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BIG SHOW JESUS
2002-08-22 21:13:29

“Não queremos que dê o que pode. Queremos que dê o dobro do que não pode!” É assim que os pastores da IURD convencem os fiéis a darem dinheiro à igreja. Edir Macedoesteve em Portugal para comemorar os 25 anos da seita. Recebeu milhares de crentes que choram e desmaiam. Tal como na TV.

O homem está assim há longos minutos: de olhos fechados, de mãos ao alto ou no peito, embalado pela música e pelo falajar brasileiro do bispo. Aos poucos, vai ficando com a cabeça perdida no turbilhão dos milhares de vozes uníssonas que entoam os cânticos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Como reflexo, tapa primeiro os ouvidos. Depois começa a gritar. E passa a agir como um endemoninhado, a berrar, a estrebuchar, até ser cercado por cinco homens de gravata que o dominam com dificuldade e o puxam como a um touro bravo.
Está possesso, dizem, mas a plateia não se impressiona. Um dos engravatados põe-lhe as mãos sobre a cabeça e grita com silvos de voz rouca: “Sssai! Em nome de Jesus, xô, Satanás!” O homem não está bem, agarra-se agora ao coração, encosta-se à parede, emite um “ai que não posso”, e fica ali a recompor-se. “Durante a oração teve um problema espiritual”, explica, de fugida, um dos exorcistas. “São pessoas que começam a sentir-se mal por causa das entidades malignas”, comenta outro pastor.
Se aquele fenómeno colectivo impressiona os profanos, o espectáculo que se desenrola no altar copiando o modelo dos “shows” televisivos ainda é mais extraordinário. Trata-se da IURD em toda a sua força com a presença do expoente máximo e fundador da igreja — o bispo Edir Macedo — que galvaniza uma multidão de gente desesperada, de braços estendidos, olhos fechados e lágrimas a escorrer pela cara.

O líder da seita resiste há anos a todo o tipo de escândalos e acusações (ver caixas). A lotação esgotou. No domingo passado, o Pavilhão Atlântico encheu-se de fiéis da IURD: segundo a organização foram mais de 13 mil. Junto ao gradeamento, um grupo numeroso reclama a entrada. “Está lotado? É sinal que a nossa fé está evoluindo. Isso está cheio de gente de fé”.

No interior, o espectáculo começou. Edir Macedo, que fundou a IURD, no Brasil, há 25 anos, prossegue a sua “Cruzada Evangélica”. Passeia-se no palco no centro do imenso pavilhão a falar ao povo enquanto gesticula com a mão livre do microfone. Começam os cânticos. Os milhares esticam os braços em forma de louvor. Passam tempos assim.
O resultado é hipnótico: “Continue com os olhos fechados e pense”, prega o bispo jogando no efeito da voz sobreposta à música celestial, que um pianista nunca pára de debitar. De fato e gravata, move-se de um lado para o outro debaixo dos holofotes num palanque enorme com uma cruz gigante.
No meio da multidão, as mulheres esticam-lhe fotografias à espera de milagres. Volta e meia ouvem-se gritos perdidos. A todos os pulmões cantam “espírito, espírito...” E começa o processo de catarse colectiva.
Tudo o que vai passar-se a seguir indica a existência de uma linha invisível a separar duas realidades: o mundo plástico e pré-fabricado dos bispos que dominam na perfeição as armas da comunicação de massas e do espectáculo; e o mundo genuíno do povo que se deixa embalar na energia colectiva e convencer pelo marketing dos bispos.

Quando acaba a prédica, o chefe mundial da IURD convida “todos aqueles que sofrem de perturbações espirituais, problemas psiquiátricos, depressão, epilepsia” a chegarem perto do palco, para “receberem o espírito da vida”. O povo aconchega-se aos magotes. Para lhes exorcisarem os males, os bispos impõem as mãos nas cabeças, apertam bem os crâneos, e ordenam com vozes roucas: “Espírito maligno, sai dessa pessoa!
Deixa a casa dela já! Sssai daí já!” Os milhares nas bancadas ajudam os pastores silabando “sssai”, e batendo os pés no chão para afastar os demónios, enquanto um bispo evoca as forças do bem: “Senhor Jesus, tira destas pessoas o espírito do bruxedo, da inveja na empresa, da magia negra, e do vudu”. E toda a gente sacode 13 mil pares de braços, a dizer “Sssai, sssai, sssai!”.
No meio da confusão, o bispo Renato Maduro, responsável pela IURD em Portugal, é quem passa a comandar os acontecimentos. Edir Macedo sai discretamente de cena rodeado por guarda-costas.
Ainda mal recompostos desta “purificação” geral, os fiés são confrontados com o exorcismo de uma mulher abundante que está sentada numa das cadeiras no palco. O bispo Renato provoca o espírito que a domina. Pergunta o que faz um demónio naquele corpo. “Coloquei-lhe uma mulher no caminho”, responde ela (ou o espírito) com voz cava. “Fiz bruxedos para lhe destruir tudo”.

