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Jornais locais são uma contracultura
2000-11-26 18:16:25

Nuno Brás rejeita a ideia de se acabar com a imprensa diocesana para a transformar num grande órgão nacional da Igreja.

Sente-se verdadeiramente livre ao dirigir um jornal da Igreja?
O Voz da Verdade é um órgão oficioso da diocese de Lisboa e noticia tudo aquilo que considera jornalisticamente importante. Nunca senti a liberdade coarctada. Tenho, no entanto, consciência de que tudo o que aparece compromete também a diocese.

O seu jornal é a voz da Igreja ou, sobretudo, a voz do Pastor?

É também a voz do Pastor. Há até quem nos critique de darmos demasiada cobertura às acções em que está presente o patriarca de Lisboa. Mas também é preciso mostrar a diocese no seu pulsar.

Qual é, afinal, o objectivo de um jornal diocesano?
O objectivo é dar a conhecer a vida da sua Igreja, mostrando como no silêncio do dia-a-dia se fazem tantas coisas, como há tanta gente que se dedica ao serviço do próximo sem esperar que o seu nome surja num grande meio de comunicação. Muitas vezes temos a ideia de que a Igreja está moribunda, porque não aparece, mas fazem-se muitas coisas, a maior parte das vezes no silêncio.

Um jornal nacional da Igreja não ajudaria a quebrar esse silêncio?
A Igreja tem "n" jornais pequenos que não pode dispensar. São meios que estão mais próximos das pessoas, que servem para mostrar a comunidade, o que é importante.

Mas todos muito dispersos...
Isso é uma coisa boa. Creio que essa imprensa, sendo de carácter essencialmente regional, tem de evoluir constantemente. São órgãos que têm a ver com uma certa contraglobalização, no sentido da defesa da cultura local. Os jornais diocesanos englobam-se nesta contracultura e só é necessário que evoluam para serem, de facto, expressão do pulsar das regiões, onde os jornais nacionais não chegam.

Todos juntos não originariam um bom e grande jornal nacional?
A grande realidade dos jornais diocesanos é que são locais. Agora, querê-los transformar, de repente, num grande jornal nacional, significaria descaracterizá-los e levaria a pensar que os leitores de uns seriam os potenciais leitores do outro, o que não é verdade. Em Portugal, um grande jornal tem um público mais ou menos certo, assim como os semanários. Por isso, é interessante ver alguns títulos a aparecerem e a desaparecerem. Porquê? Porque não têm público. Estarmos a julgar que alguém por ser católico praticante vai comprar um jornal por ser o jornal da Igreja, essa é uma lógica que não funciona, tal como se viu com o caso da TVI.

No entanto, há quem defenda a criação de um grande jornal.
Receio que a lógica de quem tem essa posição seja a de julgar que temos coisas a dizer e, portanto, precisamos de um sítio para as dizer. Só que a lógica de um grande jornal nacional não é essa. A lógica é: há leitores que querem ler o que nós temos para dizer e, portanto, fazemos um jornal para essas pessoas.

Será que um jornal com referências eclesiais teria público?
Essa é que é a questão. Estarmos a investir somas avultadas, criando expectativas, para depois fechar, claramente não vale a pena.

Há espaço na imprensa cristã para o pluralismo?
O pluralismo sempre marcou a Igreja e não é agora que vai deixar de marcar. Aliás, uma Igreja que não fosse capaz de enquadrar, unidas na profissão da mesma fé, as várias posições em relação a uma série de realidades, já não seria a Igreja de Jesus Cristo.

Os cristãos manifestam publicamente esse pluralismo?
Creio que há um défice de presença dos cristãos nos debates públicos. Deveriam aparecer mais.

Os jornais nacionais conseguem ser o eco de várias sensibilidades?
Os jornais nacionais andam muito pelo politicamente correcto. Aquilo que um analista político diz acerca de alguma coisa passa a ser o politicamente correcto.

São definidores de padrões?
Aquilo que antigamente era feito pelas comadres e pelos compadres, ditando padrões de comportamento, agora são os jornalistas que o fazem. Se calhar não pode ser de outra forma.

Não sente que haja irreverência?
Há irreverência, mas ela é rapidamente transformada no politicamente correcto. Por exemplo, a célebre frase da "geração rasca" apareceu num editorial sem ser uma ideia desenvolvida em termos filosóficos de grande pensamento. Mas passou a ser uma categoria através da qual as pessoas pensam. Isto marca.

A orientação é do mercado?
Hoje vende muito mais o politicamente correcto porque aparece disfarçado do politicamente incorrecto. Ou seja, a irreverência é feita dentro de determinadas balizas. E dentro destas pode ser-se irreverente à vontade. Fora delas pode ser-se considerado ou louco ou tradicionalista ou conservador ou todas essas coisas.

Que relação tem a teologia com a comunicação social?
Podemos dizer que o cristianismo é um fenómeno de comunicação. Por conseguinte, não há teologia que não tenha por detrás um conceito de comunicação.

Essa afirmação pressupõe um paralelismo entre um conceito de comunicação e a revelação?
Claro. Por exemplo, no chamado modelo doutrinal, a revelação é tomada como um conjunto de doutrinas transmitidas por Deus acerca de si mesmo. Aqui o conceito de comunicação é linear, ou seja, há a mensagem de um emissor para um receptor.

Não é esse o modelo tradicional dos mass media?
Sim, mas não satisfaz. É um modelo maquinal que tem pouco a ver com o encontro pessoal que é a revelação em Jesus Cristo.

É por essa razão que intitula a sua tese de doutoramento de "Cristo, o comunicador perfeito"?
Jesus Cristo é o comunicador perfeito, não porque é capaz de fazer passar uma mensagem, ou capaz de vender um produto, mas porque, de facto, ele garante a comunhão entre Deus e o homem.

A sua tese, de alguma forma, é uma crítica aos media.
Aquilo que eu pretendi defender é que a comunicação através do media é apenas um modo de comunicar e portanto deve ser situada num campo mais vasto que é o da comunicação humana. Restringir a comunicação aos media faz com que a comunicação humana se empobreça. Quase já não sabemos comunicar sem um televisor à frente. Este fenómeno dos media vem muito em consonância com a perda crescente desta dimensão de comunidade.

Mas o que não passa nos mass media é como se não existisse...
Centrando-nos nos instrumentos temos um raciocínio de tipo dominador, em que o receptor, passivamente, está à espera que o emissor diga o seu saber. Isto é centrar os media num processo de domínio. Essa não é a comunicação de Jesus Cristo, nem pode ser a comunicação da Igreja.

Qual deve ser o papel da Igreja neste campo?
A lógica em que trabalhamos nos media é a lógica do Poder. Como tal, a Igreja deve questionar-se sobre o modo como pode estar aí presente, sendo fiel à maneira de comunicar de Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, reconhecendo a importância da comunicação social na nossa cultura.

Mostrando-se crítica?
A Igreja deve ser crítica, mesmo relativamente ao modo como se faz comunicação. A partir do momento em que Jesus Cristo encarnou, a Igreja não pode deixar de ter em conta tudo aquilo que é humano. Se sou cristão, sou-o mesmo quando durmo.

Fonte DN

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