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Paróquia e Eucaristia
2002-06-02 00:35:41

Homilia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo Paróquia de Santo Condestável, 30 de Maio de 2002


1. Escolhemos esta Paróquia de Santo Condestável para celebrar, neste ano, a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, para nos associarmos a esta comunidade paroquial na celebração do seu jubileu de ouro, cinquenta anos após a Sagração da sua Igreja. Esta data tem sido valorizada pela comunidade paroquial para recordar e agradecer, pessoas e factos, manifestações da solicitude de Deus. Como não recordar as pessoas do Senhor Cónego Fernando Duarte, e do Senhor Padre Mário Cunha, que identificou todo o seu ministério sacerdotal com o crescimento desta Paróquia, e tantos leigos que o Senhor já chamou e que foram grandes obreiros da construção da casa do Senhor.

Mas as celebrações jubilares são também ocasião para reflectir sobre o presente, pressentir e equacionar os desafios pastorais que se apresentam à comunidade, e crescer na fidelidade ao chamamento do Senhor. Nesta Festa do Corpo de Deus, quero dar o meu contributo pessoal a essa reflexão, meditando sobre a relação vital que existe entre a Eucaristia e a Igreja, considerada como comunidade de crentes, chamada a ser realização concreta do mistério da comunhão. De facto a Eucaristia está no centro da realização concreta do mistério da comunhão, como já ensinava Tertuliano: “A Eucaristia faz a Igreja”.

2. A Eucaristia é a expressão máxima da proximidade e da acessibilidade de Deus, o que permite à Igreja a convivência íntima com o Seu Senhor. Como vão longe os tempos das teofanias do Sinai, em que a transcendência de Deus se manifestava assustadora, levando os crentes de Israel a convencerem-se que ninguém podia aproximar-se de Deus e continuar vivo. No mistério da encarnação Deus escolheu estar próximo através de realidades humanas, simples como a vida, e que tornam acessível, para nós, o próprio mistério de Deus. A ternura de um Homem, chamado Jesus, o calor da Sua Palavra, a Sua piedade filial para com Deus, os Seus gestos carregados de significado: a água convertida em vinho, o pão multiplicado, a ternura para com as crianças, a misericórdia para com os pecadores; e sobretudo a Sua Vida feita dom, até à morte e morte de Cruz. Em tudo isso Ele é a presença amorosa de Deus: “Quem Me vê, vê o Pai”; “Eu e o Pai somos um”.

Jesus lança a sua Igreja nesse caminho de construir a intimidade com Deus através das coisas simples, que não só não assustam, mas estão entre as mais belas da vida: a água que purifica e fecunda; o óleo que fortalece; o pão que alimenta, no contexto do “banquete”, refeição festiva que aproxima os corações. É no contexto dessa elevação das coisas simples e belas à qualidade de manifestações da presença amorosa de Deus, que o Senhor disse aos discípulos, na ceia pascal: comei este Pão, porque Ele é o meu Corpo. Ele já os tinha preparado para essa simplicidade transcendente, quando disse às multidões, depois da multiplicação dos pães: “Eu sou o Pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente”. Os Israelitas tinham feito a experiência de se alimentarem, no deserto, com um pão descido do Céu, o maná. Jesus afirma-Se como o novo Maná, isto é, o novo alimento com que Deus socorre o seu Povo.

A Eucaristia educa a Igreja na simplicidade dos caminhos da salvação. Para se aproximar de Deus, partilhar a Sua vida, acolher o Seu amor, não são precisos meios grandiosos nem discussões intelectualmente elaboradas: basta abandonar-se à alegria de um banquete fraterno e saborear com delícia espiritual o pão dos pobres e dos humildes tornado sacramento da presença do Senhor. Nada há de mais simples do que aceitar o convite para o banquete e com o coração em festa “comer desse Pão e viver desse vinho” . A celebração eucarística deve ser bela, porque valoriza mais a contemplação do que a reflexão.

