paroquias.org
 

Notícias






IGREJA: MULHERES SANTAS E MALDITAS
2003-10-20 08:01:51

E se as mulheres deixassem de ir à Igreja? A interrogação de resposta fácil mostra que o papel secundário é o suporte da instituição. Afinal, muitas mulheres foram malditas no seu tempo, para depois serem santas.

‘Os doze (apóstolos) acompanhavam-No, assim como algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e doenças. Entre elas, estava Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demónios...’. Este é excerto de uma citação de Lucas, um dos quatro evangelhos. Nela, é destacado o nome de Maria Madalena, uma das personagens mais enigmáticas do Novo Testamento e aquela cuja presença é muito notada nas passagens mais marcantes da vida de Cristo, entre elas a Ressurreição. Não é fácil traçar-lhe um perfil. “Maria Madalena pode ser comparada a um saco azul, onde foram colocadas uma série de coisas”, avança Paulo Pinto, professor de História e Fenomenologia das Religiões na Universidade Lusófona de Lisboa.

E explica: “É uma das mulheres ligadas à Igreja mais difíceis de se falar porque é aquela figura que entra mais a fundo no mundo teológico e na fundação da própria crença”. Longe do que viria a ser um cânon da posição da mulher na Igreja, sabe-se que Maria Madalena ocupou um lugar de grande proximidade a Jesus. Foi sua discípula e amo-O acima de tudo. No entanto, a imagem que foi sendo formada de si através dos tempos, foi a de uma mulher pecadora, purificada por Cristo. “Como se costuma dizer, é uma Madalena arrependida. No fundo, uma prostituta que se redime”, acrescenta o professor que considera Maria Madalena o exemplo perfeito de que “todo o pecado pode ser limpo”. Curiosamente, ainda hoje, “se se fizer uma pesquisa de Maria Madalena pela Internet, aparecem-nos páginas eróticas e de pornografia”, nota o especialista.

ACÓLITAS DE FORA

“A presença e o papel da mulher na vida e na missão da Igreja, mesmo não estando ligados ao sacerdócio ministerial, permanecem absolutamente necessários e insubstituíveis”, diz a carta apostólica ‘ordinatio sacerdotalis’ escrita pelo Papa João Paulo II (1994).

Apesar de secundário, a mulher sempre teve um papel importante na Igreja. Reza a história que elas foram as ‘enviadas’ a formar o primeiro núcleo do que hoje, chamamos Igreja, ou seja, elas foram ‘mandatadas’ para congregar, em nome de Jesus, os discípulos e amigos mais dispersos.

No entanto, o facto de, entre outros cargos, não lhes ser permitida a ocupação do lugar hierárquico na Igreja tem suscitado grande polémica. Mais ainda agora, que o Vaticano volta a estar em foco devido a um documento que, segundo o jornal católico italiano ‘Jesus’, será divulgado até ao fim do ano ou no início de 2004 e que, entre outras coisas, visa proibir que as meninas de coro acolitem as missas, voltando-se a discutir a eterna questão do papel das mulheres na Igreja. Confrontado com o facto, D. Jorge Ortiga, o arcebispo primaz de Braga, afirmou que a notícia “eferma certamente de erros” e que não acha possível que “o Santo Padre avance com esse tipo de proibições, quando foi ele próprio a autorizar um série de inovações na celebração da eucaristia, entre os quais o fim da distinção entre homens e mulheres”.

DESAFIAR A IGREJA

Maria Julieta, religiosa do Sagrado Coração de Maria, debruça-se há vinte anos sobre o papel da mulher na Igreja e, concluindo as quarenta páginas de um caderno da sua autoria, intitulado ‘A Mulher na Igreja’, transmite a ideia: “As primeiras luzes, os primeiros gestos, as primeiras palavras de conversão que deram origem à Igreja brotaram de mulheres. Antes do tempo da institucionalização da Igreja, houve o tempo das matriarcas cristãs e a história da Igreja não ficará completa se não se falar delas, se não se fizer ‘memória delas’ (Mt 26, 13)”. Feminista, Maria Julieta lança o desafio: “Era interessante se, durante um mês, as mulheres não colocassem os pés na Igreja. Era a única forma de fazermos ver a nossa importância e a Igreja, por seu turno, via-se ‘obrigada’ a alterar a sua posição”. Mas esta Irmã não é a primeira e muito menos a última mulher capaz de desafiar a Igreja.

Ao longo dos tempos, houve personagens históricas que conseguiram transpor as rígidas regras cristãs e, algumas mesmo depois de condenadas, acabaram por se tornar Santas. Já se falou de Maria Madalena, mas a Papisa Joana, Joana D’Arc e Teresa D’Ávila também são alguns exemplos disso. “Elas têm em comum o facto de terem sido em algum momento da história, mulheres malditas no seio da Igreja”, afirma Paulo Pinto.

A LENDA DA CADEIRA

Diversos textos da Idade Média falam de Joana, uma mulher que contrariando todas as leis, teria ocupado o cargo máximo da Igreja Católica - terá sido Papa por volta de 825. “Como é que uma mulher pode ter sido Papa? A resposta encontra-se no campo do mito, tal como as medidas de segurança que passam a ser tidas”, explica o Paulo Pinto, contando que a partir daí se passou a falar da suposta existência de “uma cadeira com um buraco, no qual o Papa se sentava e alguém punha pelo buraco a mão para ver se estavam lá as ferramentas.”

