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Os Mártires Cristãos Não Aspiram ao Suicídio
2003-02-27 19:28:26

Andrea Riccardi esteve na quinta-feira passada em Lisboa, a apresentar o seu livro "O Século do Martírio" (ed. Quetzal). Ao PÚBLICO, falou do que mais o impressionou neste trabalho, além de se ter referido à polémica sobre os arquivos relacionados com Pio XII (ver edição de domingo passado).

PÚBLICO - Qual foi a sua experiência ao ver estes testemunhos de mártires?
ANDREA RICCARDI - Não quero ser falsamente humilde: creio conhecer a história do cristianismo do século XX, escrevi livros, trabalhei sobre alguns problemas. Mas ver esta história de mártires tocou-me muito. São os subterrâneos, as catacumbas da história de um cristianismo martirizado.

P. - E que não era conhecido...
R. - Pouco. Era conhecida a grande perseguição russa, a dos arménios feita pelos turcos, mas não era tomada como uma visão de conjunto. Era um mosaico: histórias diversas, factos e questões diversas. Agora, chegou-se a um fresco incrível do martírio do século XX. Por um só motivo? Há um que os une a todos: são cristãos. Mas depois há razões muito diferentes.

P. - Como olha agora para a história e para a fé, tendo em conta estes testemunhos?
R. - O martírio cristão não pede vingança, os mártires morrem perdoando. É um martírio não-violento, não é um martírio de ódio. Isto é de grande importância. Também a Igreja deve entender a mensagem dos mártires, que não foi ainda compreendida. É a mensagem e o testemunho de uma força débil. O cristianismo é uma força débil. Há muito a descobrir, de novo, no cristianismo. Cito a frase do padre Men, de origem hebraica, russo, ortodoxo, morto em 1990, talvez uma das últimas vítimas do KGB. Ele diz que o cristianismo é qualquer coisa mais que uma forma cristalizada, é um tesouro a descobrir.

P. - Estes testemunhos podem levar ao risco de acentuar a dimensão sacrificial da fé cristã em detrimento da redenção ou da ressurreição?
R. - Os novos mártires não trazem consigo um clima sacrificial barroco do cristianismo. Os novos mártires não queriam morrer. Examinei centenas, milhares de histórias. É gente que não queria morrer. As freiras que ficaram em África ao lado dos doentes do Ébola não queriam morrer, mas sentiam que não podiam deixar essa gente que lhes estava confiada.

Isto explica-se com um versículo da Escritura: "O amor é forte como a morte." Estes mártires não aspiram ao suicídio. Procuram, até ao fim, modos de não morrer. Falo-lhe de uma pessoa que conheci: o padre Christian de Chergé, monge trapista na Argélia, prior do mosteiro de Tiberine. Conheci-o pessoalmente. Foi raptado pelos terroristas fundamentalistas do GIA [Grupo Islâmico Armado]. Da documentação que temos, vemos que o padre Christian - que depois foi morto, com os seus sete irmãos, pelos terroristas - lutou, discutindo com eles, para sobreviver. O mártir cristão não é um suicida, não é um herói que despreze o perigo. É alguém que busca viver até ao fim a própria dimensão. Mesmo com risco da vida, mas nunca procurando a morte.

P. - Que casos o impressionaram mais?
R. - Não saberia dizer-lhe. São tantos os que me impressionaram: os mártires das religiões - do islão, do próprio budismo tibetano. Impressionou-me muito a Rússia, esse martírio de um povo cristão que foi morto pela fé. Há hoje uma documentação impressionante publicada pelos colegas russos em que o KGB e as organizações securitárias escreviam tudo. Era uma mentalidade burocrática. Escrevendo tudo, chegamos a relatórios perfeitos, uma documentação sobre o martírio feita pelos próprios assassinos, onde se descobre uma relação muito particular [entre o] mártir e o assassino.

Fonte Público

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