Devem ser repassadas de beleza a proclamação da Palavra, os cânticos de louvor, a harmonia dos gestos e das atitudes; mas deve ser bela, sobretudo, porque os corações estão em festa, porque vão conviver com o Senhor e com os irmãos. À Eucaristia vai-se por amor, na Eucaristia aviva-se o amor, da Eucaristia parte-se com amor, transmitindo na simplicidade da vida a alegria do Reino de Deus, numa atenção renovada às necessidades dos irmãos, enriquecendo todas as nossas experiências de amor humano com maior pureza do coração e maior gratuidade do dom. Na Eucaristia a comunidade cristã descobre o caminho da santidade.

3. Na Eucaristia a Igreja descobre-se como um povo de peregrinos, porque Cristo, o Pão descido do Céu, é o novo maná com que Deus alimenta o seu Povo nas agruras da caminhada. O Livro do Deuteronómio evocava-nos as dificuldades da caminhada, no deserto, do povo do Antigo Testamento. E o Povo que nós somos, nas circunstâncias em que somos chamados a viver e testemunhar a fé, não terá momentos mais difíceis do que a travessia do deserto? As fragilidades dos cristãos, até de sacerdotes, que escandalizam o mundo com os seus pecados; os obstáculos colocados à missão da Igreja, que tantas vezes tomam a forma violenta do ataque e da perseguição; as dúvidas na fé e a pusilanimidade que nos tira a coragem de viver segundo o Evangelho, testemunhando com a nossa vida aquilo que proclamamos pela palavra; os momentos de provação, de sofrimento, de solidão. A Igreja continua a ser um Povo que carrega sobre os ombros a dureza do peregrino. Mas na Eucaristia ela pode ouvir, sempre de novo, aquela promessa consoladora de Jesus: “Vinde a Mim vós que andais sobrecarregados e Eu vos aliviarei”. Este “vinde a Mim”, nos caminhos da Igreja, é um convite para a Eucaristia, enquanto banquete fraterno e enquanto encontro silencioso e adorante de Jesus no sacrário. Oh! se pudessem ser narradas a força que aí se recebe, a intimidade que aí se constrói, a coragem que nos entusiasma a continuar. Ao longo de dois mil anos, as manifestações mais generosas de amor, o abandono mais confiante da nossa dor, as decisões mais ousadas da nossa liberdade, aconteceram nesse diálogo silencioso, que só Deus conhece, com Cristo, “Pão vivo que desceu do Céu”. Aí Ele se nos revelou como Senhor das nossas vidas, esposo do nosso coração, luz das nossas trevas, consolador das nossas aflições, alimento que recupera as nossas forças enfraquecidas.

A autenticidade de uma comunidade cristã e de cada cristão que com ela caminha, manifesta-se na maneira de celebrar a Eucaristia e no amor com que se adora a Eucaristia. Na nossa tradição latina acentuou-se, sobretudo, a obrigação de participar na Eucaristia, forma de celebrar o Domingo como Dia da Ressurreição do Senhor. E pela defesa desse direito lutaram os cristãos, tantas vezes com o risco da própria vida, sempre que as forças do mundo lho dificultavam ou impediam.

Nós, ao contrário, corremos o risco de desperdiçar a Eucaristia; sempre que motivos fúteis e de simples comodidade nos dispensam dela; quando nela participamos de forma rotineira e sem densidade de amor; quando fazemos dela a simples evocação dos nossos mortos ou maneira de solenizar as nossas festas; ou mesmo na linha de costumes institucionalizados, a utilizamos como forma de sustentação do clero. Não, a Eucaristia não é isso: ela é a nossa experiência pascal, o nosso reencontro, sempre revivido e renovado, com Cristo ressuscitado; ela é a nossa comunhão de amor, a alegria da nossa fé, a razão de ser do nosso compromisso, a firmeza do nosso testemunho. Salvemos a Eucaristia e salvaremos a Igreja.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca


Fonte Ecclesia

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