas zonas;
- Os refugiados propriamente ditos residindo no exterior, em campos das Nações Unidas ou fora deles, e que agora regressam a Angola.

3. Situação dos deslocados
Em que situação se encontram estes nossos irmãos?
Um grande esforço foi feito pelo Governo, Nações Unidas e outros organismos, para atender muitos destes nossos irmãos. Contudo, sabemos bem que, mesmo assim, a situação é muito difícil. Nos próprios campos e nas áreas assistidas por organismos internacionais há dificuldades, muitas dificuldades.
Nos outros grupos de deslocados os problemas não são menores. Muitos já puderam cultivar e algo têm. Mas há uma grande multidão que vive com problemas de penúria alimentar, subnutrição, falta de assistência medicamentosa, sem escola, etc.
De modo particular os civis que se deslocam de zonas de guerra para as povoações, sem qualquer apoio oficial, se encontram em situação dramática, alimentando-se de frutos silvestres e com a agravante de que em algumas áreas as chuvas foram fracas. Por isso, a situação de emergência ainda não acabou. É necessário continuar a olhar com muita preocupação para os problemas dos nossos deslocados. E agora, que a resposta internacional diminui drasticamente, temos de nos unir mais para atender estes nossos irmãos.


4. O acolhimento aos deslocados
O processo de regresso às zonas de origem por parte dos ex-militares e suas famílias já começou e deveria estar acabado no dia 31 de Março. Este é um caso onde todos têm de investir em força para que se dê uma verdadeira integração das populações no tecido social das suas áreas.
Mais do que nunca, neste momento, tem de se manifestar o espírito de acolhimento tão característico da nossa cultura africana. A comunidade receptora, sobretudo nesta hora, deve abrir-se, com espírito de partilha, para acolher os irmãos que chegam. Os jovens, na sua maioria, foram para esta guerra contra a vontade e vêm com o coração ferido pela dureza e injustiça da mesma. Temos de os compreender.
O verdadeiro espírito de reconciliação está na base deste acolhimento. O Santo Padre João Paulo II na Mensagem do dia da Paz de 97 dizia-nos: "A paz duradoura… assenta primariamente sobre a adopção dum estilo de convivência humana caracterizada pelo acolhimento recíproco e capaz de um perdão sincero"(n.4). O calor de uma recepção fraterna é a melhor terapia para corações feridos por tantos anos de violência e ódio. O Santo Padre continua dizendo: "Só o calor das relações humanas, impregnadas de respeito, compreensão, acolhimento pode ajudar a superar tais sentimentos" (4).
Encontramos, por vezes, certa intolerância, frequentemente partidária, em determinados ambientes. Esta é agora o maior inimigo da paz. Será fonte de isolamento e divisão no meio de um mesmo povo. Não matemos, com intransigências e exclusões partidárias, a alma comunitária do nosso povo. A tolerância é um condimento necessário para se fazer a paz.
Dentro deste espírito, apoiamos a urgência de serem entregues os muitos milhares de armas de guerra que se encontram ainda nas mãos de civis, pois vemos ainda bastantes desacatos e mortes provocados por essas armas. Naturalmente as forças da ordem terão de garantir a segurança à população, para evitar a desordem, os roubos, etc…, intervindo sempre que seja necessário.

5. Integração dos deslocados
Uma real integração dos deslocados na sociedade é o objectivo de todo este esforço. É importante que esta se dê realmente. Não basta que os deslocados cheguem às suas zonas de origem. Sem uma real integração na comunidade não poderá desaparecer essa nuvem de incerteza que inquieta o coração dos que regressam e que pode degenerar em violência e marginalidade. Este entrosamento na vida social é um processo activo. Exige, em primeiro lugar, um esforço pessoal de todos os que chegam. Eles têm de ser os primeiros a procurar a sua nova maneira de viver. Ao mesmo tempo a comunidade acolhedora deve tomar igualmente uma atitude activa, criando certas condições favoráveis à sua adaptação aos novos ambientes sociais.
Para que a integração do deslocado seja real precisa de ter o seu trabalho ou o seu emprego. Este é um dado fundamental. Daí a importância de que a economia e a reconstrução nacionais sejam relançadas, pois as Obras Públicas e as empresas serão os grandes facultadores de postos de trabalho. E, neste contexto, recordamos a urgência de reconstrução das estradas no interior do País. Por outro lado, seria desejável que o Governo com as outras organizações coloquem equipas locais, verdadeiramente activas, preocupadas em acompanhar este processo. Por isto é necessário que se acentuem ainda mais as medidas de apoio aos nossos deslocados, concretizadas em incentivos a novos empresários, a novas oficinas, a novas profissões, ou simplesmente com a integração no mundo do trabalho quer seja na agricultura ou em outra área. Por isso, sendo grande parte agricultores, deve haver orientações claras às autoridades tradicionais para a devolução e concessão de terras aráveis aos deslocados e estes devem ser ajudados com instrumentos de trabalho.
Um outro elemento importante é que seja integrado plenamente no sistema ou na engrenagem da vida social, podendo participar nas responsabilidades e funções directivas em paridade com os demais membros da comunidade.
O mesmo diremos das outras funções da vida comunitária, participação nas estruturas sociais e religiosas.