Natural de Mainz, na Alemanha, quando adulta, Joana disfarçou-se de homem e adoptou o nome de Johannes Angelicus. Em virtude da sua inteligência, foi eleita Papa. Pouco depois, engravidou e, durante uma procissão, deu à luz. Foi amarrada a um cavalo, arrastada para fora de Roma e apedrejada até à morte. “Este mito mostra bem os medos da Instituição Papal. Isso, a nível de significado simbólico é até quase mais importante do que a veracidade quanto à existência da Papisa Joana. Faz-nos questionar sobre quais seriam esses medos para que se criasse um mito”, atira o professor.

MARTÍRES E HEROÍNAS

Mártir francesa canonizada em 1920, Joana D’Arc foi a heroína da Guerra dos Cem Anos, que ajudou a libertar a França do domínio inglês. Nasce em Domrémy e, aos 13 anos, afirma ouvir vozes divinas pedirem-lhe que salvasse a França. É presa em 23 de Maio de 1430 e entregue aos ingleses que a acusam de bruxarias. Submetida a um tribunal católico em Rouen, é condenada à morte depois de meses a fio em julgamento. Passado um ano, é queimada viva, com 19 anos. A revisão de seu processo começa a partir de 1456 e a Igreja Católica beatifica-a em 1909. Em 1920, é declarada Santa. “No final do século XIV, assistimos na Europa a um movimento em que muitas mulheres passam a heroínas. Em Portugal, temos a Padeira de Aljubarrota".

Teresa D´Ávila é outra personagem interessante porque a sua figura se impõe à aceitação pela Igreja. “Ao longo do século XIII até ao XVI surgem uma data de personagens femininas que afirmam ter contactos com Jesus. E, sendo profetas, isto é, dizendo aquilo que Jesus lhes diz para dizer, podem confrontar a Igreja e o Mundo”, avança Paulo Pinto. Teresa nasceu em Ávila, a 28 de Março de 1515. Aos vinte anos, ingressou no Carmelo de Ávila. Espanhola, de família nobre, foi uma mulher que lutou contra as suas contradições internas, contra as mentiras e hipocrisias de uma vida espiritual vazia. Santa Teresa ocupa um lugar especial dentro da mística cristã; é considerada um dos grandes mestres espirituais que a história da Igreja já conheceu.

FENÓMENO CATÓLICO

Pulos, assobios, danças e palmas. Na opinião de muitos, mais não são do que excessos que prejudicam a compreensão do evangelho de Cristo. A Igreja Católica, viu surgir nos EUA, em 1970, o Movimento de Renovação Carismática. Não demorou muito para que este chegasse aos quatro cantos do mundo. Por exemplo, o padre Marcelo Rossi, ícone da Igreja Católica no Brasil, transforma as suas pregações em verdadeiros ‘shows’ de música, chegando a reunir, por mês, meio milhão de fiéis nas suas missas. Aliás, este movimento veio aquecer a fé católica, principalmente a dos jovens. Se se acabar com isso (tal como publicou a revista católica ‘Jesus’), como será o cenário da Igreja num futuro próximo? “A excepção não são as igrejas onde não se dança, mas sim aquelas onde não se dança”, afirma Paulo Pinto.

Segundo o professor, neste momento, o cristianismo católico até já nem “tem uma matriz cultural europeia”. E exemplifica: “O corpo de cardeais que vão eleger o próximo Papa são maioritariamente asiáticos, africanos e sul-americanos, culturas em que é impensável falar-se numa eucaristia sem música e palmas”.

A FILHA DO PAPA

“Dissoluta, conhecedora de venenos, bacante, assassina, incestuosa, acusada de todas as infâmias ( )”. É desta forma que a autora Geneviève Chastenet inicia o seu livro, que mais não é do que uma aprofundada biografia, intitulado ‘Lucrécia Bórgia’, o nome daquela que foi uma das mais lendárias mulheres da História. Nasceu em 1480 em Roma. O seu ponto de contacto com a Igreja passa simplesmente pelo facto de ter sido filha do Cardeal Rodrigo Borgia, futuro Papa Alexandre VI. Em toda a sua vida, foi estrategicamente utilizada pelo seu pai de maneira a aumentar o seu poder e o da sua família, considerada a mais corrupta de toda a história. “À volta dos Bórgia, por uma estruturação do poder, verifica-se que se pode ir ao limite. Mas isto não é mais do que aquilo que todos os monarcas europeus faziam nos finais da Idade Média”, explica Paulo Pinto.

Lucrécia Bórgia casou três vezes, teve um filho que se suspeita ter sido do seu próprio pai ou mesmo de seu irmão, César. Em 1519, depois do nascimento do seu quinto filho, morre. “Lucrécia Bórgia não foi a única filha de Papa na história do Papado. É, eventualmente, uma das que mais deu nas vistas e uma das últimas dentro de um paradigma em que o sacerdócio do papado não estava estruturado como veio a ficar nos cinco séculos seguintes. Neste momento era impensável isso acontecer”, remata o especialista.

Janete Frazão

Fonte CM

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia