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Ir de Portugal para Taizé e Estar em Casa
2001-01-03 22:19:59

Entre a centena de membros da comunidade de Taizé já há três portugueses. No rescaldo do encontro de jovens que decorreu em Barcelona, o PÚBLICO quis conhecer as suas motivações para sair do país e integrar uma comunidade de monges católicos e protestantes com 27 nacionalidades diferentes. E quis saber da possibilidade de um encontro europeu em Portugal.



João esteve pela primeira vez em Taizé em 1988. "Encontrei o que já intuía em relação à forma de viver a fé e de entender a vida. Estava num lugar onde me sentia imediatamente em casa." Membro da comunidade desde Maio de 1993, o irmão João, como passou a chamar-se desde essa altura (preferem ser referidos só pelo nome próprio), foi o primeiro português a integrar esta comunidade monástica internacional (com monges provenientes de 27 países diferentes) e ecuménica (com irmãos de origem católica e de diferentes denominações protestantes).

No rescaldo do encontro europeu que reuniu cerca de 80 mil jovens em Barcelona (Espanha), desde 28 de Dezembro até ao dia de ano novo, o PÚBLICO falou com os dois portugueses que já integram plenamente a comunidade, depois de terem feito o compromisso - que na linguagem de Taizé corresponde aos tradicionais votos religiosos. Os irmãos João e David têm, entretanto, um terceiro companheiro de nacionalidade a caminho: Rui, 25 anos, está há três anos na comunidade como "jovem irmão" - num mosteiro tradicional seria um noviço.

Em Taizé, João, agora com 33 anos, descobriu o que em Portugal quase não existe: "falta uma comunidade de vida cenobítica que acolha", como ouviu um dia dizer ao actual bispo auxiliar de Lisboa, D. Manuel Clemente. A excepção, quase única, são os beneditinos cingeverga. "Na Igreja expressões diferentes e as comunidades cristãs precisam de espaços como os mosteiros." Em Taizé, descobriu o irmão João "um serviço à Igreja para que ela possa respirar". Nesse sentido, diz, a comunidade é um serviço ao cristianismo universal e, portanto, também aos crentes portugueses.

O acolhimento é uma das grandes marcas de Taizé. "Somos uma pequena comunidade que acolhe outras pessoas e que se pergunta como podemos viver isso todos os dias, na humildade da vida comunitária e na busca de caminhos de reconciliação na Igreja."

"Tudo o que temos é para partilhar com outros", diz o irmão David, 28 anos, originário de Portalegre. "Nem sequer temos uma oração só para nós, o que implica simplificar algumas coisas, prescindir de outras. Não temos uma parte da vida que guardamos só para nós."

David conheceu a experiência de Taizé num dos encontros europeus de jovens como este que agora decorreu em Barcelona. Foi em Dezembro de 1987, em Roma. Depois, passou a ir todos os anos à pequena aldeia na Borgonha francesa, a 100km de Lyon. No Verão de 1993 ficou em Taizé como "permanente", o nome dado aos jovens que ali vivem temporadas de reflexão. "Senti desde o início uma grande identificação com a forma de viver dos irmãos: a oração, a entrega a Cristo em comunidade", recorda. Na Páscoa de 1995, David passou a ser irmão, tendo feito o seu compromisso dois anos depois.

Perante o desencanto que hoje marca a relação de tantos jovens com o cristianismo, o irmão João diz que em Taizé não há receitas. "Deus quer-nos criadores com Ele e que não nos deixemos submeter à fatalidade, mas que, pelo contrário, abramos os olhos e vejamos que há pessoas a dar testemunho de esperança."

Em Taizé, não se desanima nunca, afirma. Mesmo no âmbito do ecumenismo, que atravessa um período de amortecimento, pelo menos a nível oficial. "Parece que está cada um confortavelmente em vias paralelas que nunca se cruzam ou se cruzam de vez em quando, por ocasião de um encontro onde se produz um belo documento." Apesar desta sensação, o irmão João acredita que Deus actua e que "o inesperado pode sempre acontecer".

Cita o exemplo da sua descoberta do cristianismo ortodoxo, para ele desconhecido até há poucos anos. Depois de ter começado a receber os romenos que chegam a Taizé, João percebeu que há feridas ainda abertas. Os cristãos ortodoxos sentem a separação de 1054 como se ela tivesse sido ontem e da parte católica tem havido, em diversas ocasiões, pouca sensibilidade para o cristianismo oriental. Mas, entretanto, católicos e ortodoxos têm "a mesma fé em detalhes como os sacramentos, aspectos da visão da Igreja, a figura de Nossa Senhora". "Tem é que haver sinais de boa vontade das duas partes", afirma.

"Mais do que falar ou discutir, é preciso fazer", diz, por seu turno, o irmão David. "Em nome das diferenças não podemos ficar tolhidos ou parados." Em Taizé, por exemplo, chegou-se a uma solução em que, na mesma oração se dá a comungar o pão benzido segundo diferentes rituais: católico, ortodoxo, anglicano. "O nosso sonho é que todos possam um dia comungar o mesmo, mas este é já um primeiro passo."

Das diferentes origens cristãs da centena de membros da comunidade quase nem se sabe. Há católicos e protestantes de diferentes Igrejas, embora ninguém pergunte pelo bilhete de identidade religiosa. Mas sabe-se onde e como vivem os monges: 70 a 80 estão em Taizé (há sempre alguém a visitar outros grupos e comunidades), enquanto uns 25 residem em cinco fraternidades localizadas em bairros pobres no Bangladesh, Brasil, Coreia do Sul, Nova Iorque (num bairro chamado "Cozinha do Inferno", cujo ambiente social registou algumas melhorias nos últimos anos) e no Senegal (a mais recente).

Fonte Público

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