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A MISSA É SAGRADA E O FUTEBOL É SANTO
2003-01-16 21:50:37

Manuel Sequeira Teles, padre e doutor da Igreja, nasceu a 20 de Setembro de 1926, no Salgueiral, freguesia de Godim, Régua. É um homem dos mil ofícios, que nutre uma paixão fora do comum pelo futebol.

Para além do exercício do sacerdócio em duas paróquias (Pençalvos e Parada de Monteiros, no distrito de Vila Real), é professor de Português e História e dirigente desportivo no Juventude de Pedras Salgadas. “A missa é sagrada e o futebol é santo", diz o padre Teles. As suas crónicas – "Pontas de Fogo" – nas rádios e jornais regionais são arrasadoras quando utilizadas para denunciar situações com as quais não concorda e se coloca na primeira linha da defesa dos seus paroquianos e da humanidade.

Aceitou fazer, em exclusivo para o Correio da Manhã, a radiografia da sua vida, dando conta do seu amor ao desporto-rei. “Eu fugia do seminário para poder ir treinar para o Estádio 1o de Maio, em Braga. Ia para casa dos jogadores, o que provocava autênticos ataques de fúria dos meus superiores".

O padre Teles também abraçou a faceta de treinador. As equipas por si dirigidas ganhavam todos os torneios em que participavam. A táctica era simples e levada à letra deu bons resultados: "Os defesas estavam proibidos de fazerem fintas perto da baliza e os avançados estavam avisados para tentarem o golo de qualquer maneira. Em cada dez remates, cinco podiam ir para fora, três o guarda redes podia defender, mas se marcássemos dois golos, por norma, ganhávamos os jogos".
“O desporto é como que um alimento para mim. Entre outros cargos fui director do S.C. da Régua, do Juventude de Pedras Salgadas, presidente do Douro Futebol Clube, o local onde nasci. Fui ainda delegado técnico de árbitros da 1a Divisão Nacional, a quem ministrava conferências, em especial psíquicas, antes dos jogos, quando a FPF juntava os árbitros e eu era um dos convidados. Os conselhos que eu lhes dava era que, à sexta-feira, quando acabassem o trabalho normal, deviam rever a matéria. No sábado, aconselhava-os a não dormirem com as mulheres deles, não beberem bebidas alcoólicas e para repousarem. No domingo, que entrassem felizes em campo, para terem uma actuação isenta", recorda.

Confrontado com a proximidade da arbitragem, considerada o pecado do futebol, com a igreja que tinha abraçado, o pároco diz nunca ter sentido nenhum embaraço, para além de não considerar a arbitragem a razão de "o pecado do futebol".
"Eu faço conferências aos dirigentes, treinadores e jogadores, para além dos árbitros. Em todos os agentes é fundamental que se respeitem as leis. Os jogadores devem obediência aos dirigentes, porque estes se sacrificam para que nada lhes falte, e, além disso, são eles que lhes pagam. O treinador tem de ser o espelho dos jogadores e os dirigentes têm de dar o exemplo perante a equipa de arbitragem, até mesmo quando as coisas correm mal, porque o árbitro é um ser humano e pode errar".

HOMILIAS REVOLUCIONÁRIAS

Na Páscoa de 1966, Sequeira Teles, vem a exercer acção pastoral em Vila Pouca de Aguiar, onde encontrou uma população desmotivada e descrente. As práticas e conferências do Padre da Régua (como era conhecido) correram céleres.

Como muitos paroquianos estavam de costas voltadas para a igreja, o padre pregava nas sedes dos clubes de futebol e nos cafés, ficando célebre a abertura de uma homilia em cima de uma cadeira, para que toda a plateia pudesse ouvir que "na vida nem tudo era o Eusébio, o Coluna, ou o Simões. Que ali se podia também discutir se Portugal devia jogar em 4-3-3, ou em 3-2-5, com o José Augusto na direita, o Simões na esquerda, a centrarem para a cabeça do Torres, porque o Eusébio fazia a diferença”.

Aquelas palavras amoleceram os corações mais duros e a igreja voltou a encher-se, tanto mais que o padre até tocava acordeão durante a missa. Não satisfeito, até porque restavam algumas “ovelhas mais renitentes em regressar ao rebanho”, Sequeira Teles confessou paroquianos nas mesas dos cafés, "sentados em cima das grades de cerveja vazias a servirem de cadeiras".

MEDO DAS MULHERES

Nascido numa família de "tradições religiosas profundas, mas onde imperava muita pobreza", os seus pais viram, na altura em 1935, o seminário "como um asilo". "A maior parte das vezes havia meia sardinha para cada um dos meus 12 irmãos. Eu fui para o Seminário, tive sorte", recorda. Mas as tentações, naturais num jovem, ainda se faziam sentir, ao ponto de Manuel Sequeira Teles chegar a questionar a sua escolha.

"Com 24 anos, com o curso feito, estive três anos à espera, em reflexão, porque tinha medo de ser padre. Eu era um jovem garboso, atraente, e como, já naquela altura, tinha ideias avançadas, o receio de não resistir às mulheres e não ser capaz de respeitar as leis da igreja, que o coração me fraquejasse assaltava-me permanentemente. Estive três anos nesse calvário, com os meus superiores também muito preocupados com a minha situação”.

