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Trabalhar... tem de ser
2002-04-30 19:28:10

A problemática do trabalho nos dias de hoje, em muitos casos, ainda é parecida, com a situação vivida pelos trabalhadores quando não tinham horário de trabalho definido e trabalhavam de sol a sol, precisamente há 116 anos que culminou com o macabro “massacre” de Chicago em 1 de Maio de 1886.

Hoje, os protagonistas são outros e servem-se de meios mais sofisticados para controlar os trabalhadores e gerir os acontecimentos sem grande impacto na sociedade. O sofrimento silencioso no coração de cada ser humano, não transparece aos olhos do público, sendo encoberto no emaranhado das realidades duras do mundo do trabalho.

Realização e meio de sobrevivência
Existem duas formas de ver o trabalho: Os trabalhadores que se sentem realizados naquilo que fazem e aqueles que são “obrigados” a ver o trabalho apenas como meio de sobrevivência. Casos de realização pessoal não são muitos mas existem. Normalmente quando abordamos os trabalhadores sobre o seu trabalho profissional, são mais as angústias do que as alegrias, são mais as frustrações do que a realização pessoal. Na base destas situações está uma disfunção da capacidade intelectual e criadora de cada trabalhador ou trabalhadora. Cada um é visto apenas como instrumento de produção, como se de uma máquina se tratasse. Os empregadores exigem produção sem olhar a meios. Esquecem, muitas vezes, a necessidade de investir na formação dos trabalhadores.

Acidentes de trabalho – Mais de 200 mil por ano...
É confrangedor analisar a situação dos acidentados do trabalho. Segundo números revelados por diversas instâncias, são mais de 200 mil por ano, sendo a maior parte no sector da construção civil. O número de vítimas de acidentes de trabalho não pára de crescer todos os anos. E porquê? Porque não se investe na formação, não se exigem as medidas necessárias de protecção, apesar desses mecanismos até existirem. Só que, nalguns casos, a utilização de tais “ferramentas de protecção”, são de tal forma desconfortáveis, que são postas de lado, com a negligência dos seus próprios utilizadores e das respectivas entidades empregadoras. Depois, os acidentes acontecem com vítimas desnecessárias, tendo como consequências a morte, orfandade, viuvez e, noutros casos, a mutilação do próprio trabalhador, para toda a vida. A morte espreita a cada momento os trabalhadores que executam trabalhos perigosos...

Outras realidades que fazem sofrer
Os ritmos acelerados de produção, onde as pessoas nem podem olhar para o lado, controladas pelas próprias máquinas, com todos os movimentos observados por encarregados sem escrúpulos ou câmaras de vigilância, revelam que o trabalhador deixou de ter liberdade de movimentos, de criar, de se desenvolver. Numa palavra, viu a sua dignidade posta em causa. Isto acontece em muitas empresas e serviços. Por outro lado, as más condições de trabalho, com ruídos ensurdecedores, cheiros tóxicos, frio no inverno e calor no verão, repressão junto dos trabalhadores mais reivindicativos e outros que aceitam ser delegados sindicais, continuam a ser uma constante nos dias de hoje. Assistimos ainda à apropriação do trabalhador por algumas empresas a fim de que este esteja disponível 24 horas por dia no que diz respeito a alguns serviços. Inventam-se formas e habilidades de contornar as leis laborais para manter o trabalhador sob o domínio de certos empresários ou grupos económicos sem escrúpulos, retirando-o do seu convívio familiar. São os chamados trabalhos por objectivos e as isenções (?) de horários de trabalho.

Salários que não dão para uma vida digna
A maioria dos salários praticados na industria e no comércio, incluindo as grandes superfícies, são salários demasiado baixos impossibilitando o trabalhador de fazer face aos gastos com a renda ou compra da habitação, com a alimentação, saúde, estudo dos filhos, transportes, comunicações, entre outros, sendo obrigado a arranjar outros trabalhos para além do horário normal, ou então aceitar horas extraordinárias e o trabalho nos dias de descanso, para conseguir mais algum dinheiro a fim de fazer face aos gastos familiares. Apesar de sermos um país membro da Comunidade Europeia, estamos na cauda da Europa no que diz respeito a salários. Mas os custos com o nível de vida são muito parecidos com os outros países europeus. É altura de reclamar um salário mínimo europeu.

Um meio de realização pessoal
Quando o trabalho não é imposto e pode ser escolhido, como vocação, por cada trabalhador, é um meio de realização pessoal e provoca prazer na sua concretização. “Quando vejo sair das minhas mãos peças de roupa que vão tornar felizes outras pessoas, sinto-me alegre e bem disposta”, comentava comigo uma costureira de uma fábrica de confecções. “Quando torneio uma peça que vai fazer parte de um microscópio, para depois servir os médicos nas suas investigações e cientistas no aprofundamento dos seus conhecimentos da técnica e da ciência, sinto que também estou a colaborar no aperfeiçoamento do universo” arrematava outro trabalhador.

Outras realidades, impossíveis de as descrever neste pequeno texto, são sentidas a cada momento que passa; a começar na preparação para o exercício de uma profissão e a terminar com a aposentação do trabalhador, está uma vida recheada de conflitos, virtudes, conhecimentos e relacionamento humano. A Doutrina Social da Igreja ensina-nos que “antes de mais nada o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho” (LE 6). Daí, que os mecanismos de trabalho tenham de se adaptar à pessoa humana e não o contrário.

José Maria Carneiro Costa
(Dirigente Nacional da LOC/MTC)

Fonte Ecclesia

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