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Toda a prioridade às Crianças
2008-11-17 22:20:22

Conferência Episcopal Portuguesa recomenta que exista, em cada paróquia, um grupo de acção social para as crianças desprotegidas.

Os Bispos de Portugal dirigem-se a todas as pessoas e organismos dedicados ao acolhimento de crianças feridas no seu desenvolvimento, regra geral em virtude de diversas formas de desestruturação do núcleo humanizador da família.

1. A acção da Igreja em relação às crianças remonta às primeiras comunidades cristãs e teve diversa evolução, determinada pelos imperativos de cada época. As crianças órfãs, as portadoras de deficiência, as maltratadas, vítimas de outras limitações graves ou sujeitas a tráfico, foram destinatárias de cuidados específicos. Estes cuidados revestiram-se dos aspectos positivos e negativos próprios de cada situação e do grau de avanço das ciências e práticas da educação, da acção social e da própria teologia. Em qualquer caso, as comunidades tiveram sempre o condão de estar atentas às realidades e direitos das crianças, mesmo quando estes não se encontravam definidos. Dir-se-á que as instituições e práticas da Igreja acompanharam as da própria instituição familiar e da sociedade, no seu todo, com momentos altos e baixos.

Quando falha o lugar essencial da família no desenvolvimento da pessoa humana, a sociedade é chamada a socorrer e amparar a missão das famílias. Em muitos casos, vê-se obrigada, dada a insistente incapacidade e situação de perigo, a encontrar instituições alternativas. Nelas procura manter características similares à família: no ambiente, carinho, disciplina e demais atitudes educativas, recomendadas pela visão actual das ciências humanas.

A opção de casais cristãos pela adopção de crianças, não obstante a problemática recente, merece incentivo e reflexão que contudo não se integra no objectivo desta nota. Queremos, no entanto, sublinhar que adoptar uma criança não deve ser considerado um direito de ninguém, mas antes um serviço a uma criança necessitada. Em qualquer caso de adopção, o prioritário é o maior bem da criança e não propriamente o da família que a deseja adoptar. Valorizamos esses factos como sintoma de que hoje se solidificou a consciência colectiva de deveres complementares: das famílias, do Estado, das comunidades locais e da escola. Só assim se garantem os direitos de gente vulnerável e débil.

Por simples constatação, pode afirmar-se que a Igreja precedeu o Estado neste domínio, não só porque ela precedeu o Estado social, mas também porque influenciou os poderes políticos ao longo da história e, sobretudo, porque esta linha de acção resulta da sua própria natureza. Limitando-nos ao último século, importa recordar que as realidades institucionais designadas hoje por «creche» e «pré-escolar» tiveram um dos seus inícios em internatos de congregações religiosas e em centros sociais paroquiais (com esta ou outra designação); os centros começaram por prestar serviços que, apesar da sua modéstia, representaram avanços consideráveis na acção social de proximidade. Gradualmente, passaram a receber apoios do Estado; primeiro, de maneira pontual e, depois, regularmente, até se chegar à fase contratual em que hoje nos encontramos.

2. Ao declarar o nosso grande apreço pelas instituições eclesiais dedicadas ao acolhimento e educação de crianças - sejam de âmbito paroquial, de institutos religiosos ou iniciativas de grupos e movimentos cristãos -, consideramos fundamental para a sua identidade a clarificação do adequado ideário. Nele se garante a qualificação e se estabelecem os objectivos, os meios, os limites que devem ser concretizados na necessária regulamentação. Esses instrumentos normativos evitarão muitas confusões e prevenirão problemas, por exemplo, os relativos aos critérios de admissão, ao manifestar a orientação por um humanismo integral, capaz de garantir a formação espiritual e religiosa das crianças confiadas às instituições. Esse regulamento traçará o modo de relacionamento seja entre a direcção institucional e a técnica, seja entre as diferentes funções; estabelecerá os níveis de qualificação e de hierarquização, bem como a participação interna. É necessário que, também no ideário e regulamento, esteja prevista a obrigação da formação permanente do pessoal.

3. Não faltaram desentendimentos entre as instituições sociais da Igreja, o Estado, outras forças políticas e alguns movimentos de opinião. Consideramo-los como parte integrante das mudanças sociais, no esforço de contribuir para que tudo redunde em favor do bem-estar das crianças e da justiça social. No que respeita ao financiamento das instituições, importa deixar bem claro que os apoios públicos são complementados, normalmente, por outros recursos provenientes em geral das comunidades cristãs. Além disso - e reconhecendo embora um ou outro desvio -, as instituições sabem que esses apoios constituem direitos das crianças, não estando prioritariamente ao serviço da viabilidade das próprias instituições.

Deve reconhecer-se ainda que, apesar de algumas excepções resultantes da imperfeição humana, a Igreja não se tem colocado na posição de concorrente com o Estado nem com outras entidades, mas sim na de preenchimento de lacunas, de complementaridade e de pioneirismo na acção sócio-educativa, vinculada sempre à sua missão específica. Tal missão é diferente da do Estado, mas ambas convergem na prossecução do bem comum. O facto de o bem comum e de o objectivo final terem conteúdos diferentes, para a Igreja e para o Estado, não dispensa o imperativo da cooperação; pelo contrário, até o acentua para salvaguarda do «desenvolvimento integral» de todas as pessoas. Tal cooperação, relativamente às crianças, deve traduzir-se na preocupação de que nenhuma fique excluída dos cuidados necessários, ainda que estes sejam, por vezes, menos perfeitos ou provisórios.

4. Reiteramos, com toda a convicção, estes princípios já consolidados pela experiência e recomendamos vivamente um esforço sistemático em ordem ao seu aprofundamento e actualização. À luz deles, será fundamental que, na fidelidade ao Mestre Jesus, as instituições eclesiais sejam espaços abertos, dispostos a acolher a regulação político-social, sem pretexto de uma suposta superioridade. Contudo, seria grave que as comunidades cristãs se alheassem dos problemas sociais e que não prestassem o seu contributo específico para que as soluções sejam adequadas e não excluam nenhuma criança. A todas se proporcione um desenvolvimento que respeite os vários níveis de vida: físico, psíquico, espiritual, moral e social.

5. As questões da estatização e da municipalização aparecem, de maneira recorrente, na sociedade portuguesa, ligadas à procura de soluções para os problemas sócio-educativos: nuns casos, porque se desenham orientações políticas nesse sentido; e noutros, por deficiente interpretação das orientações anunciadas ou previsíveis. Devemos deixar bem claro que, à luz da Doutrina Social da Igreja (DSI), as posições a tomar perante aquelas questões não se podem basear, fundamentalmente, na defesa dos direitos das instituições, embora eles devam ser reconhecidos; baseiam-se, sim, no objectivo de prossecução do bem comum de todos os cidadãos e, especialmente, das crianças.

A subsidiariedade, indissociável da solidariedade e da justiça, é um princípio estruturante dessa doutrina porque implica, em simultâneo: o reconhecimento efectivo e participativo de todos os centros de iniciativa, a partir da família e das relações de proximidade; o aproveitamento, tendencialmente completo, das capacidades instaladas e dos recursos disponíveis; e também a salvaguarda do princípio da universalidade consagrado na DSI e na Constituição da República Portuguesa. Com efeito, actuando-se nesta base participativa alargada, e com este aproveitamento de capacidades, toda a sociedade fica potencialmente envolvida, e todos os problemas passam a ser considerados. Nessa conformidade, a intervenção do Estado e dos municípios tem a sua função própria, e inalienável, na regulação, na complementaridade e no financiamento equitativo de todo o sistema em causa. Incumbe-lhe garantir que todas as crianças sejam efectivamente respeitadas nos seus direitos e abrangidas pelos serviços necessários, nunca ficando prejudicadas as mais pobres.

A hipótese de a implantação de novos equipamentos sócio-educativos para crianças se efectuar com base na competitividade entre autarquias locais, instituições particulares de solidariedade social, e eventualmente outras entidades, pode trazer sérios inconvenientes; pode, nomeadamente, implicar o não aproveitamento de capacidades instaladas e a criação de relações pouco favoráveis à cooperação e à parceria.

