paroquias.org
 

Notícias






O Preço Que a Igreja Teve de Pagar para Ser Aceite Socialmente Foi Deixar de Ser Alternativa
2002-02-04 21:27:39

Defende que o catolicismo tem que ser, na Galiza, profundamente galego, assumindo a cultura daquela nação espanhola, na tradição dos grandes vultos locais: Daniel Castelao, Otero Pedrayo, Vicente Risco, Ramon Cabanillas ou Rosalia de Castro, entre outros.

Convidado pelo movimento Nós Somos Igreja, Victorino Pérez Prieto, 47 anos, padre desde 1981, teólogo galego, esteve na passada semana em Lisboa, e diz que a reforma da Igreja se deve fazer em cinco âmbitos: regresso a Jesus Cristo, uma comunidade de iguais, os pobres no centro, atenção à ecologia e à criação, diálogo ecuménico e inter-religioso.

PÚBLICO - A Igreja Católica tem futuro?
VICTORINO PEREZ PRIETO - Sim, porque o tesouro que ela guarda é muito valioso e não pode morrer. Mas é um futuro condicional, na medida em que se dê nela uma profunda transformação, que desmorone a estrutura piramidal autoritária. Isso é o que mais impede que a Igreja responda ao mundo moderno. É impossível um ecumenismo que reuna todas as igrejas cristãs, enquanto a Igreja Católica defender a estrutura piramidal.

P. - Qual é a alternativa?
R. - Para que a Igreja se renove, tem que voltar ao seu fundamento: Jesus Cristo. O cristianismo perdeu a perspectiva de uma religião centrada no seguimento de Cristo e não na autoridade. Com o tempo, a Igreja foi-se convertendo numa religião mais, que alimentava o sentimento religioso natural, esquecendo a personalização da fé e passando a ser governada por uma elite.

P. - Quer dizer que o cristianismo deve assumir-se mais como proposta de vida do que como código normativo?
R. - Sim, mesmo como proposta alternativa. O preço que a Igreja teve que pagar para ser aceite socialmente, mesmo nas estruturas de poder, foi deixar de ser alternativa. Jesus foi alternativa à sua sociedade e por isso o mataram. Se me encontro com Jesus Cristo, faço o compromisso de transformação desta sociedade - que, apesar de dois mil anos de cristianismo, continua a ser profundamente anti-cristã.

O segundo ponto dessa Igreja do futuro é ir caminhando para uma Igreja de iguais. Isto significa que o fundamental não é ser leigo, padre ou freira, mas o que se recebeu no baptismo, que me dá a identidade como membro da Igreja.

P. - É um modelo circular, por oposição à pirâmide?
R. - A Igreja do futuro é um círculo em que todas as pessoas tomam parte. O centro é Jesus Cristo e as pessoas têm distintas funções. A Igreja precisa de autoridade, de gente mais dedicada. Mas isso não deve significar superioridade, menos ainda se for marcada pelo factor do sexo: as mulheres estão impedidas de aceder ao ministério [do sacerdócio] e, assim, não podem ser padres, bispos. E, portanto, nunca poderão ser papa. As mulheres que hoje aspiram a aceder ao ministério não querem mandar no lugar dos homens, mas contribuir com a sua riqueza.

P. - Na actual estrutura da Igreja, qual é o maior obstáculo a essa comunidade de iguais?
R. - É algo que supera o concreto. É a concepção hierárquica-autoritária. Até o próprio Papa está preso dessa concepção. E a Cúria Romana também. Na medida em que esse poder se vai enclausurando nos muros vaticanos e tem menos capacidade de escutar, vai-se fazendo mais duro.

P. - Essa concepção explica as últimas afirmações do Papa sobre o divórcio?
R. - Além de serem declarações muito infelizes, são inúteis, porque o divórcio é algo assumido nas sociedades democráticas. Uma coisa é a concepção ideal do matrimónio cristão - na qual eu e o Papa coincidiremos: a fidelidade no casal. Quando vem um casal ter comigo para se casar, é o ideal que lhe proponho. E se não é capaz de assumir esse ideal, digo que não se case pela Igreja. Hoje, a estabilidade matrimonial é muito mais difícil que noutros tempos e a Igreja não considera isso suficientemente. A realidade concreta é que os casamentos se rompem. E há que dar-lhes possibilidade de continuar a existir, para continuar a viver e amar, participando na vida da comunidade.

O actual cardeal [Walter Kasper], foi dos que apostou em dar uma saída aos divorciados que se voltam a casar e continuam a considerar-se católicos. Não se pode dizer que estão em pecado até à morte, negando-lhes os sacramentos. Isso não é a atitude de uma mãe com os seus filhos.

P. - Propõe uma Igreja voltada para os pobres, mas esse discurso toda a gente hoje o faz. O que significa na prática?
R. - Não é uma questão social, é mais: é uma questão teológica. Quando perguntam a Cristo se é o Messias, ele diz que os pobres são evangelizados. O evangelho é boa nova para os pobres e para os que, com eles, reconhecem a sua pobreza e querem caminhar no seguimento de Jesus. Ele estava convencido que os pobres seriam os primeiros que o acolheriam e à revolução que ele trazia. Além disso, a imensa maioria da humanidade, 80 por cento, está em situação de pobreza. Se a Igreja quer ser verdadeiramente católica, tem que fazer uma aposta radical pelos pobres e convertê-los em lugar teológico central. A Igreja encontrará mais Jesus entre os pobres que nos dogmas e na teologia.

Fonte Público

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia