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Queda persistente na fertilidade dá nova forma ao futuro da Europa
2003-01-01 12:25:09

Por FRANK BRUNI
FERRARA, Itália — Numa noite recente no centro recreativo do Elefante Azul, aqui em Ferrara, um grupo de pais e mães observava, rejubilante, enquanto dúzias de crianças de 3 ou 4 anos corriam por uma sala de brincadeiras colorida, pulando no chão almofadado ou rabiscavam em folhas de desenho, inflamados de orgulho criativo.


Era a Itália tal como os estrangeiros ainda a imaginam: adorando as crianças e amando a família.

Mas havia qualquer coisa de errado nesta imagem. A maioria dos pais contemplava uma e apenas uma criança.

Isto é verdade para Gianluca Valenti, que dizia que dar irmãos ao seu filho seria demasiado cansativo e dispendioso, e para Barbara Lenzi, que dizia que mais que uma criança "não parece fazer sentido.".

É também verdade para Rosa Andolfi, que respondeu a uma pergunta sobre Ter mais uma criança como se houvesse um vampiro por perto. "Basta!". A Sra. Andolfi como que ganiu e, de seguida, fez o sinal da cruz com os dedos, atirando-a para a frente.

Esse gesto não era apenas uma brincadeira, mas significativo; tocava uma crescente realidade preocupante em Itália e noutros países europeus, cujas taxas de fertilidade têm caído a pique ao longo das últimas décadas, elevando as famílias com apenas um filho quase ao nível da norma estatística.

Em Espanha, na Suécia, na Alemanha e na Grécia, a taxa de fertilidade total — ou o número médio de filhos que se espera que uma mulher dê à luz, baseados nos indicadores actuais, — era de 1,4 ou menos, no ano passado (2001), de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

Esta taxa não atingiu os 2,1 em nenhum país europeu — a marca que, de acordo com os demógrafos, significa a exacta renovação da população. Em contraste, os Estados Unidos possuíam uma taxa de 2,0, a qual os demógrafos atribuem a uma maior imigração.

Apesar de este caminho se ter evidenciado ao longo das últimas décadas, as suas consequências, lentamente acumuladas, só agora se fazem sentir de uma forma mais forte, à medida que mais estados da Europa ocidental reconhecem e tomam medidas no que se refere ao espectro do subemprego e das forças de trabalho pouco competitivas, superabundância de reformados e sistemas de pensões que necessitam de cortes profundos.

Em Itália, onde a taxa de fertilidade, durante o ano passado (2001), foi de 1,2, de acordo com a OMS, o ministro do trabalho, Roberto Maroni, anunciou que o custo, para o estado, do sistema de pensões de reforma, terá de ser reduzido. O Sr. Maroni disse que o governo iria oferecer incentivos, que não especificou, para conservar as pessoas a trabalharem para além da idade mínima de reforma, aos 57 anos.

As Nações Unidas publicaram recentemente dados que sugerem que a população de Espanha poderá diminuir dos actuais 39,9 milhões para apenas 31,3 milhões em 2050. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a taxa de fertilidade em Espanha no ano passado (2001), foi de apenas 1,1, a mais baixa da Europa ocidental.

Muitas províncias do rico e educado norte de Itália, têm taxas de fertilidade muito abaixo dessa.

A taxa anual, na província de Ferrara, que inclui a cidade de Ferrara, tem sido de 0,9 por cada um dos anos em que o Instituto Nacional de Estatística italiano efectuou registos, desde 1986.

As entidades oficiais de Ferrara falam da escassez de crianças nas ruas, do encerramento das escolas primárias ao longo da última década, e de uma subtil sensação de que falta qualquer coisa.

"Há uma falta de energia," afirmou o vice-presidente da Câmara de Ferrara, Tiziano Tagliani numa entrevista recente ao The New York Times. "A sociedade está mais fria sem crianças.".

A nível nacional, a taxa de fertilidade italiana tem sido tão baixa há tanto tempo — abaixo de 1,5 desde 1984 — que o país oferece um vislumbre especialmente bom sobre as dimensões e dinâmicas da tendência.

Por exemplo, a Itália possui hoje população com a mais velha média de idades em todo o mundo. A percentagem de pessoas com 60 ou mais anos é de 25%, comparada com os 16% dos Estados Unidos, de acordo com a Divisão de População das Nações Unidas.

Os especialistas desta Divisão prevêem que, em 2050, se o rumo actual se mantiver, 42% da população de Itália terá 60 ou mais anos.

Antonio Golini, professor de demografia na Universidade de Roma, em Sapienza, disse que isso seria "insustentável, quer de um ponto de vista cultural, quer de um ponto de vista psicológico.".

Este sentido de alarme estava reflectido no primeiro discurso que o Papa João Paulo II proferiu no Parlamento italiano, em Novembro último. O Papa afirmou que "a crise na taxa de nascimentos" em Itália era uma "grave ameaça que pende sobre o futuro do país.".

Em Itália, tal como noutros países da Europa ocidental, a baixa taxa de fertilidade está interligada com um conjunto de outras questões — a imigração, por exemplo. Enquanto muitas pessoas e muitos políticos da Europa gostariam de estancar a crescente maré de novas chegadas ao longo da última década, poderão vir a ser forçados a aceitá-la, simplesmente para preencher os empregos e manter os níveis de produtividade.

