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A canonização do «Pai» da «Obra»
2002-10-05 09:49:54

Karol Wojtyla entrou na Igreja de Santa Maria da Paz, no complexo da Villa Tevere, em Roma, e ajoelhou-se a rezar junto ao túmulo de um monsenhor que morrera há três anos, revela o investigador canadiano Robert Hutchison, uma voz crítica do Opus Dei. Corria, então, 1978 e, uma semana depois, o arcebispo de Cracóvia era um dos eleitores no Conclave que escolheria o sucessor de Paulo VI. O pontificado do patriarca de Veneza, Albino Luciano, duraria, contudo, uns breves 39 dias.

O fumo branco seguinte anunciava à cheia Praça de S. Marcos (e ao mundo) a eleição do primeiro Papa não italiano ao fim de quatro séculos e meio.

Amanhã, uma multidão que se estima em 300 mil pessoas (incluindo mais de dois mil portugueses), proveniente de 87 países, é esperada no mesmo chão para assistir à canonização do vulto a quem Wojtyla tinha manifestado a sua fé: monsenhor Josemaría Escrivá de Balaguer, o fundador, em 1928, «por inspiração divina», conforme reconhece João Paulo II, do Opus Dei (a Obra de Deus). O relicário contendo os seus restos mortais foi transferido, para esta cerimónia onde se esperam 500 bispos, da pequena igreja em mármore azulado e onde há sempre rosas, para a Basílica de Santo Eugénio.

Vai-se repetir, pois, no mínimo, o número de seguidores do «Pai», como Escrivá de Balaguer gostava de ser tratado, que assistiram, em 1992, à beatificação do aragonês, que os biógrafos consideram que teve o primeiro sinal divino quando viu os pés descalços do padre carmelita José Miguel inscritos na neve, num Inverno rigoroso em Logronho. Nessa cerimónia, quando 46 cardeais e 360 bispos auxiliaram o Santo Padre, entre os peregrinos que aterraram em centenas de charters no aeroporto de Fiumicino ou saíram de 2500 autocarros vindos de toda a Europa descobriam-se vultos como Madre Teresa de Calcutá ou o ex-PM italiano Andreotti. Na sua homilia, o Papa sublinhava que, «com sobrenatural intuição, o beato Josemaría pregou incansavelmente a chamada universal à santidade e ao apostolado».

Nessa altura, o grau de beato que lhe era conferido não implicava culto público, mas agora, como santo, Josemaría Escrivá de Balaguer sobe aos altares. O Nihil Obstat papal ao processo de canonização, após o decreto que reconheceu a intercessão na cura milagrosa do médico espanhol Manuel Nevado Rey, que padecia de radiodermite crónica _ o primeiro milagre, que permitiu a beatificação, foi a cura da freira Concepción Boullón Rubio _, conclui a tramitação de um processo que, mesmo no seio da Igreja, não foi nada pacífico.

A abertura do processo, pedida cinco meses após a morte do «Pai» da «Obra», continha os sete livros e as colecções de homilias de Escrivá, a que se juntavam seis mil cartas laudatórias _ o conjunto das subs-critas por 69 cardeais, 241 arcebispos e 987 bispos representava um terço do episcopado mundial.

E, contudo, já a beatificação tinha sido tão controversa como polémicas têm sido as opiniões em torno daquela organização eclesial, com os apologistas a considerarem que a «Obra» tem, como única finalidade, a salvação das almas, pelo «caminho» da «santidade» ensinado às pessoas, «especialmente através do trabalho e duma vida normal»; enquanto os adversários a acusam de ambicionar poder temporal, através de complicadas e pouco claras operações financeiras e de influenciar mesmo várias das agendas políticas mundiais.

À frase de um dos sete juízes que apoiavam a beatificação («Dádiva de Deus à Igreja do nosso tempo»), o arcebispo emérito de Madrid, cardeal Vicente Henrique e Tarancón, por exemplo, contrapunha a «pressa» neste processo à lentidão do de João XXIII, no que parecia revelar uma luta entre as facções conservadora e progressista que se manifestariam na Igreja.

María del Carmen Tapia, que chegou a ser secretária do «Pai» mas abandonou a «Obra» em 1966 e tornou-se uma crítica frontal, coloca interrogações sobre a composição do tribunal e critica o facto de «não terem sido incluídas críticas negativas nos documentos apresentados aos juízes desta causa, nem uma série de conflitos da vida de monsenhor Escrivá, bem como ao facto de 40 por cento dos testemunhos terem sido apresentados por dois dos seus colaboradores mais próximos», D. Álvaro del Portillo e Javier Echevarria, os sucessores de Escrivá. Lacunas notórias seriam a falta dos testemunhos, perante a Congregação das Causas de Santos, de figuras como o arquitecto Miguel Fisac, o 9.º apóstolo da «Obra», de que se afastou em 1955, ou o padre Vladimir Felzman, que foi sacerdote do Opus Dei e traduziu para checo Caminho, a obra crucial de Balaguer.

O poder do Opus nunca terá sido tão grande na Cúria Romana, de acordo com certos autores, como no pontificado de João Paulo II. O principal exemplo terá sido dado com a bula papal que incluía a Constituição Apostólica Ut Sit, que ia ao encontro de uma pretensão que João XXIII e Paulo VI tinham conseguido ir adiando _ e que o arcebispo Giovanni Benelli terá sempre tentado bloquear. O Opus Dei transformava-se, finalmente, na primeira e única Prelatura Pessoal da Igreja, espécie de bispado privilegiado sem território.

Fonte DN

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