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Mulher Denuncia Relação Marital com Padre e Acusa Igreja de Conivência
2002-05-23 08:30:59

Uma professora do ensino secundário, de 33 anos, afirma ter mantido durante cinco anos uma relação marital com um padre, de Mogadouro, em Bragança. A mulher vivia na esperança de um dia o padre cumprir a promessa que fazia com frequência e deixar a Igreja para viver com ela. Mas, afinal, o tempo mostrou o contrário.

Célia P. (nome fictício) tem 33 anos, mas veste um corpo de adolescente anoréxica. Está escanzelada e tem os olhos esbugalhados. Fuma compulsivamente. Os cigarros sucedem-se, agarrados com força nas suas mãos esguias e trementes. O fumo que devora tornou-lhe a voz rouca. As unhas estão roídas até ao sabugo.

Célia é nervosa e transpira ansiedade. Arrasta as palavras e cada som que pronuncia carrega o peso de uma imensa mágoa. A mágoa de quem tem a vida marcada para sempre e se sente arruinada.

"Só queria que me deixassem em paz", diz, repetidamente. Com este "deixassem", Célia refere-se ao homem que amou loucamente, um padre do concelho de Mogadouro, que lhe fez as mais bonitas juras de amor e a quem se entregou de alma e coração.

A jovem, uma cidadã de Bragança, professora do ensino secundário, afirma ter mantido durante cinco anos uma relação marital com esse pároco, também ele jovem, agora com 34 anos e ordenado padre há pouco mais de sete. Célia diz que vivia na esperança de um dia o padre cumprir a promessa que fazia com frequência e deixar a Igreja para viver com ela. Mas, afinal, o tempo veio mostrar que nunca tomou tal decisão.

Alegadamente, o padre nunca aceitou também terminar a relação clandestina com a jovem professora. Agora, Célia garante que está a ser vítima de perseguições e ameaças por parte do pároco e acusa a Igreja de conivência. A jovem denunciou o caso ao anterior bispo de Bragança, D. António Rafael, e, mais recentemente, ao actual bispo, D. António Montes Moreira. Ambos garantem que tomaram "as medidas necessárias" para sanar a situação e negam a existência de complacência da Igreja. Mas a jovem está convencida do contrário e, numa última tentativa desesperada de pôr um ponto final ao seu desespero e iniciar uma nova vida, denunciou a situação aos meios de comunicação social.

Paixão doentia...
Esta é a história de uma paixão clandestina e doentia. De uma relação de amor e ódio, de amor e despeito. De encontros e desencontros, de aproximações e afastamentos. Tudo começou em Novembro de 1996. Célia dava aulas na Escola Secundária de Mogadouro quando reencontrou um antigo colega de liceu, um jovem pároco responsável por várias aldeias de Mogadouro e professor numa escola em Sendim. Ambos se apaixonaram perdidamente.

Só que, a certa altura, a relação entre os dois começou a tornar-se doentia. "Ele começou a proibir-me de ter amigos e de sair à noite. Perseguia-me, imaginava histórias e eu comecei a não aguentar tanta pressão", conta Célia que, de repente, se viu a braços com um grave problema de saúde: uma depressão.

Em pouco mais de um mês emagreceu 30 quilos e ganhou uma anorexia nervosa - por causa desta doença, Célia teve que se submeter a tratamentos médicos e psiquiátricos que ainda hoje se mantêm. A relação consumia-lhe corpo e alma e em 2000 tentou afastar-se do padre. Só que este não aceitou.

Célia resolveu denunciar a situação e escreveu uma carta ao então arcipreste de Mogadouro, o padre Francisco Silvestre. Pela primeira vez, a Igreja, nomeadamente D. António Rafael, foi alertada para a situação. O jovem padre, visto pelo então bispo de Bragança como um pároco "de grande valor", desmentiu toda a situação.

E, para alívio de todos, pouco tempo depois chegou às mãos do ex-arcipreste de Mogadouro uma nova carta, assinada pela mesma Célia, desta vez a desmentir a existência de qualquer relação. "Fiquei descansado. A própria (Célia) dizia que tudo era falso. Por isso, o assunto morreu ali e eu resolvi depois mandar o padre estudar para Salamanca [para tirar a licenciatura em Direito Canónico]", conta D. António Rafael.

