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Ano Europeu da Pessoa com Deficiência
2003-02-18 21:56:07

O Conselho da Europa propôs a realização do Ano Europeu por constatar que, na Europa, há barreiras múltiplas à integração plena dos cidadãos com uma deficiência e ainda existem situações de discriminação. Muitas destas situações não são intencionais.

É que, como alguém dizia, as pessoas com deficiência são “cidadãos invisíveis”. Ninguém dá por eles, não os têm muito em conta quando se organiza a vida em sociedade: a habitação, os serviços, desde a saúde, às Câmaras Municipais, às Estradas, teatros, telefones públicos, etc., etc., etc.

Os “Anos de...”, os “Dias de...” destinam-se a ser tempos de fazer crescer a consciência da existência dos problemas. Não tanto para os resolver por passes de mágica, mas para passar a vê-los.

Em Portugal, como mãe dum cidadão adulto com uma deficiência mental grave, posso testemunhar da minha tristeza pela invisibilidade social destes cidadãos. Batalhei muito pela agilização do processo de tutela: alguém pode imaginar que em Portugal é normal que o meu filho chegue à maioridade legal e nós, seus pais, não sejamos “convidados/intimados” a exercer e garantir a sua tutela? O seu processo de interdição levou três anos e não era “normal” que os seus tutores fossemos os seus pais, pois que o processo visa essencialmente a defesa dos seus bens e não a protecção da sua pessoa. Ele tem hoje 31 anos e tudo continua na mesma. Que direitos tem ele assegurados?
Vários adultos internados em instituições, por não terem família, são por exemplo, impedidos de frequentar uma igreja com a assiduidade e regularidade que desejam. Onde está a garantia da liberdade religiosa? Porque não os abrange?

De facto, o Ano Europeu em Portugal deveria servir para a sociedade portuguesa tomar consciência da existência de cidadãos com necessidades especiais que não são respeitadas em tantos campos. Em 1997 foi elaborado um Decreto-Lei que exigia a eliminação de barreiras arquitectónicas num prazo de 7 anos, nos edifícios públicos e impunha regras para as novas construções. O Prazo está acabar e a responsabilidade duma inércia quase generalizada está por apurar.

É urgente que nos apercebamos deste estado de coisas e que por todos os meios, todos nós e todas as comunidades assumam que não cabe aos outros fazer, cabe a cada um, olhar á sua volta e mudar ao seu redor alguma coisa de modo a que se possam cumprir os objectivos do ano. Para isso não façamos coisas para eles, mas com eles: oiçamo-los. Vamos descobrir o seu contributo.

Vamos descobrir que a frase: “dos fracos não reza a história” é profundamente parcial e injusta. Os fracos fazem-nos descobrir dimensões da vida que podemos tentar dissimular, mas é quando as enfrentamos que podemos libertar-nos da opressão de sermos “sempre bem sucedidos”, “melhores que os outros”. É sempre difícil para qualquer pessoa, aceitar-se como é: limitada, frágil, vulnerável. Mas é condição para se estar em paz connosco. Há pessoas com deficiência com uma sabedoria enorme a este nível, onde todos temos graves deficiências.
Deus na Sua infinita Misericórdia e Sabedoria criou-nos diferentes e interdependentes. Todos nós temos limites na nossa autonomia conforme a nossa faixa etária ou a nossa condição. Os adultos, que conquistaram a sua autonomia, perderam, muitas vezes o sentido dessa interdependência: precisamos uns dos outros. Precisamos de Deus. Não somos independentes, não somos os maiores.
A dependência, a fragilidade é sempre caminho de libertação.

As pessoas, mesmo com uma deficiência mental grave, podem ter este papel importantíssimo de ser fonte de comunhão, daquela que não é perturbada pela palavra, que trai tantas vezes a comunicação. Jean Vanier fala de comunhão coração a coração. Esta permite que nos sintamos acolhidos pelo outro como somos e que possamos aprender a olhar a pessoa com limites naquilo que ela tem de não limitado, no seu mistério. O mistério da Vida que há nela.

O perigo dos “Anos de...” “dias de...” é que façamos coisas para fazer, para mostrar que fazemos, que fazemos para eles... Este perigo é forte neste ano em que a preparação aparece tarde e com fortes pressões políticas, mas com uma fraca capacidade de transmitir a conceptualização do que se pretende introduzir como mudança. Com um tecido associativo débil e com poucos apoios, uma população habituada a uma grande passividade, este risco é, entre nós, grande. É necessário estar alerta e dar a voz às pessoas, ou às famílias directamente afectadas.

Mesmo que os serviços públicos façam pouco, ou que discordemos do tipo de iniciativas que são promovidas por entidades oficiais ou outras, podemos sempre descobrir o que se passa no nosso bairro: há barreiras arquitectónicas? Na nossa Igreja: é acessível? Não só em termos arquitectónicos, mas também nas relações que estabelecemos com elas: fugimos delas, ou interessamo-nos e permitimos-lhe que participe nas nossas festas, nas nossas celebrações. Como tratamos do anúncio da palavra de Deus? Partimos do princípio que ela não percebe, ou deixamos espaço para que cresça à medida das suas capacidades?

Alice Caldeira Cabral
Coordenação Nacional do
Movimento Fé e Luz
Évora, 12 de Fevereiro de 2003

Fonte Ecclesia

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