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Ciganos atirados para guetos de betão
2002-03-09 11:06:36

Salvo raras excepções, o processo de realojamento da comunidade cigana não enveredou pelos melhores caminhos. "As pessoas não foram preparadas para a mudança e muitos dos bairros têm as entradas degradadas e não dispõem de equipamentos", alertou, em declarações ao JN Fernanda Reis, membro da Pastoral de Ciganos.


A abordagem à forma como se desenvolveu em Lisboa o Programa Especial de Realojamento (PER) tem aspectos negativos e positivos. Se por um lado "acabaram muitos dos grandes núcleos de barracas da capital, por outro é certo que todos os bairros sociais têm problemas", de acordo com a mesma fonte.
Os dois blocos construídos na Rua Issam Sartawi, na freguesia de Benfica, são disso exemplo. Os prédios _ habitados por ciganos, africanos e outras famílias oriundas de zonas degradadas _ estão a cair de podres. "E as casas só têm cerca de três anos", sublinha
uma jovem cigana, enquanto aponta para as paredes da sala de entrada invadidas pela humidade.

Má qualidade
A casa, onde residem o casal e cinco crianças, parece, com efeito, ter sido construída com materiais muito pouco resistentes. As portas são de contraplacado e as paredes, descarnadas, mostram uma espécie de rede de plástico a sustentar a argamassa. Para aumentar o estado deplorável das habitações, quase todas as tomadas de electricidade se encontram descarnadas. "Qualquer dia acontece uma desgraça com uma das crianças", receia a moradora, Carla Bernardo.
A área envolvente também não convida ao usufruto. Trata-se de um largo sem qualquer tipo de equipamento ou estrutura de apoio à população e, pior, sem iluminação. Isto, como frisou Maria de Fátima Mendes, outra residente na zona, "para não falar dos ratos e outros bichos que saem debaixo dos rés-do-chão".
É, portanto, grande o descontentamento no seio da comunidade cigana que ali habita. Alguns dos seus membros, os mais velhos, afirmam inclusivamente ter "saudades das barracas". Apesar das queixas, a comunidade cigana relaciona-se bem com a vizinhança. "Aqui, o
pessoal dá-se bem com os negros e com os brancos. Não há grandes problemas", garantiram ao JN algumas das famílias, de regresso das feiras.

Especificidades
A transferência das populações residentes em barracas para casas de alvenaria é sempre um processo complexo. Qualquer família, independentemente da sua origem, necessita de acompanhamento social. "Tem de haver uma aprendizagem para o usufruto da nova habitação
e de todas as utilizações que a integram", sublinha Fernanda Reis. Sobretudo, adianta, quando está em causa uma comunidade "com características específicas que têm de ser levadas em conta".
A própria tipologia dos fogos deve respeitá-las. Um exemplo: "As casas devem ter salas grandes para as reuniões familiares, enquanto os quartos de dormir podem ser pequenos". Além disso, "convém que os ciganos fiquem a residir nos rés-do-chão, uma vez que muitos trabalham em feiras e têm de transportar os materiais que comercializam". Negativo é também o facto de "as infra-estruturas, equipamentos e arranjos exteriores dos bairros sociais serem construídos muito depois da transferência das pessoas", acrescentou a responsável da Pastoral de Ciganos.
Fernanda Reis fez ainda questão de alertar para a situação das cerca de 100 famílias transferidas da zona de Beirolas para um antigo quartel situado em Vale do Forno, na freguesia de Carnide. O processo de realojamento _ que resultou "de um jogo do empurra entre a Câmara de Lisboa e a Expo" _ acabou por "atirar" 400 pessoas para uma realidade habitacional "revoltante".
A resolução do problema da comunidade em questão _ instalada entre o Cemitério de Carnide e uma lixeira - passa agora, de acordo com Fernanda Reis, pela autarquia. "Deve estudar o bairro e assumi-lo com pessoas ciganas e não ciganas", defende.

Fonte JN

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