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Ir. Alois: Taizé sem medo do futuro
2009-09-08 23:07:47

A comunidade religiosa de Taizé surgiu em 1940, no contexto da II Guerra Mundial. O Irmão Roger, fundador da comunidade, deu início a uma «parábola de comunhão», com o objectivo de ser um sinal ecuménico no meio da divisão entre cristãos. Este sinal tem procurado levar a diferentes países e continentes a «Peregrinação de Confiança na Terra» que pretende gerar um compromisso dos jovens com as suas paróquias e comunidades locais.

O Irmão Roger foi morto, em 2005, durante a oração da noite, na igreja da Reconciliação, em Taizé. Designado oito anos antes pelo fundador, o Irmão Alois é o actual Prior da Comunidade de Taizé.

A entrevista da Agência ECCLESIA ao Irmão Alois decorre no antigo quarto do Irmão Roger, na casa comprada pelo fundador em 1940. É neste simples quarto, de paredes cor-de-rosa, inundado pela paisagem das colinas da Borgonha que entram pelas janelas, que o actual Prior de Taizé recebe e conversa com as pessoas.

É um quarto ainda habitado pela presença do Irmão Roger, onde os livros ao lado da cama ou em cima da mesa parecem continuamente desfolhados. É na simplicidade, acompanhados de sumo de uva e biscoitos, que decorre a entrevista, antes da oração do meio dia.

O Irmão Alois é um homem de paz. O seu discurso é sereno. Cada palavra é pronunciada calmamente. A expressão do olhar, de um azul intenso e transparente, mostra o mundo que tem dentro. As rugas marcam-lhe o rosto que à distância não se percebem. «Não sei falar português», afirma num português perfeitamente compreensível, mas logo acrescenta serem quase as únicas palavras que sabe dizer em português.


Na carta do Quénia que o Irmão Alois escreveu (em 2008), afirma que Deus perturba a nossa vida e faz-nos mudar de planos. Ele perturbou-o?

Sim, já muitas vezes. Eu estive no Quénia, pela primeira vez, em 1978, com o Irmão Roger. E isso foi muito perturbador para mim. Na altura não estávamos num grande encontro com a juventude. Vivíamos numa zona muito pobre e isso foi difícil. Mas foi muito importante passar por essa experiência, juntamente com o Irmão Roger, em Nairobi.

Tocar realmente a pobreza e fazer a experiência. Mas eu não tenho uma resposta para isso. Eu sou um monge e posso voltar para a Europa. Muitas pessoas gostariam de vir para a Europa e sonhar com uma vida mais fácil, mas vivem na pobreza e a sua situação é muito mais difícil.

Esta foi uma experiência que me perturbou muito e pela qual eu estou muito agradecido. A maioria das pessoas vive sem o necessário para a sua vida diária. Isso continua a ser uma interrogação que não podemos simplesmente esquecer.

Deus também o perturbou quando, no início dos anos 70, veio a Taizé pela primeira vez?

Eu diria antes que ele me abriu para uma experiência maior de Igreja. E nesse sentido, também foi perturbador, sim. Eu tinha uma ideia muito pequena e estreita da Igreja, marcada apenas pelo meu país, apenas pelas minhas concepções, pela minha Igreja. Aqui eu fiz uma experiência enquanto católico. «O que é que isso significa de ser católico?» Esta concepção tornou-se universal.

O Irmão Roger escreveu que, a nível espiritual, a pessoa que mais o influenciou foi a mãe. E para si?

Penso que foi de facto o Irmão Roger. Fui marcado pela forma como vivemos juntos, pela sua maneira de ser. Ele tinha uma bondade profunda, muito humana. Mas ao mesmo tempo uma impaciência. O Irmão Roger era muito paciente com várias situações que não eram perfeitas. Mas, por outro lado, quando ele sentia que havia algo urgente a fazer, ele tornava-se impaciente até ver isso concretizado.

A vida do Irmão Roger foi uma vida inteiramente inspirada pelo Espírito Santo.

O Irmão Alois já referiu que o Irmão Roger não lhe deixou directivas para ser Prior da comunidade. Mas disse que, para um Prior ou qualquer um dos irmãos, o discernimento, o espírito de misericórdia e uma inesgotável bondade, era o mais importante. Como tem procurado viver esta directiva do Irmão Roger?

O mais importante é que estas indicações que o Irmão Roger deixou não se conseguem sozinho. Eu não o tenho feito sozinho. É muito bonito perceber que eu e todos os irmãos fazemos algo em conjunto.

