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As práticas dominicais e outras
2002-06-27 09:27:42

Tem-se falado ultimamente, aqui e além, da análise à prática dominical dos portugueses, em tons diversos. Os ecos que me chegam, poucos, de resto, trocam números, cruzam dados e apontam, vagamente, para as consabidas receitas de jornal que hoje se lê e amanhã se esquece: é preciso mudar, a Igreja não se tem adaptado, há que evoluir.


Não colocando, claro está, de parte a Igreja, que sempre deve ser reformada e que essa reforma parte da conversão ao Evangelho e não a qualquer outra coisa, será talvez de alguma utilidade enquadrar o fenómeno das práticas comunitárias, com alguma reflexão que se tem feito.

1. O primeiro lugar desse enquadramento seria a boa análise sociológica, quando analisa as questões da sociabilidade e da pertença. Uma das últimas obras aparecidas neste domínio, o texto de Alain Touraine, Iguais e diferentes, poderemos viver juntos, traduzido pela edição Piaget, apontava na sociedade contemporânea, o fenómeno da dessocialização como um dos fenómenos maiores e, em seu contraponto, o aparecimento do multiculturalismo, ou da dispersão de pertenças.
Não é difícil compreender o fenómeno a que nos referimos. Assiste-se hoje a um aumento do individualismo que se reflecte em todos os sectores. Em razão deste individualismo crescente, os sindicatos têm cada vez menos aderentes, os Partidos políticos já não mobilizam, as Igrejas já não reúnem. Quem não reconhece este facto da cultura actual europeia?
A análise dos dados das práticas eclesiais deve ser comparada com a situação da cultura. Que a Igreja reuna, cada Domingo, ainda tanta gente, é a prova da sua força comunitária, justamente porque nenhum partido nem nenhum sindicato, consegue hoje falar, apesar das somas pagas ou gastas, para mais de meia dúzia de pessoas .
O leitor que gostar de saborear mais que um artigo de fim de semana sobre estas questões, pode ler, com indiscutível proveito, sobre este assunto, o notável texto de Victoria Camps Paradoxos do Individualismo, publicado pela Relógio d’Água, em 1996.

2. Um segundo lugar de reflexão, de boa reflexão de resto, é o retorno do religioso. Muitas obras lhe têm sido consagradas e constitui uma boa síntese a obra de José Maria Mardones Síntomas de un retorno, La religión en el pensamiento actual (Santander,1999).
Nesta obra alguns dos melhores pensadores europeus – Vattimo, Habermas, Derrida, Eugenio Trias – colocam justamente a questão do retorno do religioso na cultura actual, de diferentes pontos de vista. Insistem todavia no carácter discreto deste retorno, dizem mesmo kenótico, e não dum retorno triunfal e menos ainda triunfalista. Retorno que se desenha sobretudo na tentativa de encontrar uma resposta ao nihilismo em que vivemos, ou seja em busca de sentido como alternativa para a era do vazio.
Este carácter discreto manifesta-se na redescoberta do Cristianismo como humanismo, a partir duma experiência de sentido e é hoje visível não apenas nos novos movimentos , que por toda a parte emergem, mas também na redescoberta do lugar da conversão na vida do homem, hoje visível no desenvolvimento de movimentos com tónica catecumenal e na redescoberta, sobretudo, do catecumenato primitivo.

3. A maioria do que se escreve hoje sobre matérias como a adaptação da Igreja ou apelos a um novo Concílio, o Vaticano III, provêm quase sempre duma espécie de liberalismo “pour épater le bourgois” (para entreter o burguês) que ignora os limites do liberalismo.
Ou seja, que pretende partir duma espécie de compreensão da Modernidade, esquemática e redutora, esquecendo as críticas que têm sido feitas à mesma Modernidade, que não podem ser ignoradas por gente séria, pois que foram fundamentadamente feitas, na cultura europeia, desde 1947 e de forma cada vez mais vasta.
Ora justamente essas críticas à Modernidade têm contribuído enormemente para o reconhecimento do Cristianismo e mais ainda do Catolicismo como matriz de cultura, de humanidade e de civilização.
A actual situação de dessocialização, para usar as palavras de Alain Touraine, reflecte-se naturalmente na Igreja.
Todavia para superar esta situação e sobretudo para apontar caminhos construtivos, não basta criticar a Igreja – atitude apenas detectável em alguns ressentidos do Catolicismo – mas é sobretudo preciso olhar para o momento em que vivemos.
O que mais caracteriza esse momento é talvez o desenvolvimento do individualismo (não dizemos apenas do liberalismo). É aqui que se estrutura e é daqui donde parte aquilo que já Hegel chamava a luta pelo reconhecimento, a qual encontra, nas Igrejas e nas comunidades humanas, uma resposta possível.
E essa luta pelo reconhecimento, ínsita no coração de cada ser humano , que tem levado na sociedade moderna e também na Igreja a duas respostas: uma consistindo em criar pequenas comunidades de base étnica, religiosa ou sectária, em que as pessoas se acham em casa, dado que casa não têm; outra, mais universalista que privilegia não apenas o étnico, mas também o humano mais universal, encontrado na grande Igreja, na tradição nacional, ou na tradição cultural mais vasta.
A Igreja como toda a sociedade vive, também aqui, os processos que hoje atravessam a cultura. O seu trabalho, mesmo em tempos de Inverno, ou de secura extrema, como os actuais, consiste em lutar para construir o humano, pelas ligações e religações de que só as grandes tradições religiosas têm o segredo.
Pois como reconhece a laica Victoria Camps, só as grandes religiões foram, até hoje, capazes de moldar civilizações.

In Voz Portucalense


Fonte Ecclesia

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