A Europa salienta-se como o continente com as mais baixas taxas de fertilidade. Os números são actualmente mais preocupantes em países da Europa oriental, como a Bulgária, Letónia e Ucrânia, cada um dos quais tinha uma taxa de 11 em 2001, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. (Os números da OMS diferem, por vezes, ligeiramente dos obtidos em cada um dos países, mas fornecem um panorama geral.).

Mas este rumo atingiu a Europa oriental mais cedo, e tem tido mais tempo para produzir confrangimento e dor de alma. Aparte o acolhimento de novos imigrantes, ninguém sabe precisamente o que fazer.

Muitos governos aumentaram os descontos nos impostos para os pais, alternativas para o acompanhamento das crianças ou benefícios à maternidade e paternidade, reconhecendo que um maior custo de vida e mais mulheres na força de trabalho podem constituir obstáculos a famílias maiores. Em alguns destes países, como a França, a taxa de fertilidade inverteu ligeiramente a tendência de descida.

A Espanha está a considerar uma variedade de formas de ultrapassar estes obstáculos: tarifas de consumos domésticos mais baixas para as famílias numerosas; assistência a jovens casais que estejam a tentar comprar casa; a criação de centenas de milhar de novos estabelecimentos de ensino pré-escolar e berçários; e horários alargados para as escolas existentes, uma comodidade para os pais e mães trabalhadoras

Apesar de o governo italiano compensar as mães com um salário quase completo durante cerca de meio ano de licença de maternidade, a cidade de Ferrara, tal como várias outras cidades do norte de Itália, adicionou alguns benefícios que prolongam esse período. Esses benefícios incluem subsídios de cerca de 350 Euros por mês para as mães que queiram ficar em casa mais nove meses. Ferrara injectou também milhões de Euros em berçários e centros recreativos infantis semelhantes ao Elefante Azul.

Mas a baixa taxa de fertilidade italiana persiste, sugerindo que as razões vão muito para além da aritmética dos salários e dos horários.

"As pessoas estão a estudar durante mais tempo, e portanto encontram trabalho mais tarde, quando existe trabalho para elas, e logo casam-se mais tarde, o que não significa necessariamente que venham a ter filhos", disse Valerio Terra Abrami, chefe do Departamento de Estatística Social do Instituto Nacional de Estatística italiano.

A contracepção e o aborto estão mais facilmente disponíveis. O divórcio é mais comum.

Além do mais, décadas de prosperidade alteraram as pretensões e as expectativas das pessoas. As pessoas mais velhas, antes empenhadas em tomarem conta dos netos, procuram agora outras actividades e viajam mais. Tal como os potenciais pais e mães, cuja dedicação ao lazer, comodidade e expectativas não encaixam facilmente múltiplas crianças — ou, por vezes, pelas mesmas razões, quaisquer crianças.

"Nunca esteve no topo da minha lista", disse Teresa Ginori, de 41 anos de idade, consultora de moda de uma revista, que vive nos arredores de Milão. "Nunca esteve sequer na lista das 200 primeiras coisas.".

A Sra. Ginori, e muitas mulheres suas conhecidas, nunca se casaram, em parte, afirma ela, devido a uma faceta da vida italiana que ela citou como uma possível explicação para a especialmente baixa taxa de fertilidade aqui existente.

Muitos homens italianos, disse ela, vivem com as suas mães até aos seus trinta e tantos anos. Quando se casam, não estão preparados para ajudarem em casa de forma a retirarem alguma pressão de cima das mulheres, especialmente se essas mulheres pretendem ter filhos.

"Até os homens com a mente mais aberta — se rasparmos um pouco com a unha, lá está a mãe que fazia tudo para eles", disse ela. "Detesto as mães desses homens. Essas mães são um desastre.".

Pais e mães parece também sentirem que devem mais oportunidades à criança que têm, uma convicção que desencoraja famílias maiores.

Isto explica parcialmente a prevalência de apenas um filho em Ferrara, onde os pais de filhos únicos no centro recreativo do Elefante Azul referiram terem irmãos que igualmente pararam no filho único. A coordenadora do centro, Monica Viaro, de 37 anos de idade, tem apenas um filho, um rapaz de 8 anos.

A Sra. Andolfi, de 32 anos de idade, que tem um rapaz de 3 anos, afirmou que uma segunda criança iria limitar o seu filho e também limitar o bebé.

Ela reconheceu que a definição da sua família sobre o que era lhe indispensável era caro.

"Os telemóveis nunca são suficientes e os televisores nunca chegam", disse ela. "É um pouco egoísta.".

A Sra. Lenzi, de 32 anos de idade, que também faz parte de um casal com duas carreiras profissionais, disse que gostava de ler para o seu filho de 3 anos, acrescentando, "não faz sentido ter três só para os guardar à noite e dizer, ‘Adeus estrela’ e já está.".


Artigo extraído da edição on-line do The New York Times, de 26/12/2002 e enviado por e-mail por Luis Fé Santos


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