É claro que eu tenho uma responsabilidade na comunidade, mas é partilhada com todos os restantes irmãos. E isso é muito bom.

Os últimos anos do Irmão Roger, quando ele estava muito velho e quando não podia fazer muitas coisas, nós percebemos agora que estes anos foram anos de preparação para a comunidade. Na altura não o sabíamos, mas agora vemos como estes anos foram um tempo de preparação.


O Irmão Roger está ainda muito presente entre os irmãos?

Sim, bastante. E principalmente, na forma como nós estamos juntos. Mesmo quando era mais velho, ele não falava muito, mas a sua presença entre nós, reflectia a forma como deveríamos estar juntos. E isso continua e estamos muito felizes por isso.

E entre as pessoas que chegam à comunidade?

Para os mais novos é agora diferente. Há muitos jovens que chegam à comunidade que nunca o conheceram. Mas eu penso que eles sentem a herança. O que é bonito é perceber que, depois de quatro anos, o Irmão Roger não apontou para si próprio, como o centro do que se passava em Taizé mas, como João Baptista, apontou para Cristo e para a presença de Deus.

Actualmente, com todos os jovens que continuam a chegar a Taizé, nós vemos que isto é verdade.

Ele deixou um testamento espiritual?

Através de toda a sua vida, não por palavras. É incrível que no último dia da sua vida ele falou com um irmão, aqui no seu quarto, e disse que a nossa comunidade poderia alargar. Mas ele estava tão cansado que não acabou a frase.

Ficamos com esta palavra, alargar, «élargir» (diz a palavra em francês). E isto continua a ser importante. Continua presente no nosso coração.

Muitas vezes deparamo-nos com o medo. O medo do futuro, dos outros, de não sermos o que deveríamos. Este medo torna-nos estreitos. E precisamos prestar atenção, não para termos medo, mas para nos abrirmos.

«Não podemos viver como antigamente»

O Irmão Roger disse que os irmãos de Taizé não são mestres espirituais, apenas homens que ouvem. Mas a juventude precisa de ser ouvida ou guiada espiritualmente?

Algo está a mudar sobre esta questão. É verdade que cada vez mais pessoas, mesmo dentro da Igreja, querem um guia. E isso é bom e é importante que o façamos. Mas penso que o mais importante continua a ser ouvir. Primeiro ouvir e tentar perceber a pessoa, ajudando-a a tomar uma decisão livre.

Não podemos viver como antigamente na Igreja. Não é possível dizer às pessoas como viver, como se comportar e em que acreditar. Não podemos voltar atrás. Temos de ousar dizer aos jovens «és livre, por isso toma uma decisão livre».

Eles apenas poderão usar bem a sua liberdade se sentirem que os ouvimos, que os entendemos.

É por isso que se rodeia de jovens e de crianças?

Sim. Também na Igreja, quando estamos nas orações, entre jovens e crianças, que aparecem tal como acontecia com o Irmão Roger.

Dois dias depois da morte do Irmão Roger, uma criança, que estava ao seu lado na hora em que ele foi morto, veio ter comigo. Este foi um sinal que as crianças querem continuar a estar ali.

O que diz às crianças que se sentam a seu lado?

É muito ternurento. Eu pergunto-lhes o nome e por vezes pergunto-lhes por quem devemos rezar. E recebo lindas respostas. Pedem, por vezes, para rezarmos por alguém da sua família, outras pedem-me para rezar por Jesus. Significa que elas querem agradecer a Jesus tudo o que ele fez e continua a fazer. Não foi só há dois mil anos atrás, ele continua a carregar o sofrimento do mundo.

No final da oração da noite, juntam-se várias pessoas para falar consigo. O que procuram as pessoas?

Há muitos outros irmãos que ficam na igreja a falar. Eu não falo durante muito tempo com as pessoas. Posso simplesmente fazer uma cruz na sua testa, tal como os pais faziam, antigamente, aos seus filhos.

A estes jovens que aqui vêm, se eu apenas fizer a cruz na sua testa, eles farão isso aos seus filhos.

O que é que em poucos minutos de conversa pode fazer a diferença?

É simplesmente um momento de oração. Estamos em frente de Deus e, juntos, somos chamados a transmitir o amor de Deus. Para isso por vezes precisamos de uma longa conversa. Outras, pode simplesmente acontecer na nossa vida diária, um sinal muito pequeno que transmita o amor de Deus. Isso não precisa de muito tempo.

