Da Universalidade da Igreja

A cristandade viu, neste século, deslocar-se o centro de gravidade do Ocidente industrializado para a África e a América do Sul. Isto traz sangue novo à fé. É preciso termos isso em conta, diversificar a liturgia e integrar cada tradição no culto universal.

Abbé Pierre - À jornalista da «Vie». Viagem ao Uruguai. Fevereiro de 1994.

Ser Cristão

Ser cristão é acreditar no Todo-Poderoso, extraindo a força para falar aos corações e ganhá-los, no esclarecimento de Jesus menino no presépio de Natal, mais do que na intimidação dos trovões do Sinai.

Abbé Pierre - «Faim et Soif». Dezembro de 1965.

O Anticlericalismo dos Santos

Na véspera da minha ordenação, na encosta de Fourvière, confessei-me ao padre Lubac que tinha acabado de publicar o seu magnífico livro Catholicisme. Ofereceu-mo. Pedi-lhe que escrevesse qualquer coisa. Ele escreveu:

«Amanhã, quando estiveres estendido sobre as lajes da capela para ordenação, fazei apenas um pedido ao Espírito Santo. Pedi-lhe que vos conceda o anticlericalismo dos Santos...»

Eu tentei aproveitar a lição...


Abbé Pierre - Conferência em Lugano.1966.

A Igreja, o Príncipe e o Profeta

Se São Pedro saísse hoje do seu túmulo e visitasse o palácio do Vaticano, ser-lhe-ia necessário algum tempo para se dar conta que era ali que ele vivia quando foram crucificados os primeiros cristãos, quando lhe cortaram a cabeça, na primitiva Igreja. Ontem mártires, alguns dos seus discípulos tornaram-se príncipes.

Abbé Pierre - Em Emaús.1984.


Quem dirá ao príncipe o seu feito se o profeta se lhe torna semelhante?

Abbé Pierre - «Mes images de misére, de bonheur et d'amour».1994.

"Errare Vaticanum est"
ou das consequências da intolerância

Quando o padre Ricci, um jesuíta, chegou à China, foi de tal modo bem recebido na corte imperial, como um sábio, um astrónomo, um homem de fé sem igual, que teria podido converter o país inteiro.

Mandou perguntar ao Vaticano se os ritos familiares que obrigam a que na Ásia se queimem paus de incenso diante das imagens dos parentes desaparecidos deviam ser considerados como um culto idólatra e proibidos àqueles que se queriam tornar cristãos. Não havia, nesse costume, mais idolatria do que quando pomos flores diante da fotografia da nossa mãe.

«Façam desaparecer isso», responderam-lhe.

Se isto não tivesse acontecido, haveria hoje talvez mais mil milhões de cristãos...


Abbé Pierre - Abadia de Saint- Wandrille. Setembro de 1991.

Mentiras bem
contadas acabam virando verdade,
e verdades mal contadas,
acabam em descrédito.


(Sem autor)

Sobre a Contracepção e o Preservativo

Enquanto padre, pertence à minha missão apelar para a perfeição do Evangelho. Enquanto director de consciência, o meu papel é ter em conta a realidade de hoje: quando um nascimento novo corre o risco de pôr em perigo a integridade de um casal que vive, por exemplo, numa habitação já demasiado exígua, que tem dificuldades em resolver o fim do mês e que está envolvido no turbilhão das dificuldades de viver, podemos sem culpabilidade, procurar os meios para uma procriação voluntária.

Abbé Pierre - Esteville. Janeiro de 1995.


Com a SIDA devemos proteger-nos do contágio e preservar os outros. Se pecamos, não devemos acrescentar o crime ao pecado...

Abbé Pierre - Múltiplas intervenções em França. Paris 1993.

Sobre a Homossexualidade

No novo catecismo universal, o parágrafo sobre a homossexualidade começa por:
«Eles são uma quantidade não negligen­ciável».

Esta expressão é abominável! A partir de que quantidade deixamos de ser uma quantidade não negligenciável para os humanos?

Dito isto, partilho o que é clarificado em seguida: o convite ao respeito, à não condenação, à não exclusão.

A homossexualidade, que não é una mas múltipla, que vai da tentação de um momento ao determinismo irresistível, é antes de mais uma realidade. Para a Igreja, é novo reconhecê-lo.


Abbé Pierre - Esteville. Janeiro de 1995.

Do Profeta e da sua Missão

O profeta não é qualquer um que prediz o futuro. Segundo a etimologia grega, é aquele que «fala por», que «fala de frente», que «fala sobre»...
Para bem compreendermos o seu papel, é preciso ter tomado consciência de que o acidente de trabalho normal na profissão é fazer com que lhe cortem a cabeça...

Abbé Pierre - Esteville. 1994.


O profeta é o grande clamor, a voz dos homens sem voz, aquele que se ergue entre um poder cego e uma necessidade muda.

