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Quaresma 2003, a felicidade de dar
2003-03-10 22:16:23

1- No próximo dia cinco de Março principia a Quaresma deste ano de 2003.
Numa época marcada pela secularização, que ameaça retirar a face religiosa às pessoas e às coisas, aos Domingos e às festas cristãs, ao calendário e aos tempos litúrgicos, o primeiro esforço a fazer na Quaresma será o de recuperar o seu primitivo sentido de tempo sagrado, um tempo favorável aos ventos do Espírito, um tempo de conversão e de regresso à intimidade com Deus e de maior sensibilidade aos outros.


Lembro-me a este propósito do célebre pintor El Greco que fechava as janelas da sua oficina para que a luz do sol o não impedisse de ver a outra luz mais misteriosa de uma vela de que ele precisava para ver e pintar a alma dos seus quadros. Quantos dos nossos contemporâneos vivem encandeados com os faróis da civilização tecnológica, carecidos de outra luz para contemplarem o mistério da vida que trazem dentro de si !
Na sua origem, a Quaresma destinava-se a ultimar a preparação dos adultos que iam ser baptizados na Páscoa, e a despertar o arrependimento dos baptizados que se haviam deixado fascinar pelo mundo e abandonaram os compromissos baptismais. Para os primeiros, os exercícios prescritos eram a escuta da Palavra de Deus e os exercícios de iniciação que levariam ao abandono dos critérios de uma vida pagã e à plena integração na comunidade eclesial ; para os segundos, a prática da penitência e reparação do mal causado à comunidade. Em síntese, união jubilosa com Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e com a comunidade, através da Oração, da Penitência e da Esmola, os meios usados em toda a tradição bíblica e pelos santos.
Esta é ainda hoje a orientação geral da Quaresma - a preparação da Páscoa pela renovação da vida pessoal. A Igreja prescreve alguns actos comuns para desenvolver em todos os cristãos do mundo o espírito de uma comunidade organizada, e outros deixa-os à generosidade de cada um.

2- Todos os dias são dias de mais oração pessoal, familiar e comunitária. Dos actos recomendados destaca-se a escuta e meditação da Palavra de Deus, mormente a narrativa da Paixão do Senhor, o exercício da Via sacra, a frequência dos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia.
São dias de penitência comum a Quarta feira de Cinzas e a Sexta feira Santa (jejum e abstinência ); são dias de abstinência, todas as outras sextas feiras.
Mantendo nesses dias o jejum e a abstinência de carne e seus derivados como um sinal de comunhão eclesial e humildade pública, a Igreja convida-nos a alargar o sentido de jejum e de abstinência estendendo-o a outros consumos da sociedade actual: a busca de refeições mais modestas, a renúncia ao uso de tabaco, de álcool e outras bebidas excitantes, a fuga a divertimentos nocturnos, ao uso excessivo de televisão, a espectáculos de danças e passatempos mundanos, e fazendo convergir o produto económico dessas renúncias quaresmais para a finalidade indicada pelo bispo diocesano. Em contrapartida, empenhar-se positivamente em melhorar o trabalho profissional , em acções de voluntariado em favor de pessoas carecidas, em visitas a doentes e idosos, em gestos de atenção aos que nos rodeiam, na aceitação das dificuldades
A esmola ou partilha quaresmal de bens exprime-se pela oferta de uma quantia pessoal, proporcional aos rendimentos de cada um, chamada contributo penitencial ( o único contributo dado anualmente pelos fiéis directamente para a Diocese), e pela renúncia pessoal a algumas despesas acima referidas e cujo produto será canalizado para uma finalidade determinada pelo Bispo da Diocese , a qual neste ano será destinada a Diocese de Malanje.
Em todos estes actos deve ter-se como modelo e fonte de vida a pessoa de Jesus Cristo que por nosso amor e obediência ao Pai levou até à morte a sua generosidade. A sua pessoa e exemplo são capazes de fazer sentir em cada um o encanto interior da oração, o dinamismo pessoal de entrega sacrificada, a alegria da partilha de bens em favor dos outros, gerando assim o «homem novo». Mesmo num tempo de dificuldades económicas tem sentido o exercício destes actos.
Na sua mensagem para esta Quaresma, dirigida a todo o mundo, o Papa comenta aquela afirmação do livro dos Actos dos Apóstolos de que «a felicidade está mais em dar que em receber». «Esta inclinação ao dom não é somente uma solicitação moral ou imperativo externo, mas está inscrito genuína e profundamente no coração humano: cada pessoa realiza-se plenamente a si própria quando se dá livremente aos outros Infelizmente o espírito do mundo altera a inclinação interior induzindo a satisfazer os interesses particulares, promovendo uma cultura do efémero e do hedonismo.E porque o espírito de individualismo e egoísmo invadiu a nossa cultura, estamos a viver uma época de grandes contrastes sociais entre pessoas e grupos, classes e povos. Torna-se necessário educar para o espírito de comunidade, para os actos heróicos e para a partilha de bens, dando não só do supérfluo mas até do que consideramos necessário». É nessa hora que Deus nos faz «sentir» o que é ser pobre, o que significa «não ter». Mesmo quando se dá por compaixão natural, sem ter logo presente o espírito cristão, essa partilha é válida e acaba por nos aproximar de Deus Esta partilha de bens económicos prepara e prolonga os actos heróicos da vida: o voluntariado, a alegria de trabalhar «sem proveito», de «perder o tempo» em benefício dos outros, de «gastar a vida» por amor de Deus e de quem precisa .
Como se vê, a Quaresma cristã não é uma ascese fechada em si mesma, uma espécie de busca da elegância pessoal. Em todos os exercícios ela abre-nos à libertação interior em ordem a uma comunhão com Jesus Cristo e com os outros.
Pede-se aos Párocos que nas paróquias organizem de modo conveniente tempos de oração, de meditação da Palavra, na certeza de que alguns fiéis os procurarão, uma vez que em casa nem todos sentem facilidade de rezar; tempos da celebração da Penitência com e sem celebração do sacramento, para educarem a consciência moral e religiosa; e estabeleçam um Domingo para a recolha do contributo penitencial e da renúncia quaresmal.
Roga-se também aos pais que em casa despertem gradualmente o coração dos seus filhos para a grandeza da Quaresma, um tempo que prolonga e aprofunda a experiência da generosidade de Deus no Natal, fazendo-lhes sentir o mistério do amor de Jesus Cristo que ultrapassa o drama do mal do mundo, e sugerindo-lhes um pequeno programa de vida. A leitura de pequenos textos da Paixão e a presença de um Crucifixo em lugar por eles escolhido, podem ajudar a compreender que esta caminhada da Quaresma se orienta para a Páscoa da Ressurreição, ou, dito de outro modo, faz-se para desenvolver em nós a comunhão com Jesus Cristo, que Se deu sem reservas, e a comunhão com as outras pessoas que de nós precisam.
O modo como vivemos a Quaresma-Páscoa define a nossa concepção de Igreja e o estilo de vida cristã.
A todos desejo uma Quaresma corajosa para depois saborearmos uma Páscoa verdadeiramente feliz.

Vila Real, 20 de Fevereiro de 2003, Dia do Francisco e da Jacinta

Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real.

Fonte Ecclesia

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