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Homilia D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca
2002-02-13 23:42:57

Homilia proferida por Sua Eminência o Cardeal Patriarca na Missa de Quarta Feira de Cinzas Sé Patriarcal, 13 de Fevereiro de 2002


1. Em Igreja, iniciamos hoje os exercícios quaresmais, preparando a celebração da Páscoa deste ano da graça. Na Liturgia da Igreja, está é a mais longa preparação de uma festa cristã. Certamente porque a Páscoa ocupa na Liturgia e na existência cristã um lugar central, único e decisivo. É a festa da nossa redenção e do dom do Espírito, início de uma vida nova e renovada. A Páscoa marca a diferença e sublinha a passagem da existência humana à vida cristã. Preparar a Páscoa é assumir essa diferença, recuperar, na nossa vida concreta, toda a novidade libertadora de homens e mulheres reconciliados com Deus e renovados pelo Espírito de Jesus Ressuscitado.
Na continuidade da minha Carta Pastoral e da Mensagem que para vós escrevi no início desta Quaresma, proponho como tema para a nossa caminhada quaresmal deste ano “evangelizar o amor”, ou seja, escutar a Palavra de Deus e recorrer a todos os meios da graça para purificar todas as expressões do nosso amor humano, tantas vezes ainda manchado pelos nossos pecados e abrirmo-nos ao dom do Espírito, que derrama o amor de Deus nos nossos corações. Trata-se do nosso coração, endurecido pelos interesses e preocupações da vida, em ordem a deixar que o Senhor nos dê um “coração novo”, para aceitarmos a sua proposta de aliança, nova e definitiva aliança selada no sangue de Cristo.
É o apelo que Deus nos faz através do Profeta Joel: “Voltai para mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. Rasgai o vosso coração e não as vossas vestes. Voltai para o Senhor vosso Deus”. Há neste apelo uma urgência e ela é a própria urgência de Deus. O Profeta confessa que Deus se encheu de brios e quer perdoar ao seu povo. Essa mesma urgência de Deus ressalta da Carta de Paulo ao Coríntios: “Nós vos pedimos por amor de Cristo: reconciliai-vos com Deus”.
É impressionante esta urgência de Deus na mudança do nosso coração. Nós é que precisamos e é Ele que tem pressa, que se deixa devorar pela urgência de nos poder amar. É a intensidade de amor do esposo que anseia pela intimidade de amor com o seu Povo e com cada um de nós. A oferta da salvação não é só por causa de nós e para nosso bem; é por causa de Deus, da generosidade do seu amor, do seu propósito de aliança com os homens, da manifestação da sua glória. Como é pobre uma perspectiva de salvação, vista apenas como busca de solução para a nossa vida. A salvação envolve profundamente Deus no seu desejo de dom, na delicadeza da sua ternura misericordiosa, na fecundidade do seu poder criador. Deus tem urgência em que lhe abramos o coração, porque decidiu, desde toda a eternidade, ser Deus connosco, ser Deus em nós. É a força de um desígnio, a voragem de uma escolha de amor. É por isso que é muito triste para Deus a nossa recusa ou mesmo a lentidão da nossa resposta de conversão a Ele, acolhendo o Seu amor.
Na Páscoa celebramos o momento em que um homem, Jesus Cristo, acolheu totalmente essa voragem de amor de Deus Seu Pai. E no coração verdadeiramente novo de Jesus Cristo está a esperança de uma mais total e profunda resposta dos homens ao amor de Deus. Só essa esperança fez com que Deus nos amasse infinitamente, em Jesus Cristo, amor que nos envolveu totalmente no dia do nosso baptismo, momento em que nos unimos a Jesus Cristo e aceitámos esta caminhada de renovação contínua do coração.

2. Segundo a mensagem do Profeta, este voltar o coração para Deus é feito com “jejuns, lágrimas e lamentações”. “Tocai trombetas em Sião, ordenai um jejum!”. O regresso a Deus é um caminho de penitentes. Esta mesma exigência mantém-se na pedagogia da Quaresma.
Por detrás da exigência da penitência está a realidade do pecado, que é complexa e subtil. Regressamos a Deus vindos de muito longe, daquele afastamento da intimidade com o Senhor a que nos conduziram os nossos sentimentos, as escolhas da nossa vontade, as opções do nosso coração. Sofrer na carne sublinha o contraste entre a santidade de Deus e o nosso pecado. “Rasgai o vosso coração e não as vossas vestes”. A penitência ajuda-nos a compreender como é despojado o caminho do amor e exigente a intimidade com Deus. Somos chamados, é certo, a participar na comunhão divina com todo o nosso ser, espírito e corpo; todos os dinamismos da nossa natureza podem ser convertidos em força do amor de Deus. Mas também é certo que, para isso, a exaltação da nossa natureza precisa de ser reconduzida à humildade, para não se tornar obstáculo no caminho da caridade.
A penitência, enquanto mortificação dos sentidos, é participação na paixão de Cristo. “Ele que não conhecera o pecado, Deus identificou-O com o pecado por amor de nós, para que em Cristo, nos tornássemos justos aos olhos de Deus”. A penitência do cristão tem uma dupla dimensão: unir-se ao sofrimento de Cristo, que dá ao meu sofrimento a capacidade de me redimir; participar na fecundidade do seu sofrimento inocente, que merece aos pecadores a graça de encetarem o caminho da redenção. Se em Adão somos pecadores, precisando de sofrer pelos nossos pecados, em Cristo participamos de uma inocência recuperada, na vida nova segundo o Espírito, e podemos merecer para os outros a redenção. O mistério da Cruz, agora participado por nós, continua a ser o único sinal de uma esperança verdadeira, levantado perante as nações.

3. A penitência, porque é um caminho de humildade, ajuda-nos a viver a gratuidade da salvação. Purifica tudo o que são critérios mundanos: o parecer bem, o dar nas vistas, o gostar de ser considerado ou elogiado. A penitência coloca-nos despojados perante Deus, à única razão de ser e a única recompensa. Numa sociedade inebriada de vaidades, retalhada por dissenções, magoada por egoísmos e violências, esta humildade silenciosa de quem busca o amor com os olhos postos apenas em Deus, pode ser portadora de uma fecundidade salvífica que escapa às nossas análises. Durante a Quaresma sejamos esse povo humilde e penitente, que merece para a nossa sociedade a graça da conversão.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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