Os irmãos recusam afirmar a existência de um movimento em torno de Taizé. Pedem às pessoas que chegam a Taizé que voltem para as suas igrejas locais e ai trabalhem e rezem. Mas o que aqui se passa não pode ser negado, toca as pessoas...

Sim, nós vemos isso. É muito bonito e estamos espantados com tudo o que se passa. Nós somos testemunhas do que, semana após semana, as pessoas descobrem aqui. Não somos os autores, somos testemunhas do que vem acontecendo há anos e que continua.

Mas é algo que tem de continuar na vida diária. E isso não continua se apenas pensarmos em como foi bonito o que se viveu em Taizé, mas descobrindo a presença de Deus na vida diária.

Deus está presente em tudo o que se faz, não apenas nos momentos espirituais, mas no estudo, na vida familiar também. É importante encontrar apoio nas comunidades locais para continuar a procurar pela presença de Deus na vida diária e não apenas recordar uma viagem a Taizé.

Mas pode ser continuado por experiências em Taizé?

Nós precisamos de momentos excepcionais, de peregrinações. Em Portugal, vocês têm o Santuário de Fátima, que junta jovens e adultos numa oração conjunta. Estes momentos de peregrinação são importantes. Mas temos de descobrir onde é que Deus espera por mim na vida diária.

Digo aos jovens: «Deus espera-te em casa. Deixa Taizé, mas descobre onde Deus te espera em casa».

Viver na simplicidade

A comunidade de irmãos de Taizé pede uma contribuição económica a cada participante, consoante a situação de cada país. No caso de Portugal, pede entre 5 e 7 euros por dia. Como se pode viver com 7 por dia, quando na sociedade o dinheiro parece nunca chegar?

É verdade que tentamos que a contribuição monetária das pessoas que vêm a Taizé sejam a mínima possível para que quem queira, possa vir e participar. Por exemplo, as pessoas que vêm da Europa de Leste, da Ucrânia e dos países bálticos, que enfrentam dificuldades, dão menos ainda. Quando as pessoas dizem que podem dar mais, nós aceitamos.

É verdade que por vezes temos dificuldades. Mas nós conseguimos organizar os encontros de uma forma muito simples.

Mas isso é um sinal para as pessoas que aqui vêm? É possível viver de forma simples...

Sim, é verdade, é um sinal de que podemos viver com simplicidade. E isso agrada-nos, porque a simplicidade junta as pessoas. Não há empregados para tratar das coisas e, por isso, todos têm de ajudar e contribuir para o bem da comunidade, de forma natural e bonita.

A sociedade depara-se com uma crise económica e financeira a nível internacional. Mas dentro da comunidade, essa crise parece não influenciar o dia-a-dia. Como é que isso é possível?

Não é visível de forma imediata. Mas eu falo com muitos jovens e famílias que vivem em dificuldades. Vários jovens que não encontram um trabalho. Estes relatos são um peso que jovens e menos jovens trazem a Taizé. Não experimentamos ainda a crise no plano económico, mas percebemo-la nas situações que as pessoas testemunham e com as quais lidam.

As pessoas de diferentes países que chegam a Taizé precisam de diferentes mensagens?

As pessoas que nos chegam de África lidam com situações muito diferentes. Chegam-nos jovens de diferentes continentes, para experiências de dois ou três meses, que são preparadas pelas suas igrejas locais. As diferentes economias, mentalidades e também tradições na vida eclesial, mostram o quão diferentes as pessoas são. Precisamos de prestar muita atenção e ouvirmo-nos mutuamente.

África pode dizer que a Europa não os ouve.

Eles sentem isso?

Sim. Por isso estamos muito certos de todas as iniciativas. No encontro de Lisboa (em Dezembro de 2004), descobri que há muitas propostas para os jovens irem em missão para África. Isto é muito bonito e muito forte em Portugal, mais do que em França. Precisamos mais destas iniciativas de nos ouvirmos mutuamente.

O Papa Bento XVI escreveu na sua última encíclica “Caritas in Veritate» que a globalização torna os homens vizinhos, mas não os faz irmãos.

Está muito bem dito e é isso mesmo que nós experienciamos aqui na comunidade.

O que é preciso para fazer diferente?

Acredito que em Taizé, o facto de nos juntarmos três vezes por dia na igreja, cria uma enorme diferença. Mostra que somos uma comunidade, que pertencemos uns aos outros, que somos responsáveis uns pelos outros.

Fonte Ecclesia

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