paroquias.org
 

Notícias






Sem padres nossos
2001-02-05 22:38:43

Em Newark, os portugueses sentem falta de padres e de missas. Por cada dez mil fiéis há só um sacerdote. Diz-se que morrem cedo. De «stress»


Nesta altura do ano, Frei René Lima deve estar a interrogar-se sobre qual será o projecto de Deus para ele, embora, como é óbvio, nunca o admitisse. Nos últimos dias, a temperatura média em New Jersey não tem ido além dos -4 graus Celsius. A neve das duas últimas tempestades recusa-se a derreter e continua a acumular-se em feios montículos cobertos de fuligem, nos passeios desta decrépita cidade industrial chamada Newark. Na sua congregação são muitos os que aproveitam esta oportunidade para fugir para qualquer lado mais quente e soalheiro, por exemplo o Brasil, talvez mesmo São Paulo, que ironicamente é o lugar onde nasceu Frei René e onde ele trabalhava alegremente como padre de uma paróquia até que há cinco anos o seu bispo o chamou um dia e o enviou para um local onde havia «uma grande necessidade».

Que a necessidade em Newark é grande, ninguém pode negar. Há cerca de 100.000 católicos lusófonos na parte norte de New Jersey, e o número está a crescer todos os anos com a rápida afluência de imigrantes brasileiros que se juntam à comunidade portuguesa, há muito estabelecida nesta cidade. Contudo, apenas 10 padres sabem falar a língua, um por cada 10 mil pessoas.

Jim Goodness, porta-voz da arquidiocese de Newark, nega que o problema tenha chegado a um ponto de crise. «A nenhum católico lusófono foram negados os últimos sacramentos nem houve qualquer casamento que tivesse de ser adiado por causa disso», insiste, mas em entrevista ao EXPRESSO reconhece que «o número de missas rezadas em português é menos do que nós queríamos ou precisaríamos». Um porta-voz de Frei Lima diz que o padre está «a fazer um grande esforço, correndo de um lado para o outro, para exercer o seu ministério». Tony Ingram, um laico que encabeça um apelo para recrutar mais seminaristas, vai ao ponto de sugerir que os padres trabalham de tal forma em excesso que «estão a morrer muito cedo, de ataques de coração e de outras doenças relacionadas com o stress».


Foi esta falta de padres que levou o arcebispo Theodore McCarrick, entretanto promovido a cardeal em Washington DC, a visitar Portugal no ano passado, com uma proposta que julgava sedutora: emprestarem a New Jersey alguns padres, em troca de padres anglófonos para exercer junto do número crescente de católicos de língua inglesa a viver em Portugal. Mas não teve sorte. «Portugal está a passar pelos mesmos problemas que nós temos quanto a vocações», reconheceu tristemente ao regressar. O seu único conforto foi ter ouvido da boca de muitos bispos com quem falou em Portugal que «sentiam uma responsabilidade perante os portugueses daqui». Goodness diz que «ainda temos esperança que Portugal nos possa ajudar, mas já sabíamos que não ia ser uma coisa a que pudessem responder imediatamente».

Na verdade, os problemas em Newark não são muito diferentes dos existentes no país em geral ou mesmo no resto do mundo. Calcula-se que existam 62 milhões de católicos romanos nos EUA, o que representa um aumento de 34% desde 1965. Ao mesmo tempo, o número de padres desceu 20%. Até 2005, de acordo com uma estimativa, o número de padres em Newark terá descido 40%, de 876 em 1965 para 528. A idade média dos párocos americanos é agora 57 anos e, dos 27.000 padres em actividade no país, apenas 298 têm menos de 30 anos, enquanto 433 têm mais de 90. Internacionalmente, o número de católicos também aumentou cerca de 30% nesse período, ao passo que o número de padres desceu 10%.

O Vaticano assaca as culpas disso a uma sociedade crescentemente secular. «Muitas famílias não são verdadeiras famílias cristãs, mesmo nos países católicos», diz o cardeal Dario Castrillon Hoyos, da Congregação para o Clero, «não praticam a fé e portanto não são o tipo de famílias que forneçam padres». É verdade que houve uma queda dramática no número de candidatos aos seminários; em 1966 houve 43.000 na América. Até 1995, esse número desceu para apenas 4000.

Jim Goodness atribui o problema ao facto de as famílias serem menos numerosas. «Antigamente, com famílias maiores, havia mais hipóteses de que pelo menos um filho estivesse interessado no sacerdócio». Mas nenhuma das teorias explica totalmente outra vertente do problema: as resignações. Começaram por se tornar um grande problema depois do Concílio do Vaticano. Entre 1968 e 1974, 4100 padres e dois bispos deixaram o ministério. Desde então, as resignações estabilizaram em cerca de 125 por ano, mas numa igreja onde são ordenados menos de 600 padres por ano essa proporção é enorme.

Encorajados por uma investigação conduzida por Richard Schoenherr, um padre laicizado que ensinou Sociologia na Universidade de Wisconsin, muitos católicos americanos culpam o celibato e as regras que proíbem o acesso de mulheres e de casados ao sacerdócio. Em 1995, o padre Norman Rotert, vigário-geral de Kansas City, disse abertamente que «a falta de padres não vai ser resolvida cerrando os dentes e rezando por mais vocações. Temos de celebrar a Eucaristia ou morreremos». Rotert foi mais longe, recomendando a ordenação de mulheres e de homens casados. Nesse mesmo ano, quatro bispos, liderados por Rembert Weakland, que dirige a arquidiocese de Milwaukee, assinaram uma declaração questionando a exigência de celibato e implicitamente criticando a encíclica papal Ordinatio Sacerdotalis, que excluiu definitivamente a ideia da ordenação de mulheres.

Nos últimos 10 anos, uma organização chamada Future Church, que defende a ordenação de padres casados e de mulheres, cresceu em todo o país e agora diz ter mais de 3000 aderentes. O grupo é chefiado por Christine Schenk, uma freira celibatária. Schenk disse ao EXPRESSO que «a Eucaristia é mais importante para a identidade católica do que o celibato ou o sexo de quem lhe preside». E também faz notar que «de acordo com sondagens recentes, 68% dos americanos apoiam a ideia de padres casados, 66% apoiam mulheres padres, e os números são ainda mais elevados em Espanha e provavelmente em Portugal».

Mas, infelizmente para Frei Lima e a comunidade lusófona de New Jersey, Schenk não prevê qualquer mudança imediata. «Estamos a marcar passo até termos um novo Papa», diz ela abertamente. «É horrível dizer que estamos à espera da morte de um homem». Considera que, embora João Paulo II tenha nomeado uma hierarquia tal como ele conservadora, «isso não significa que todos pensem da mesma maneira, podem estar só a pender para o conservadorismo porque isso é uma exigência dos tempos».

A ideia de que os membros mais velhos da igreja podem ter vontade de reexaminar as leis parece ter alguma credibilidade. Jim Goodness sublinha que «o cardeal McCarrick disse publicamente que um sacerdócio praticado por casados não é impossível, só que não é actualmente a prática da igreja».

Entretanto, os imigrantes portugueses daqui terão de rezar por uma resposta aos anúncios de recrutamento colocados em grandes placares espalhados por toda a parte nas estradas de New Jersey, em que se podem ver duas mãos segurando o mundo com os dizeres: «Contribui para um mundo diferente como padre, irmão ou irmã».



Fonte Expresso

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia