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Construção de Igreja Revela Vestígios Arqueológicos do Neolítico
2002-07-04 14:01:14

As escavações para a construção de uma igreja na localidade das Lameiras, no concelho de Sintra, puseram a descoberto uma importante estação arqueológica, onde os vestígios mais antigos recolhidos até ao momento datam de há cerca de sete mil anos.

Os técnicos do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (MASMO) destacam o "interesse científico ímpar" dos achados, mas consideram que os trabalhos arqueológicos não devem inviabilizar que o templo seja construído.

Foi em finais de Maio que técnicos do MASMO tomaram conhecimento, um pouco por acaso, dos vestígios arqueológicos das Lameiras, povoação dividida entre as freguesias da Terrugem e de Pêro Pinheiro. Durante uma deslocação ao monumento classificado das Buracas de Armês - onde comprovaram o abatimento da cúpula de uma das estruturas, por acção de más condições naturais -, os arqueólogos detectaram, dentro da zona de protecção monumental, uma acumulação de terras.

O depósito apresentava uma invulgar presença de vestígios arqueológicos, constituído por artefactos em sílex e cerâmicas pré-históricas. Os técnicos foram então informados na Junta de Freguesia da Terrugem de que as terras tinham sido movidas por causa de um desaterro para a construção de uma igreja na vizinha povoação das Lameiras. Num terreno perto da entrada da povoação, delimitado por propriedades cujo muro termina junto à estrada, apoiado sobre um enorme lapiás (formação geológica calcária moldada pela erosão), encontrava-se aberto um grande buraco.

Uma retroescavadora havia já arrasado parte de um lapiás situado no meio do terreno. Mas, recorda a arqueóloga Teresa Simões, a formação geológica ainda sobrevivente apresentava "interstícios cheios de abundantes materiais arqueológicos". Após uma reunião em que participaram a comissão para a construção da igreja, o pároco, a junta e o Instituto Português de Arqueologia foi decidido a necessidade de uma escavação de emergência. "Apesar de ter sido uma destruição involuntária, porque o sítio não era conhecido, os vestígios justificavam uma intervenção arqueológica", explica a técnica do MASMO que ficou responsável pela escavação.

"Contentores da história"
De Maio para cá, a construção da igreja foi interrompida e os arqueólogos tomaram conta do terreno, libertando primeiro os lapiás e escavando depois as zonas não afectadas. Embora existam abundantes descrições bibliográficas de intervenções arqueológicas em zonas de lapiás - nomeadamente nos campos classificados da Granja dos Serrões, Pedra Furada e Negrais, também no concelho de Sintra -, a maioria dos autores apenas pôde recolher os materiais aí existentes. Por isso, a estação arqueológica das Lameiras será das primeiras em que uma escavação exaustiva permitirá determinar as diferentes fases de ocupação de populações junto destes monumentos geológicos.

Além da paciente escavação das bolsas dos lapiás e de várias fossas neolíticas, um corte efectuado pela máquina das obras revelou as várias camadas estratigráficas do terreno. "Foi posto a descoberto uma sequência de vestígios que recuam desde a actualidade, passando pelo Calcolítico, ao Neolítico antigo e, numa fase anterior, ao Paleolítico", nota Teresa Simões.

Os vestígios em sílex, entre os quais muitas lamelas, são ainda difíceis de datar, embora se admita que possam remontar a cerca de 50 mil anos. Tudo indica que estes materiais eram talhados no local. A análise de carvões fornecerá indicações do coberto vegetal da altura, ao passo que os restos de mamíferos e moluscos darão pistas sobre a dieta alimentar.

Entre as peças recolhidos avultam cerâmicas decoradas, um fragmento do movente de uma mó (peça destinada a mover a peça utilizada para transformar cereais) e uma pequena agulha ou arpão em osso polido. Mas a principal preciosidade da campanha ainda em curso consiste numa pequena conta de colar em osso, muito rara, e que remontará ao V milénio antes de Cristo. Teresa Simões insiste que, apesar dos danos involuntários causados na estação, esta é "da maior importância para o conhecimento da ocupação humana da região e do período da pré-história".

José Cardim Ribeiro, director do MASMO, confirma que os achados nas Lameiras "revelaram-se de um interesse científico ímpar" para o estudo da ocupação neolítica no contexto peninsular. "Os lapiás não têm apenas interesse geológico e paisagístico, mas também um grande valor do ponto de vista arqueológico, porque são como 'contentores' da história, porque ali se vão acumulando vestígios ao longo dos tempos".

"Povo anda revoltado"
"Não quero morrer sem ver a igreja feita", desabafa uma moradora de Lameiras, aparentando mais de meio século, para o director do MASMO, após este lhe ter garantido que as escavações não impedirão a construção do templo. José Cardim Ribeiro garante que "os trabalhos arqueológicos não vão impedir a construção da igreja", mas acrescenta que "é preciso tempo para recolher e registar os elementos que contribuirão para uma melhor compreensão da cultura destas populações". A moradora confessa que "o povo anda revoltado" com a demora da obra e revela que a pessoa que ofereceu o terreno para a igreja, há quatro décadas, até já morreu. Mas, apesar da localização do templo também não ser consensual na terra, os arqueólogos apenas pedem mais alguma paciência para salvar o que resta deste património. Afinal, é ainda mais antigo que o momento considerado pelos crentes como aquele em que surgiu na Terra o mensageiro de Deus.


Fonte Público

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