6. As crianças pobres, as desprovidas de enquadramento familiar adequado, bem como as maltratadas, as abandonadas e as desaparecidas - «crianças em risco» - justificam toda a prioridade na nossa solicitude. Nenhuma pode ser abandonada por nós, sobretudo quando faltem respostas adequadas. É altamente recomendável que exista, em cada paróquia, um grupo de acção social, integrando, tanto quanto possível, representantes de todas as zonas e actuando em regime de voluntariado, como é tradicional na Igreja. Embora vocacionado para todos os problemas sociais, o grupo prestaria especial atenção àquelas crianças, diligenciando: sinalizar e acompanhar cada caso; contribuir para que sejam respeitados os direitos das crianças e para que elas tenham acesso aos serviços necessários; prestar as ajudas possíveis; e cooperar com as comissões de protecção de crianças e jovens e com outros serviços que actuem neste domínio. A Cáritas Portuguesa e as Cáritas diocesanas estão particularmente indicadas para o apoio às paróquias e respectivas instituições na criação, no funcionamento e no desenvolvimento destes grupos, e bem assim na qualificação dos voluntários.

7. Sugere-se que, gradualmente, a partir de elementos fornecidos pelos grupos e pelas instituições, se elaborem apuramentos estatísticos periódicos, a nível paroquial, diocesano e nacional, através dos quais as comunidades eclesiais mantenham viva a sua consciência social e assumam dignamente as suas responsabilidades. Tais dados também poderiam contribuir para o melhor conhecimento e aprofundamento dos problemas sociais pelo Estado, pelas autarquias locais e por toda a sociedade.

8. Em boa hora, algumas instituições da Igreja entenderam por bem criar e manter, em articulação com o Estado e com as autarquias locais, centros de acolhimento, com esta ou com outra designação, para as «crianças em risco». Louvamos tais iniciativas, e só não estimulamos a criação incondicional de outras porque a responsabilidade do seu objectivo exige condições de viabilidade que, em muitos casos, não se verificam. Fique bem claro, no entanto, que a actividade pastoral relativamente a estas crianças nunca se pode limitar à cobertura institucional; é absolutamente indispensável que, através dos grupos de acção social e das instituições, todas elas sejam acompanhadas, o melhor possível, independentemente do acesso a respostas institucionais.

9. Recomendamos que as instituições e os grupos de acção social cooperem lealmente com os serviços oficiais, lhes prestem as informações que forem necessárias e participem em acções conjuntas a favor da abrangência de todas as «crianças em risco». Incumbe ao Estado garantir a efectivação dos direitos, e incumbe às instituições e aos grupos de acção social cooperar decididamente para que eles sejam respeitados, com toda a eficiência e eficácia possíveis.

10. Não ignoramos que, nalgumas das nossas instituições, embora raramente, têm ocorrido práticas incorrectas, e sabemos, de igual modo, que muitas têm sido vítimas de difamações. Impõe-se que sejam erradicadas tais situações e que os seus autores, após serem ouvidos, se disponham a assumir as sanções daí resultantes, incluindo as de natureza penal, quando for caso disso; impõe-se igualmente que seja preservada, e até reforçada, a solicitude para com eles e para a sua reabilitação, sem qualquer cedência a comportamentos inquisitórios de segregação. Perante as difamações, é indispensável que todos nós contribuamos para que a verdade seja reposta. E, em todas as situações, é necessário que as instituições saibam conciliar o afecto humano com as exigências técnico-legais, o carisma próprio com a salvaguarda de direitos, e a opção cristã com o sentido de responsabilidade pessoal e colectiva.

11. A Conferência Episcopal, através da sua Comissão Episcopal de Pastoral Social, cuidará de ser ponte entre as situações reais que desrespeitem os direitos das crianças e os órgãos competentes das dioceses. Deverá favorecer a consciência e corresponsabilidade das comunidades cristãs em relação à questão e promover iniciativas tendentes ao esclarecimento dos problemas e à assunção de responsabilidades.


12. Perante as crianças, Jesus não ficou por sentenças de discurso, antes actuou de modo significativo: abraçou, abençoou e impôs as mãos. No seguimento de Cristo, tantas atitudes positivas se geraram: ternura sadia, afecto autêntico, impulso para a autonomia, incentivo à felicidade! Queremos, hoje, continuar a comprometer-nos com a construção de caminhos de esperança. Contra a resignação daremos as mãos no alerta das consciências e na defesa dos direitos da criança. Diante do modo indigno como algumas famílias tratam as crianças indefesas e lhes criam traumas por disfunções várias, queremos continuar a oferecer braços que libertam e recriam o gosto de viver.

Fátima, 13 de Novembro de 2008

Fonte Ecclesia

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