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Pagam-se promessas a andar monte acima na Senhora da Saúde
2000-08-16 21:36:12

A crença e a diversão convivem em Gestoso onde nem "vareiros" faltam


Deolinda Pinho nem quer acreditar quando chega a Gestoso à uma e meia da manhã. Depois de 25 quilómetros a pé, tem a pior das visões. A igreja onde se encontra a Senhora da Saúde está fechada. "A capela devia estar sempre aberta nesta noite", desabafa depois de meter uma nota na caixa de esmolas que, ao contrário do templo, nunca encerra.
"Esta noite", como lhe chamou esta mulher de 63 anos, é a de 14 para 15 de Agosto. Um dia especial para quem mora no norte do distrito de Aveiro. Milhares de pessoas vão assistir à festa de Vale de Cambra. Muitos viajam de carro ou moto, mas há centenas que se deslocam a pé. Pela «desportiva», como dizem os mais novos, ou para cumprir uma promessa.

Nove anos a pé
É o caso de Deolinda. Vestida de negro, subiu a serra do Arestal para pagar a dívida à santa. Há "muitos anos" pediu à Senhora que salvasse o marido de uma apendicite. "Vi-me apertada e prometi vir nove anos a pé". Faltam dois. A santa, que «salvou» o marido na cirurgia, não pode ser culpada da doença que o vitimou há dois anos. Vai cumprir o tempo que falta. Como continuará a ir a pé até Fátima, de onde veio há poucos dias, após ter agradecido a Nossa Senhora a salvação de um filho num parto difícil. O descendente morreu electrocutado quando tinha 30 anos. "Foi a vontade de Deus".

Resistente de 17 anos
As promessas da vida não têm idade. Andreia Barbosa, de 17 anos, podia ser neta de Deolinda. Enrolada num cobertor junto à igreja, descansa da marcha de seis horas que liga Souto, Santa Maria da Feira, a Gestoso. "Vim pagar uma promessa que fiz há três anos quando um amigo, que teve um acidente de moto, esteve perto da morte". Salvou-se e assim comprometeu a colega. "Custou muito e várias vezes pensei em desistir", mas os amigos que a acompanharam incentivaram-na até à «meta». Onde também chegou Alda Costa, de 46 anos, cansada de concluir uma maratona de 25 quilómetros a pé, desde São Roque. Finaliza a promessa de saúde com cinco voltas de joelhos à capela e a reza de cinco terços.

«Vareiros» de manjericão
Andreia descansa ao relento, mas há quem traga tendas. Espalham-se pelo descampado, tal como milhares de pessoas que transformam a madrugada na antecipação de um dia 15, conhecido pela multidão que entope o ponto alto da serra. Tão alto que a Senhora da Saúde é vista por quem anda no mar. Os pescadores, em hora de aflição, viram-se para a santa e prometem pagar a ajuda divina. É por isso que os peregrinos são conhecidos por «vareiros», gente da região de Ovar ligada ao mar, que iniciou uma romaria que tem dezenas de anos.
A estrada nacional 328, no sentido Vale de Cambra-Sever do Vouga, é tomada por caminhantes durante toda a noite. As mulheres já não levam trouxas na cabeça como antigamente, mas os homens continuam a enfeitar-se com ramos de manjericão. Henrique e Pedro, que vêm do Furadouro, são apenas dois dos muitos jovens e menos jovens que sobem o miradouro. Já são quatro da manhã, mas ainda há muito dia para «curtir».

Negócio de sucesso
Lá em cima, no monte da Senhora da Saúde, há carrocéis e dezenas de bancas com todo o tipo de produtos. Os que não vivem de comer e beber fecharam duas horas antes, mas as barracas de frango, papas de sarrabulho ou fruta não têm descanso. "É o que está a dar", confirma Nuno Santos, vendedor de calçado de São João da Madeira. Prepara-se para dormir no chão que pisa desde domingo. A mulher vai para a carrinha tonar conta do filho de quatro anos. "Não há poder de compra e o que nos vale é que a taxa cobrada pela Comissão de Festas é simbólica".

«Rusga» no coreto
Mais satisfeita está Esperança Batista, de 60 anos. Há 25 que vende fruta na Senhora da Saúde. "Desde essa altura mudou muita coisa. Antes os vareiros vinham com tambores pela serra acima e com o cajado na mão porque muitas vezes havia confusão devido ao vinho e um pau dá sempre jeito. Hoje, os miúdos vêm com rádio ao ombro e a bengala nas mãos. Serve apenas de tradição porque agora há mais civismo... pelo menos aqui em cima".
O som de fundo é uma «rusga». Ainda há antigos que tocam bombo. Os mais novos agradecem. Por momentos deixam os CD e as cassetes e pulam para o coreto. A poucos metros, a santa não se deve importar de ver troncos desnudados a dançar o vira. Ao lado do programa religioso há uma romaria que também promete.

Andor milionário
O ponto alto das Festas de Nossa Senhora da Saúde foi a procissão do início da tarde de ontem. No manto e no andor, a santa leva dinheiro oferecido pelos fiéis. Diz quem sabe que são "muitas centenas de contos", que a Comissão de Festas controla sem problema. Não há assaltos ou distúrbios.
Os carros começam a descer o miradouro da freguesia de São Pedro de Castelões e ao início da noite já se vê pouca gente. Vinte e quatro horas antes, o monte encheu para ver a procissão das velas. É hora da «vazante» dos homens do mar que sobem a serra para agradecer a Deus.


Fonte JN

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