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"Depois de estar em Fátima, para onde vai (a nossa Igreja)?"
2002-08-23 21:07:37


Homilia de D. Manuel da Silva Martins, bispo emérito de Setúbal Peregrinação Internacional Aniversária 13 de Agosto de 2002


1.
Ouvimos a Palavra de Deus que hoje chegou até nós através do Profeta Sofonias, da 1.ª Carta de Paulo a Timóteo e do Evangelho de João.
O Profeta Sofonias viveu no séc. VII a.c. e teve um papel importante na recuperação histórica, social e religiosa do Povo de Deus, no tempo do rei Josias.
A passagem que acabámos de ouvir é extraída do capítulo 3.º e alude a essa missão do Profeta que convida o povo, veementemente, à esperança, já que o seu reencontro com Deus vai acontecer.
Deixai-me sublinhar, nesta leitura, a sábia pedagogia do Profeta. O povo vivia numa situação de indiferença religiosa e, em muitos casos até de verdadeira apostasia.
Pois, o Profeta não aparece com armas de fogo, não ameaça, não fala em castigo, não amaldiçoa. Antes, aponta caminhos certos de reencontro, convidando a todos à alegria, à esperança, e à gratidão para com o amor de Deus.

Passamos agora à Carta a Timóteo. Timóteo era natural de Listra e filho de pai grego e de mãe judia.
Tornou-se companheiro de Paulo, quando o Apóstolo passou por aquela cidade de Listra. Ajudou Paulo em muitas missões, algumas delas bem difíceis.
Realmente, nesta carta, Paulo trata com Timóteo alguns problemas relacionados com a organização da Igreja nascente e deixa aconselhamentos para situações mais delicadas de futuro.
Insiste com Timóteo para que pregue com valentia que há um só Deus, que se tornou presente aos homens em Nosso Senhor Jesus Cristo. E que a este Deus devemos adorar e glorificar, porque o Seu nome é Santo.

E chegamos, a João, o discípulo «a quem Jesus amava» e que, de forma singular, nos abre caminho para penetrarmos no coração de Deus – que não é senão amor.
Jesus tinha em João uma tal confiança, que, na hora suprema da Sua Morte, lhe confia Sua Mãe: «filho, aí tens a tua Mãe». Naquele momento único, Maria é proclamada oficialmente Mãe da Igreja, Mãe da Humanidade. E é esta Mãe dada por Jesus Cristo.
Na passagem da Escritura que ouvimos, encontrámos uma das suas páginas mais belas – a Oração Sacerdotal de Jesus.
Jesus pede a unidade para a Sua Igreja: «que todos sejam um» - a unidade na Igreja que, fundada na fé, se exprime na caridade, na partilha, no perdão. E, na unidade da Igreja, pede a unidade do género humano.
Em consequência, também não vamos esquecer que, em Jesus – Pontífice, somos chamados a construir pontes e a destruir muros – afinal condições necessárias para os sonhos da unidade e da paz.
Estas leituras ajudam-nos então e estimulam-nos a descobrir a necessidade da unidade da Igreja. E a Igreja, luz do mundo e sal da terra; e a Igreja fermento que transforma há-de ajudar a transformar o mundo. Só que a Igreja somos nós e então é legítimo perguntar-vos: onde está a nossa Igreja? Por onde anda a nossa Igreja?
– Depois de estar em Fátima, para onde vai?

2.
Chegado a este momento, permiti-me que saúde, com sentimentos de profunda amizade:

1) Senhor Bispo de Leiria-Fátima e os demais Senhores Bispos aqui presentes, dos quais destaco o Presidente da Comissão Episcopal das Migrações e Turismo;
2) O Senhor Reitor deste Santuário com todos os seus leais colaboradores em todas as áreas dos mais diversificados serviços;
3) Todos os sacerdotes e diáconos, bem como todos os religiosos e religiosas;
4) Os missionários portugueses que por este mundo além anunciam Jesus Cristo e ajudam os cristãos na fé; igualmente, e com especial carinho, os sacerdotes de fora que em Portugal acompanham os seus compatriotas;
5) Os MCS (meios de comunicação social) que levam ao longe e ao largo, Fátima e a sua Mensagem – que é mensagem de paz, no respeito pela dignidade divina de cada homem e pelos deveres e respeitos fundamentais;
6) Os compatriotas nossos que lá longe procuram ser fiéis à sua fé e ao seu amor próprio; e agora todos quantos, vindos dos mais variados quadrantes, nos procuram em demanda do pão e da paz que estão longe de encontrar nas suas terras;
7) E, claro, não poderia deixar de saudar os responsáveis da Obra Católica das Migrações nos seus 40 anos de serviço àqueles, que pelas mais variadas razões, se viram embrulhados nas mais impensáveis dificuldades, lá e cá, ontem e hoje.

