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Inventário permite recuperar arte sacra
2002-07-03 13:47:53

O inventário de património religioso da diocese de Beja tem sido um instrumento valioso na recuperação de peças roubadas. Apesar de não ser essa a sua primeira vocação, é com base nos seus elementos que as forças de segurança mais facilmente identificam as características das peças, com vista à sua recuperação.

José Falcão, director do Departamento de Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, explicou, ao JN, que se atingiu uma taxa de recuperação de peças de arte sacra roubadas na ordem dos 45 a 50%.
Desde que caíram as fronteiras portuguesas, o número de furtos em capelas aumentou em duas direcções. Por um lado, protagonizados por toxicodependentes, "um roubo não qualificado, em que tanto são levadas peças de valor como sem ele". Por outro, criminalidade especializada, em grande parte cometida por estrangeiros (ver página ao lado).
A diocese de Beja foi uma das mais "atacadas", até porque uma das características da região é o despovoamento em torno de locais de culto e o total isolamento de muitos deles. Criado na década de 80, o Departamento de Património concebeu uma estratégia de inventariação, conservação e por último musealização que encara as três vertentes como factores complementares de defesa da arte sacra.

Pintura mural
De acordo com José Falcão, foram inventariados cerca de 500 edifícios e aproximadamente 200 mil objectos. Embora o inventário seja geográfico e não temático, em causa estão tipologias tão diversas como as alfaias litúrgicas (ourivesaria e joalharia), esculturas, pintura, paramentos, arquivos, peças de arqueologia e até artes decorativas (talha, pintura mural e azulejaria).
Por incrível que pareça, recentemente verificaram-se roubos de bocados de pintura mural - o que, sublinha o responsável pela defesa do património da diocese, "é francamente difícil de fazer". Aliás, acrescenta José Falcão, atingiu-se um ponto de vulnerabilidadetal dos locais de culto que nada está a salvo. "São levados sinos, portas e até pedras dos portais da igreja".
Essa é uma das primeiras dificuldades que se levantam quando se tenta defender o património da Igreja. As peças de mais valor têm vindo a ser deslocadas - mesmo enfrentando alguma resistência das populações -, mas "não é possível deslocar tudo". Daí que a estratégia passe, antes de mais, por assegurar que os próprios moradores sejam os primeiros guardiões de igrejas e ermidas.
Nas aldeias em que a população mantém uma relação de proximidade com os locais de culto, a tarefa é relativamente fácil. O caso muda de figura quando estão em causa espaços isolados ou nos centros históricos das principais cidades da diocese. A terciarização leva ao despovoamento dos centros de Beja, Sines ou Santiago do Cacém durante a noite, havendo necessidade de "reconciliar as pessoas com o património".

Em flagrante
O Departamento de Património da diocese de Beja tem promovido acções de sensibilização junto das populações que visam, em meios urbanos, criar mecanismos de resposta em situações de emergência. José Falcão conta um episódio que ilustra os frutos dessas iniciativas. Em Sines, numa noite de temporal, uma chamada anónima foi suficiente para que as forças de segurança conseguissem apanhar em flagrante - "o que é raríssimo em arte sacra" - um italiano que se preparava para assaltar a igreja matriz. "Foi um golpe de sorte
que permitiu apanhar um peixe gordo, que se preparava para sair com peças de elevado valor".
Valores são, em matéria de arte sacra, um tema difícil de tratar. José Falcão explica que há, obviamente, um valor relativamente "objectivo" de cada peça, mas por vezes a esse sobrepõe-se o valor sentimental que determinadas imagens - é mais a este nível que a
questão se coloca - têm para as populações. "Há situações em que, em terras envelhecidas, um furto de um santo é uma tragédia no sentido real do termo", conta José Falcão. "As pessoas agarram-se a nós a chorar".
Com um sentido pedagógico, os técnicos da diocese têm procurado explicar os valores das diferentes peças, quando estes não coincidem com o valor sentimental. Até porque essa é a melhor forma de poderem contar com o apoio das populações quando são feitas opções
de restauro. Outra vertente pedagógica foi a promoção de acções de recuperação na própria diocese, com o apoio do Instituto Português de Conservação e Restauro. "Acabámos com os santeiros que pseudo-restauravam colocando olhinhos de vidro e coisas que tais", conclui.

Gansos são bons animais de guarda
Parece - e há quem, nas forças policiais, o considere - "uma forma romântica de fazer segurança". José Falcão garante, contudo, que as experiências têm dado "bons resultados, ainda que com limitações". Bandos de ocas (gansos de grande porte) têm ajudado a proteger dos ladrões ermidas e capelas em locais isolados.
A ideia não é nova, mas caiu em desuso. Já os romanos usavam os gansos como animais de guarda, técnica retomada em força pelos monges nos mosteiros medievais. Vários factores contribuem para os tornar eficazes. Além de morderem muito, quando estão treinados dificilmente se deixam "seduzir" ou aceitar comida oferecida por estranhos.
Na diocese de Beja, têm sido utilizados em locais em que ainda vivem ermitões ou famílias junto às capelas. E são encarados como um complemento de segurança ou um recurso quando falham as técnicas modernas. Isto porque a prioridade vai para a instalação de alarmes electrónicos, com assistência de uma empresa privada de segurança. Só que o Baixo Alentejo tem a particularidade de ter um número elevado de locais de culto completamente isolados, sem electricidade nem telefone. Logo, sem qualquer hipótese de aplicação de
mecanismos electrónicos de vigilância.
A Igreja procura que a deslocação de peças não leve a retirá-las do contacto com o público. O projecto de musealização vai de encontro a esse princípio. Está em curso a criação de cinco unidades museológicas espalhadas pela diocese.
Uma delas é em Santiago do Cacém, estando concluído e entregue, à espera de financiamento, o projecto para reconversão do Hospital do Espírito Santo. Recentemente foi descoberta no edifício uma necrópole medieval, que o projecto de arquitectura integra. Em Beja, pretende-se que um conjunto de igrejas venha a funcionar como pólo único, a que se juntam mais três em Sines, Moura e Cuba -este último em fase adiantada, com inauguração prevista para 8 de Dezembro.

Fonte JN

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