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Pluralismo Religioso na Europa
2002-12-12 19:58:10

Desde o 11 de Setembro de 2001 têm-se sucedido os encontros e os colóquios sobre a “diversidade religiosa”, embora muitas vezes esta diversidade tenha sido apresentada como “pluralismo religioso”. Houve assim um trabalho informativo sobre religiões minoritárias em várias sociedades. Esse trabalho é importante porque clarifica o “mosaico” cultural que se intensificou no continente europeu a partir da II Guerra Mundial.

Mas o pluralismo não é o mesmo que diversidade, embora sobre ela se construa.

A diversidade corresponde a uma análise fenomenológica daquilo que se observa quer dentro da mesma espécie quer entre espécies diferentes. Manifesta-se na natureza, nas culturas que exprimem a identidade de cada povo, nas relações entre Estados, na variedade de crenças. O reconhecimento da diversidade é um imperativo da convivência saudável, do funcionamento pacífico de todas as instituições e, no limite, da sobrevivência da humanidade e de todos os sistemas de suporte da vida.
Por seu turno, o pluralismo, embora exija a conjugação desses vários elementos da diversidade, não se esgota aí. A interacção de todas as áreas da vida, na realidade a que chamamos mundo, é a sua característica. Nenhuma realidade viva é redutível a um elemento único. A existência do ser é sempre plural. A pluralidade é constitutiva do ser humano do mesmo modo que a pluralidade é a base de todo o sistema social e político.
Não só cada ser humano é único mas são hoje conhecidas as correlações que existem em cada ser humano. No limite, o ser humano é o sistema mais complexo que conhecemos. De igual modo, a sociedade, na sua diversidade, só pode ser compreendida através da sua própria complexidade. Ainda muito antes das escolas que contribuiram decisivamente para a ciência dos sistemas que estuda a complexidade, a filósofa Hannah Arendt afirmou: “A pluralidade é a lei da terra”.

Mas o “pluralismo religioso” não é a versão “religiosa” da pluralidade. Tem como sujeito o ser humano religioso e as grandes religiões a que cada ser se encontra vinculado. Por isso, o “pluralismo religioso”, ao nível das relações interpessoais e inter-religiosas, só tem sentido onde existe uma prática religiosa. É assim distinto da simples informação e do conhecimento mútuo. Baseado na participação activa das pessoas verdadeiramente enraizadas numa religião, o “pluralismo religioso” tem várias componentes.

Primeiro, quando falamos na pluralidade das religiões, estamos a referir-nos às grandes religiões que formaram civilizações e que, no seu conjunto, são a referência religiosa da história mundial.
Segundo, reconhecemos o esforço crescente das grandes religiões para encontrarem o terreno comum dos seus princípios éticos, sintetizados na chamada “regra de ouro” e que figura explicitamente no Evangelho de Mateus:
“Tudo o que desejais que os outros vos façam, fazei-o também a eles. (Não façais aos outros o que não quereis que eles vos façam a vós.)”

Terceiro, é hoje forte convicção entre muitos crentes de que o diálogo entre as religiões é um caminho para a paz no mundo. Para além de actividades de informação dirigidas ao público em geral, tem havido numerosas iniciativas que têm envolvido muitos crentes e que se têm repercutido nas estruturas e instituições vocacionadas para a paz.

Ao partir de um olhar que reconhece a pluralidade, é muito tentador cair num sincretismo a que se vão buscar textos de várias religiões, rituais, métodos de contemplação. Tudo isso pode ser uma ajuda para criar em nós uma apetência para a realidade espiritual. Mas o encontro religioso esse só pode progredir se tiver lugar entre pessoas religiosas. Que entendemos com esta expressão?
Cada religião – cada culto - está associada a uma cultura. A Europa não é excepção. Embora muitas civilizações tenham atravessado o continente e aí deixado traços indeléveis (celtas, germânicos, vikings, entre outros) é sobretudo o mundo mediterrânico – Grécia e Roma – que moldou a filosofia, a ciência, a lei e, acima de tudo, os mitos primordiais. No contacto com o universo da Antiguidade, o Cristianismo herdou elementos fundamentais. Santo Agostinho foi o primeiro a levantar as grandes questões filosóficas. Mais tarde, místicos e teólogos abriram caminho a uma espiritualidade que só ela dá justificação para estabelecer as condições do pluralismo religioso neste continente.

É certo que ao longo dos séculos outras culturas ajudaram a forjar a Europa. Mas deu-se uma assimilação progressiva e, embora várias comunidades de outras culturas e de outras religiões aqui apresentem uma forma própria, a Europa tem mantido a sua identidade, ora forte e afirmativa ora dubitativa e questionadora.
Há valores que, embora atraiçoados em várias épocas da história, constituem o legado específico da civilização europeia. Revisitá-los é um imperativo muito especialmente na época que vivemos e no momento em que se dão passos decisivos para o novo rosto da Europa.
Reconhecendo a laicidade do Estado bem como a independência dos Estados em relação a todas as grandes religiões, é fundamental que a Europa no seu conjunto lhes forneça um quadro jurídico de acordo com a realidade fenomenológica.

Ao mesmo tempo, reconhecendo que a sociedade, ela, é plural, que foi moldada por valores religiosos, e que tem necessidade de referências espirituais, tem o maior significado na constituição europeia a clara afirmação do mistério de Deus na vida humana.

Maria de Lourdes Pintasilgo

Fonte Ecclesia

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