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Congresso internacional debate em Lisboa a actualidade das "Confissões" de Santo Agostinho
2000-11-14 22:13:06

Jean Delumeau chamou ao pecado original o "princípio da História". O homem que inventou o conceito, Santo Agostinho, escreveu a sua obra maior, as "Confissões", há 1600 anos. Nela, propõe um conceito revolucionário de tempo, que fala da distensão da alma pelo passado, presente e futuro, em vez do tempo circular. Com esses dois contributos, este africano foi um dos pensadores que mais marcou a cultura ocidental.



Se a importância de alguém se medisse pelo número de textos que sobre a pessoa se escrevem, não há dúvidas de que Santo Agostinho não terá muitos rivais: entre 1955 e 1996, foram publicadas ou traduzidas, em todo o mundo, cerca de 55 mil textos sobre o autor de "A Cidade de Deus". O que dá, em 41 anos, 1341 títulos por ano.

Por causa da importância do criador da noção de pecado original e de uma das suas obras maiores - as "Confissões" - estão, desde ontem, reunidos em Lisboa 55 conferencistas de 23 universidades (dez portuguesas e 13 estrangeiras). O congresso internacional "As Confissões de Santo Agostinho 1600 anos depois: presença e actualidade" pretende revisitar aquela que Eduardo Lourenço já considerou a "obra mítica da cultura ocidental".

De acordo com os responsáveis pela organização - Área de Filosofia da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (UCP), em colaboração com a Faculdade de Teologia e o Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira da UCP e a Ordem de Santo Agostinho -, a iniciativa tem como objectivo principal "detectar a presença e a actualidade" das "Confissões" na cultura e na história. Não com intuitos "arqueológicos", mas para descobrir "um pensamento aberto ao possível e, talvez, ao impossível", a partir de uma obra que oscila entre a autobiografia, a filosofia e a teologia.

O pecado e o princípio da História
Além da revolução conceptual sobre o tempo (ver caixa), o pensamento de Agostinho é também marcado pela ideia de pecado original, um conceito que marcou a teologia católica e a vida das sociedades ocidentais até há pouco. É na resposta à heresia pelagiana sobre o problema da origem do mal que Agostinho elabora o conceito.

Pelágio, um monge britânico, defende que, pela liberdade, o homem se redime a si próprio. O pecado de Adão não é hereditário e é desnecessário o baptismo das crianças, um tema em debate na Igreja da época. Pensa ainda Pelágio que "o homem é livre e responsável pelos seus actos", escreve Henri Tincq, e que pode estar "isento do pecado" e tornar-se a "imagem" de Deus.

A experiência da conversão de Agostinho diz-lhe o contrário do que defende Pelágio. "Negar o pecado original é negar a salvação de Cristo." Ou seja, para acentuar a graça como dom de Deus ao homem, Agostinho afirma que, reduzido à liberdade, o homem pode cair mas não consegue salvar-se sozinho. Daí a necessidade da graça e da salvação oferecida por Deus, que é "é original e central", como define Tincq.

O pecado original - o mal que entra no mundo por causa da desobediência de Adão a Deus - transmite-se depois pela sexualidade. Segundo este conceito, a natureza humana é pecadora desde a nascença, uma ideia que retoma as interpretações literais do Génesis e das cartas de São Paulo. "Foi Deus que fez os sexos. Como podia acontecer que aqueles que estavam destinados a unir-se entre si não movam os seus corpos?", pergunta Agostinho em "Acerca do casamento e da concupiscência". Escreve Erich Fuchs ("O Desejo e a Ternura", ed. Círculo de Leitores) que, "contra o maniqueísmo, Agostinho mantém a bondade da sexualidade procriadora e, contra os pelagianos, afirma a força da concupiscência que liga sexualidade e pecado".

A teóloga alemã Uta Ranke-Heinemann contrapõe que foi Agostinho quem concebeu "um Deus déspota, inaugurando uma lógica de medo e de terror para melhor impressionar as almas", e que teria sido "o promotor desta moral que identifica o sexo com o pecado e a concupiscência".

Por causa do conceito de pecado original - o "princípio da História" segundo Jean Delumeau em "O Pecado e o Medo no Ocidente"-, Agostinho defende com veemência a ideia do baptismo das crianças. Só o baptismo é a "indispensável condição de uma regeneração que permite escapar ao suplício da morte eterna, que apaga a culpabilidade, sem por isso livrar da concupiscência e da ignorância iniciadas pela desobediência de Adão".

O tema do pecado original aparece desenvolvido sobretudo em obras como o "Comentário da Carta aos Romanos", os "Escritos Anti-Pelagianos" ou "Sobre o baptismo das crianças". "A liberdade é essencial, mas tem limites e o homem não se teria libertado sem a intervenção da graça divina", comenta José Rosa, sobre as ideias de Agostinho. Para o autor das "Confissões", acrescenta, "o pecado original não é uma responsabilidade pessoal; é histórico e lesou a natureza humana". Daí o carácter "profiláctico" do baptismo, como "valor potenciador da natureza humana" e contra uma "visão mágica" do sacramento.

O debate em que Agostinho entrou continua actual: "grosso modo", a teologia católica acentuou a ideia de que cada um pode ser salvo pelos seus esforços, ao contrário da teologia protestante, que, na senda de Agostinho, defende que o homem só pode ser salvo pela graça de Deus.

Goulven Madec, do Instituto de Estudos Agostinianos, de Paris, que ontem falou no congresso, define Santo Agostinho essencialmente como "um pastor de almas, um comentador das Escrituras, um teólogo se se quiser, mas nunca um dogmático". Conclui Henri Tincq: "Se ele pertence a todos os tempos, não é pelos 'tratados' de filosofia ou teologia que nunca escreveu, mas pelas suas confissões, meditações, correspondências, pelos seus manuais simples em prol duma boa vida cristã, ditados pelas tarefas pastorais ou pelas controvérsias da época."

Fonte Público

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