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O ritmo anual na liturgia
2002-12-04 21:49:13

No cíclico retorno de cada ano, com o tempo do Advento e da manifestação do Senhor inaugura-se o novo Ano litúrgico, no qual «a Igreja comemora todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação até ao dia do Pentecostes e à expectativa da vinda do Senhor» (Sacrosanctum Concilium 102 e Normas gerais sobre o Ano litúrgico e o calendário 17).

Na sua estrutura temporal orgânica, segundo os livros litúrgicos da liturgia romana, o Ano litúrgico começa no primeiro domingo do Advento e termina no Sábado posterior à solenidade de Cristo Rei do universo. Antes, convém advertir que esta noção de Ano litúrgico como um todo desenvolveu-se lentamente, em torno de dois eixos fundamentais, primeiro a Páscoa e sua preparação (a quaresma), depois, a partir do séc. VI o Natal e sua preparação (advento), tendo, ainda, em conta os grandes ciclos cósmicos lunar e solar, respectivamente. O Ano litúrgico integra em cada semana, o dia do Senhor (o Domingo) e anualmente a solenidade da Páscoa e as restantes festas. Com efeito, nos diversos tempos do ritmo anual na liturgia, a Igreja recorda todo o mistério de Cristo, venera a Virgem Maria e comemora os mártires e os santos.
O Ano litúrgico deve ser considerado como uma autêntica liturgia, ou seja, o conjunto dos momentos salvíficos, celebrados ritualmente pela Igreja, mediante a Eucaristia que é memorial dos acontecimentos do mistério da salvação realizados na história. O seu fundamento bíblico-teológico radica na celebração e actualização do mistério de Cristo no tempo. Por isso, a coordenada tempo é a categoria dentro da qual se opera a salvação. O facto de Deus ter entrado no tempo, carregou-o de eternidade. O tempo litúrgico não é uma noção, nem se entende em termos da cronologia, sendo antes considerado como manifestação do tempo propício dos eventos salvíficos (kairoí) que ritmam a existência temporal, um espaço vital do Espírito de Cristo, presente no quotidiano do cristão. Então, a história da salvação ritualizada nas acções litúrgicas é o cumprimento em nós, num movimento aberto e ascensional até à plenitude, do mistério de Cristo, que a Igreja celebra cada ano, nos seus diversos aspectos, para tornar presente e comemorar o dom da salvação, não segundo esquemas subjectivos mas através de um plano sacramental. O que aconteceu de uma vez para sempre na vida histórica de Jesus, torna-se sacramentalmente presente à sua Igreja, cada vez que se cumpre o imperativo evangélico «fazei isto em minha memória» (Lc 22,19).
Efectivamente, só na teologia do mistério de Cristo, se entende correctamente como a liturgia é presença real deste único mistério, antes de tudo por ser o seu memorial, continuando a história da salvação realizada em Cristo. A consciência da Igreja, no II Concílio do Vaticano, redescobriu a liturgia de maneira verdadeiramente nova como «meta, para a qual se encaminha a acção da Igreja e ao mesmo tempo a fonte de onde promana toda a sua força» (SC 10). Ao correr do Ano litúrgico proclama-se Cristo com toda a amplitude do mistério pascal, por meio do anúncio da Palavra, a celebração ritual-sacramental em determinados dias e tempos de festa (ritmo diário, semanal e anual), especialmente ao Domingo, o fundamento e centro de todo o Ano litúrgico e o dia de festa primordial, porque o cristianismo é, sobretudo, uma história, um acontecimento celebrado e anunciado.
No actual contexto cultural e pelo ritmo da sociedade é natural que o Ano litúrgico sofra o impacto dos fenómenos característicos da industrialização, urbanização, secularização, consumismo, tempo livre, férias... e em certos aspectos causa uma verdadeira colisão de calendário. Hoje, que se sente tanto a necessidade de um calendário próprio e diferente a nível mundial, nacional, diocesano, paroquial, tem ainda sentido o Ano litúrgico? De acordo com a inteligência da liturgia como «culmen et fons» (SC 10), o Ano litúrgico não é mais um ano-calendário, mas marca a centralidade da vida cristã, que deve ritmar toda a acção eclesial. Na realidade, as harmoniosas disposições sobre o Ano litúrgico não se expressam, porém, sem distorções nem choques culturais nas distintas tradições litúrgicas, nas Igrejas particulares, no confronto com a religiosidade popular, com os planos pastorais e programação civil. Isto requer, cada vez mais, uma pastoral do Ano litúrgico, até porque se nota que, habitualmente, os tempos litúrgicos são mais uma ocasião para realizar iniciativas pastorais do que verdadeiras celebrações do mistério de Cristo.
Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis, as riquezas de todas as dimensões da vida de Cristo, com a qual se devem sempre confrontar, para que cresça neles a graça, porque «o mistério de Cristo é sempre igual e sempre igual na sua plenitude» (O. Casel) – eis o centro e o sentido último do Ano litúrgico, como momento da história salvífica, que se estende no âmbito da comunidade humana.

P. José Manuel Garcia Cordeiro
Vice-Reitor do Pontifício Colégio Português

Fonte Ecclesia

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