6. A Educação
Lugar prioritário deve dar-se à educação. Esta deve ser o grande cavalo de batalha nesta época de desenvolvimento. Há muitos adultos e crianças que não puderam passar pela escola. Pensamos que seria bom haver um plano especial de emergência para favorecer o acesso universal à educação ou pelo menos à alfabetização de todos estes que, por motivos da guerra, não puderam estudar. Portanto seria bom estabelecer um regime especial provisório de professores e de apoio a meios de educação. Investir na escola é um passo importante para colocar todos estes filhos de Angola numa situação confortável dentro da evolução social. A Igreja Católica dedica este ano de 2003 à educação, porque julgamos esta fundamental na estratégia da Nova Angola do pós-guerra. Realizaremos, entre outras coisas, um Congresso Nacional para o efeito, a ter lugar em Maio. A educação é uma área sensível na vida do deslocado. É preciso compensar os muitos anos em que os deslocados, por variadas razões, não puderam ter acesso à escola. Mas que este apoio não se reduza só às grandes cidades, senão que possa chegar aos pontos mais afastados de Angola, onde há já muitos anos falta a escola.

7. A resposta da Igreja a este problema
Como deveremos nós, Igreja Católica, responder e colaborar no bom êxito deste programa?
A Igreja é sacramento de reconciliação e, por isso, deve pôr todo o seu coração neste projecto de receber e integrar os irmãos dentro da sociedade civil e nas suas comunidades cristãs. A principal colaboração neste campo é velar pela qualidade do tratamento e apoio neste processo aos nossos irmãos que regressam. São para nós verdadeiramente irmãos, rostos de Cristo, talvez marcados com muitos sofrimentos.
É obrigação das nossas comunidades cristãs acolhê-los com grande cordialidade e com todo o nosso apoio. Colaborar com as outras entidades em tudo o que nos for possível. Que não haja qualquer resistência ou diferença na integração dos mesmos nas nossas comunidades. Sabemos que tanto o padre como o catequista não podem ser militantes de nenhum partido político, pois têm de ser pais de todos e estar igualmente aberto a todos. Que estes velem, com todo o cuidado, para que as nossas comunidades acolham, com o coração aberto, todos os irmãos, sejam eles quem forem e venham donde vierem.
O Movimento Pro Pace lançou a iniciativa dos Conciliadores para ajudar os irmãos a tomar consciência da necessidade de sermos verdadeiras comunidades fraternas, tolerantes e de reconciliação, sobretudo nesta hora do grande encontro de toda a comunidade angolana. Foi editado O Catecismo da Paz, onde se tratam as principais dimensões de uma comunidade reconciliada, baseada no amor e no respeito pelos valores fundamentais da pessoa humana. Todos os agentes de pastoral devem fazer deste opúsculo um guia para estudar com os cristãos e com as pessoas de boa vontade estes temas tão importantes.
No aspecto da integração social, que os nossos serviços sociais, de modo particular a Caritas, continuem a colaborar com os organismos humanitários nesta tarefa de ajudar os Irmãos a integrar-se na vida da sociedade.
O mesmo diremos das nossas escolas, seminários, casas de formação, pessoal da saúde, creches e orfanatos. Que se empenhem a fundo neste apoio ao irmão necessitado.
Que, neste momento, façam o seu melhor para apoiar todos os irmãos e colaborar na formação de uma Angola unida e onde todos os filhos da Nação tenham um lugar ao sol…
Também pedimos que a Cabinda chegue a ansiada paz, conseguida por um verdadeiro diálogo na justiça e na verdade, em que os responsáveis se devem empenhar.
Gostaríamos ainda de chamar a tenção para os grupos minoritário em perigo de extinção, como Mukwankalas ou Vasekeles, Vakusus, etc. Também a estes se deve prestar a devida atenção, pois são mais vulneráveis, para que se integrem no seu ambiente próprio e encontrem a sua normalidade de vida.
Que o Imaculado Coração de Maria nos acompanhe nestas tarefas e nos conceda de seu Filho Jesus uma verdadeira paz para todos os angolanos.

Luanda, 26 de Março de 2003

Os Bispos Católicos de Angola e S. Tomé

Fonte Ecclesia

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