Mas o prelado enganou-se. Afinal, a relação clandestina não era uma farsa e o padre continuou a ver Célia com regularidade. Até Maio de 2001, altura em que, no meio de mais um momento de desespero, a jovem escreveu uma carta ao então bispo de Bragança, onde contou tudo o que se passava entre os dois e apresentou diversas provas da relação clandestina, entre as quais fotos e recibos de hotéis onde ambos passaram férias.

D. António Rafael encontrou-se com a jovem, ouviu-a durante longas horas e ficou estupefacto. Sobretudo quando esta lhe contou que, afinal, escrevera aquele desmentido pressionada pelo padre. "Eu desmenti tudo porque gostava dele. Ele prometia-me que a situação era provisória e que mais cedo ou mais tarde iríamos ficar juntos", relata ao PÚBLICO.

... e insistente
"Para mim, tudo isto foi uma surpresa muito grande. Mas acreditei na versão da (Célia) e tomei as medidas necessárias para sanar o assunto. E sempre pensei que tudo tivesse terminado. (Célia) mostrou-se determinada a cortar com tudo e os sinais que tive do padre indiciavam isso mesmo", explica D. António Rafael.

Enganou-se novamente. Segundo Célia, a relação dos dois continuou. Durante uns meses, apenas falaram pelo telefone, mas após propostas insistentes do pároco, Célia terá aceitado o convite para passar uns dias com o padre.

Foi em Setembro de 2001 e, nesse mesmo mês, a professora voltou a tentar pôr cobro à situação. "Disse-lhe claramente que de boné e óculos de sol no carro dele nunca mais", recorda. O padre terá continuado no entanto a telefonar-lhe com regularidade e a fazer-lhe convites, embora Célia garanta que nunca mais os aceitou.

Há cerca de três meses, no entanto, as insistências começaram a transformar-se em ameaças e perseguições. Uma noite, próximo do período da Páscoa, Célia conta que estava em Bragança a conversar com um aluno dentro do seu carro, quando o padre surgiu, a acusou de pedofilia e ameaçou o jovem. "Apontou-me o dedo próximo da cara e numa atitude de ameaça disse-me: 'Não toques nesta mulher (Célia) que ela é minha'", conta o estudante, garantindo ainda ter testemunhado, juntamente com outros colegas, diversos telefonemas da pessoa em causa.

No passado dia 3 de Maio, às 23h14, e depois da alegada recusa de um convite, o padre enviou uma mensagem escrita para o telemóvel de Célia. "Vou dormir já que não te posso ter", pode ler-se na mensagem que Célia não apagou, enviada do telefone móvel do padre.

Na manhã seguinte, sob pretexto de querer terminar tudo novamente, Célia foi à aldeia de Mogadouro onde o padre exerce o ministério. Mas, para sua surpresa, em vez de a receber, este telefonou para casa das três senhoras da aldeia mais ligadas à Igreja, a pedir "socorro", porque uma moça estava a "fazer escândalo" à sua porta.

De imediato, duas senhoras e a filha de uma correram em seu auxílio, aproximaram-se de Célia e esta, amedrontada e envergonhada, fugiu da aldeia. "O senhor padre, coitado, ficou um caos. Tremia por todo o lado e estava embaraçado. Contou-nos apenas que já há muitos anos que andava a ser perseguido e que o andavam a ameaçar", recorda Maria dos Santos, zeladora do altar-mor da igreja local. Ao PÚBLICO, o padre recusou-se a prestar quaisquer declarações.

Na aldeia, onde o padre é muito estimado, o assunto foi completamente abafado pelas senhoras, mas, naquele sábado, Célia ficou tão desesperada que resolveu contar tudo ao novo bispo de Bragança. "D. António Moreira disse-me que ia falar com o padre e que tudo se resolveria, que eu o perdoasse, porque ele se iria corrigir. Mas cheguei à conclusão que tudo iria ficar na mesma", justifica. Achou então que a única solução para o seu caso seria expor-se publicamente e, ainda no mesmo dia, denunciou a situação à comunicação social. Receando pela sua integridade física, a jovem professora relatou ainda a situação à GNR de Bragança.

Confrontado pelo PÚBLICO, D. António Moreira, bispo de Bragança há apenas sete meses, sublinha que as versões que ouviu dos dois protagonistas deste envolvimento "não são coincidentes", mas que quando o caso lhe chegou às mãos "já não existia qualquer relação". Mesmo assim, remata, "fiz o que considerei que era o meu dever e estou tranquilo com a minha consciência".

Fonte Público

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