A alma penada ainda quer fazer mal às pernas da pobre mulher, para ficarem “cheias de varizes”. Um horror. “E mostra lá como é que você queria que ela andasse!...” A mulher levanta-se, caminha com dificuldade, mas pouco depois Renato passa a outro “paciente”. Ela fica ali parada pelos menos mais um quarto de hora, de cabeça ao lado, a emitir grunhidos e a fazer esgares para a plateia.
O espectáculo continua. O bispo quer saber se na assembleia há jovens que queiram deixar a droga. Todas as famílias que têm filhos toxicodependentes são convidadas a levantar-se. Muitas mulheres voltam a esticar fotografias nas mãos. É gente desesperada. O primeiro voluntário confessa que já foi membro da igreja. Renato promete expulsar-lhe os demónios da cocaína e da heroína de novo.
E pede para ele mostrar os braços picados à assistência. “Vem, televisão, filma aqui!”, diz para uma câmara, enquanto é rodeado por uma multidão de fotógrafos. Aproveitando a ocasião, o próprio bispo revela que também ele fora um drogado no Brasil, e conta a história pungente de como deixou a mãe morrer no hospital antes de se regenerar. “Esse Deus que me salvou vai salvar vocês aqui e agora”, garante.
A conversa impressiona. O povo admira-o. Depois os pastores agarram na cabeça dos toxicodependentes para expulsarem o diabo e os jovens rebolam no chão, estremecem, gritam: “O demónio da cocaína está a ir embora. Não ‘tá vendo? Não é clínica nem psiquiatra que os vai salvar. Só o poder de Deus!” A multidão rejubila.

Assim que termina esta parte da celebração, com tantos demónios a subirem aos tectos de madeira nórdica do Pavilhão Atlântico, uma música alegre e ritmada cria um novo ambiente. É a descompressão. A seguir, envolvidos nesta euforia, os crentes oferecem o dízimo, uma décima parte dos seus rendimentos à igreja. O discurso do bispo é sugestivo: “Se tem problemas económicos tem de usar os dízimos. Não queremos que dê o que pode. Queremos que dê o dobro do que não pode!”, proclama. “Temos de usar a nossa fé dando para a obra, porque não temos ajuda do Governo e vocês sabem disso”.

E conta a história de uma viúva que deu a Jesus as únicas duas moedas que possuía e de como ela se tornou bem-aventurada. E como ali todos querem ser bem-aventurados... Os saquinhos de veludo grená que os obreiros fazem passar pela assistência enchem-se de euros. “Quando você está na miséria, no desemprego, coloca tudo o que tem nas mãos de Deus que está fazendo uma prova de fé”, atira o bispo. O povo não reclama. E paga.

Uma hora depois do ataque, o endemoninhado regressa mais calmo ao seu lugar. Não sabe o que se passou. “Não sou de religião nenhuma. Parece que me deram uma carga de pancada. Vim aqui só por curiosidade”, explica. “O telemóvel até bloqueou”. Um fenómeno. Sem querer dizer o nome, este reformado, 67 anos, chegou na excursão de Torres Novas para ver o chefe de uma Igreja que ele chegou a frequentar depois de ter sido operado a um carcinoma, há 10 anos. “Tenho a minha crença... Estava ali a ouvir o bispo, depois comecei a chorar e a sentir um aperto na cabeça e não sei o que me aconteceu. Acho que há uma coisa maior do que nós que domina tudo no mundo. Só de falar nisso choro...”
Quando a cerimónia termina, Maria Augusta, 75 anos, de Alhos Vedros, sente-se feliz. “Eu era muito doente, epilética, tinha angina de peito, e já não fazia nada em casa. Se não fosse a igreja, onde estariam já os meus ossinhos?” Na IURD há 11 anos, não se importa de pagar para obter os favores divinos: “Dou o dízimo com muito amor e alegria. O dinheiro não faz falta nenhuma. Pelo contrário”, diz, embora seja evidente que não tem rendimentos folgados.

Mais estranho é o caso de Josué Brito, de Loulé, 19 anos, pintor, um jovem de barbicha, camisola de alças e tatuagem no braço. Não é que seja frequentador assíduo da IURD, mas acredita “que existe algo de superior” que o atrai ali. “Ao princípio mete confusão, ficamos a pensar se aquilo é tudo verdade”. Mas garante que desta vez até ele sentiu “arrepios de frio” enquanto estava de olhos fechados a cantar e a rezar. Foi um pastor que lhe disse que era “Deus a entrar” no corpo. Pelo menos, confessa, saíu do pavilhão “mais leve”. É bem possível que o próximo “big show”, montado pela máquina profissional de marketing religioso de Edir Macedo, conte com a sua presença.

Ligações a cartéis de tráfico de droga, comércio ilegal de armas, branqueamento de capitais, prostituição — todas essas suspeitas pendem há anos sobre a IURD. Porém, as investigações policiais e de serviços de informações acabaram arquivadas tanto em Portugal como no Brasil, apesar das denúncias de ex-pastores.
O bispo Edir Macedo, que até já foi apanhado num vídeo a ensinar como extorquir dinheiro aos fiéis, continua a atrair multidões. A IURD, que incentiva os crentes mais pobres a darem “o dobro do que não têm” porque não tem “ajudas do Governo”, detém o Crédito Metropolitano — um banco que tem uma filial nas Ilhas Caimão, um paraíso fiscal —, possui um jornal que tira um milhão de exemplares e a TV Record, cuja aquisição lhe valeu uma condenação por evasão fiscal. Com mais de 100 templos em Portugal, já se estendeu à América Latina e ao Leste. É uma empresa de sucesso.

Fonte CM

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