Enfim, a todos os que vindos de perto ou de longe, as saudações mais fraternas acompanhadas pelos votos das melhoras.

3.
Estamos em Fátima. Hoje, lembrar Fátima é lembrar, é invocar, é cantar Maria, a Senhora da Igreja, a Senhora do Papa, a Senhora do Mundo.
Viemos de todos os quadrantes, convencidos também como estamos, que Maria – que é Mãe, que é ternura, que é carinho, que é preocupação, que é presença – guarda no eu Coração algo de importante para nos transmitir e pedir. E isso nunca podemos esquecer, sob pena de perder o nosso.
Abrindo bem os ouvidos do meu coração, eu ouço Maria lembrar-me com toda a clareza:

1) No Seu Magnificat: que eu cante o amor de Deus. Que a minha vida seja sempre um cântico ao amor de Deus. E que ajude os outros a descobrir e a cantar o amor de Deus. É que o nosso Deus é amor e ama-nos loucamente; Evangelizar é anunciar o amor de Deus.
2) Que viva sempre em graça, isto é, no amor de Deus e no amor ao próximo. Não há cristão sem estes dois amores;
3) Que faça da minha vida um testemunho vivo e visível de solidariedade, vendo como Maria Se portou com Sua Prima Santa Isabel e nas Bodas de Caná;
4) Que, perante dificuldades de qualquer natureza ou tamanho, eu nunca me deixe turbar, antes, a exemplo de Maria, de pé junto à Cruz, procure superar todas essas dificuldades e todas as tentações;
5) Que, a exemplo de Maria, me disponha a olhar o mundo, a descobrir e a analisar as situações que afligem o homem e as que movem o curso da sociedade, procurando, com lucidez e na força da minha fé, abrir caminho e exigir caminho para as possíveis soluções.

 Com efeito, temos numa sociedade que cresce perigosamente sem princípios, sem valores, sem referências;
 Temos zonas do mundo em guerra – guerra estúpida que destrói, que mata, que semeia lágrimas e luto, que corta pela raiz projectos e sonhos, e cujas razões e sentido se escondem no coração dos fracos e pobres;
 Temos o problema pungente da fome que mata milhões – e isto só por ganância e maldade organizados de uns quantos;
 Temos as agressões à família, que se revestem das inimagináveis roupagens;
 Temos os assassinatos da África do Sul (quem olha com olhos de ver?) e os incêndios em Portugal, ficando-nos a impressão de que por aqui se passeiam muitos pecados de ganância, de omissão;
 Temos os problemas emergentes duma nova religião que tem a ver com a filosofia da moderna economia, a qual se pode desenvolver num projecto perigoso – de agressão à dignidade da pessoa humana, e, cujo desenvolvimento merece a atenção responsável de todos nós;
 Temos os problemas altamente inquietantes, resultantes dos Imigrantes das antigas colónias e dos países de Leste, a exigirem de todos nós, mas sobretudo dos homens do poder gestos marcados pela humanidade, que tão arredia tem andado no tratamento desta pobre gente, ainda por cima presa fácil de associações criminosas.
 E travar coisas mais a que o coração não pode ficar insensível. Será preciso lembrar a insegurança crescente, a corrupção generalizada, a vergonha dos futebóis – onde paranóias que até corroem os melhores sentimentos que teimam morar em cada um, o delírio dos assassinos da estrada?

O cristão está mergulhado, enterrado no mundo até ao pescoço. Nada lhe é estranho.
Daqui a pouco vamos testemunhar um gesto sacramental que nos comove e que se vem repetindo há dezenas de anos – a oferta do trigo dos campos desta terra que os lavradores vêm trazer em religiosa marcha até ao altar.
O trigo forma o pão da nossa mesa; o trigo transforma-se no Corpo de Cristo. Resultado da mais pura solidariedade em todo o trabalho que o prepara e o faz, ele é apelo à unidade, à solidariedade, à partilha, à paz.
A paz transporta no seu ventre todos os bens. E o homem no seu coração é um sedento da paz.
Que Maria – Mãe de Jesus Príncipe da Paz, nos dê a paz.

+ Manuel da Silva Martins
Bispo Emérito de Setúbal

Fonte Ecclesia

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