ORDENAÇÃO APRESSADA

As dúvidas do padre Teles na altura levaram os responsáveis religioso a tomar medidas inovadoras. "Quando decidi assumir, os meus superiores, com receio de que eu voltasse atrás, ordenaram-me em apenas 15 dias, quando por norma são necessários seis meses para receber o diaconado, após o qual já podia fazer homilias, baptizar e falar na igreja, e mais seis meses para se ser ordenado padre. Eu fui ordenado fechado entre quatro paredes. Subdiácono no Natal, Diácono no Ano Novo e oito dias depois padre, uma situação que era proíbida pelas leis da igreja. Até nisso fui uma excepção“.

"DIABOS SOMOS NÓS UNS PARA OS OUTROS"

Um assunto que espanta o padre Teles é a crença dos povos em bruxarias e demónios. O pároco diz não acreditar em satanás, exorcismos, ou práticas esotéricas, e tem assumido essa posição por diversas vezes em encontros sobre estes temas, assumindo mesmo que a sua experiência neste campo é grande: “Hoje posso dizer que sou perito a falar disso e que não acredito em nada disso. Diabos, existem, mas é cá no mundo. Diabos somos nós uns para os outros".

Quando se fala de bruxarias é usual apontar-se o facto de que se pode encomendar um bruxedo ou feitiçaria contra determinada pessoa. Para o pároco essa é a mais rotunda das mentiras. "Que existe alguém que o quer fazer, que pensa ser capaz de o fazer, lá isso há. Mas conseguir, isso eu sei que ninguém é capaz. Isso é tudo uma grande aldrabice. Desafio alguém a provar-me o contrário".

"MAIS TARDE OU MAIS CEDO PADRES SERÃO CASADOS"

Falando com a experiência de mais de 60 anos ligado à igreja, Sequeira Teles não tem dúvidas em afirmar que, "mais cedo ou mais tarde os padres serão casados, como os outros homens”.

“A vocação sacerdotal, na sua essência, não exige que seja casado ou solteiro. O padre pode ser casado, e o maior exemplo que temos é que quando Cristo escolheu os apóstolos, uma grande maioria eram casados. Se é para uma entrega total à igreja, penso que uma família, em vez de um padre solitário, podiam congregar à sua volta uma maior comunidade. Penso ainda que, hoje, a igreja tem um certo receio da mulher. A igreja tem de analisar, a breve trecho, sobre o perigo de ficar isolada, da razão de cada vez haver menos padres. Os bispos são os responsáveis, eles é que têm o Espirito Santo", frisa.

DEPOIMENTOS EXPRESSIVOS

AGOSTINHO CHAVES - Historiador de Vila Pouca de Aguiar
“Uma excelente pessoa ao serviço da população. Anima os sermões com um acordeão que ele próprio manuseia, reivindica necessidades para a melhoria da qualidade de vida do povo, como a exigência de instalação eléctrica na pequena aldeia de Pielas – ficou célebre a sua expressão ‘os homens não podem ser iluminados pela luz divina se não tiverem luz eléctrica em casa.’”

JOÃO MIAL - Funcionário das Finanças
"Eu era um jovem quando ele apareceu. A maioria frequentava mais o salão do clube do que a igreja e, até aí, num local de jogo, o Padre Teles realizou palestras de tal forma que no domingo seguinte a igreja estava cheia para ouvir as suas palavras. Recordo que nesse dia deixou todos de boca aberta quando entrou pela porta da frente da igreja matriz a tocar acordeão”.

MÁRIO COSTA PINTO - Presidente da Junta de P. Monteiros
"O povo da minha freguesia vê o padre Teles como se fosse um Deus. Não há nada que este homem não procure fazer pelos seus paroquianos. Recentemente mandou colocar aquecimento central em toda a igreja para que enquanto assistem à liturgia as pessoas não tenham frio. Chamam-lhe revolucionário? É destes padres que a igreja precisa”.

JOÃO SARMENTO - Advogado (ex-aluno do padre Teles)
"Foi meu professor no seminário de Godim. É um homem de Deus que, desde essa altura, vive no meu coração, já que para além de ser um professor competente, exigente, de uma qualidade acima do normal, em termos de capacidades docentes, ele formava homens. Muito daquilo que sou devo ao Padre Teles e a outros colegas dele, pela formação que me deram".

EDUARDA COSTA - Paroquiana
“Estávamos sem padre fixo há algum tempo, quando senhor Bispo nos mandou, por empréstimo, o padre Teles. Abençoada hora. Já nessa altura, nas outras freguesias, se dizia que ele era um padre revolucionário. Nós nunca tivemos receio porque as suas palavras eram de paz e esperança. Nem quero pensar na possibilidade de ele se ir embora".

CRIANÇAS NA CATEQUESE - Igreja de Pensalvos
Pedro Alves, 11 anos, diz que o padre é um “homem bom" e sempre disponível a “ajudar nos estudos”. Já a Sabrina Alves, 8 anos, refere que “além das coisas sérias que diz na igreja, cá fora é muito divertido, é mesmo uma pessoa fixe". A Andreia Maria, 6 anos, prefere comer hóstias: “O padre tem daquelas que ainda não estão benzidas e dá-nos”.

Fonte CM

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