Abbé Pierre - Conferência em Genebra. 1954.


O profeta não tem que se preparar para governar. Ele não é um qualquer dirigente de uma oposição. Ele deve inquietar tanto as oposições como os poderes estabelecidos. É lamentável quando as raras forças de oposição proféticas se tornam políti­cas. Quem dirá ao príncipe o seu feito se o profeta se torna seu semelhante?

Abbé Pierre - «Emmaüs ou Venger l'homme». 1979.

São Francisco de Assis

Da vida de São Francisco de Assis, uma frase determinou a minha vida inteira:
«O Amor não é amado».

Abbé Pierre - Conferência em Puteaux. 1954.


Este século, mais do que nenhum outro, espera o seu São Francisco de Assis para lhe lembrar, em actos, que a vida vale mais do que o dinheiro, e que o amor é dádiva antes de ser empresa. É apenas então que retomarão o seu sentido e se tor­narão realidade as palavras alegria e paz.

Abbé Pierre - «Faim et Soif». Junho de 1955.

A idade de reforma do Papa

Um dia, o Papa pergunta-me: que idade tendes?
— 78 anos — disse-lhe.
— O Papa é mais novo que vós — respondeu-me...
Eu acrescentei o que há muito tempo tinha no coração:
— Talvez realmente o Papa, quando tiver 75 anos, queira propor a sua demissão, como a pede a todos os bispos do mundo. A fim de que que vejamos, pelo menos uma vez, um Papa mor­rer noutro lugar que não no palácio...
O Papa sorriu então, e disse:
— Bem... isso exige reflexão...

Abbé Pierre fazendo referência ao seu diálogo com João Paulo II durante
o Verão de 1990 em Castel-Gandolfo.
«L'heure de la vérité», France 2. 5 de Dezembro de 1993.

Depois, acrescenta o Abbé maliciosamente,
o Vaticano divulgou por todo o lado
que o Papa não tinha a intenção de se demitir...

Sr. Ministro

O pequeno bebé do bairro dos Coquelicots em Neuilly-Plaisance, morto de frio na noite de 3 para 4 de Janeiro, durante o discurso em que o senhor recusava os bairros de urgência, vai ser enterrado às 14 horas de quinta-feira, 7 de Janeiro. Pense nele.

Gostaríamos que estivesse entre nós nessa hora. Não seria mal recebido, creia-me.
Sabemos bem que o senhor não dese­java isto quando remetia para dentro de três anos a ajuda aqueles que dormem debaixo das pontes ao saírem da fábrica. (...)

Gostaríamos muito mais de o amar do que lutar contra a ten­tação de o maldizer. (...)

Abbé Pierre.


Carta a Maurice Lemaire, ministro da Reconstrução
— que tinha recusado o orçamento para a construção dos bairros de urgência —
publicada em 7 de Janeiro de 1954 pelo «Figaro» depois de Marc, um bebé,
ter morrido de frio numa carroçaria de autocarro.

O ministro foi e, de cabeça descoberta, seguiu o caixão
durante dois quilómetros entre trinta companheiros.
No fim da cerimónia prometeu ao Abbé Pierre desbloquear o
crédito para os bairros de urgência.
Estes foram inaugurados em 30 de Abril de 1955 em Plessis-Trévise.

Dos Políticos

Os políticos só conhecem a miséria através das estatísticas.
Ninguém chora diante de números.

Abbé Pierre - Esteville. Janeiro de 1995


Repeti em todo o lado e a todos os homens do governo:
— Mesmo que você seja o mais honesto, o mais corajoso, o melhor dos políticos, parecer-vos-á sempre mais urgente, mais necessário renovar o reposteiro do cenário da Opera do que pôr água corrente e retretes nas barracas.
Não é que lhe falte cora­ção, é que a sua função o obriga a ir à Opera. E se se vir que está velho, usado, escreve uma nota dizendo: «Mudem aquilo». E tem razão. Mas nunca a sua função o obriga a ir onde as mães choram. E procede mal...

Abbé Pierre - Conferência em Genebra. 1990.

Sobre o Povo Eleitor

Quando não tendes deputados, fazeis revoluções para os ter. E quando os tendes, no dia seguinte, declarais que são todos uns canalhas. A verdade é que há alguns canalhas, mas não há mais do que entre os eleitores. Enquanto os eleitos forem recrutados entre os eleitores, haverá a mesma proporção de pulhas dos dois lados...

Abbé Pierre - Em privado em Emaús. 1970

O Desafio da Educação

A escola não é feita apenas para ensinar o que são as coisas, mas para abrir os espíritos ao conhecimento do que é o nosso ser comum de homens. Ela deve abrir os corações às fomes e às sedes de justiça, à vontade de servir primeiro os mais sofredores, ao que devemos chamar as cóleras do amor.

Abbé Pierre - «Faim et Soif». Setembro de 1956.


Tomai cuidado, para que os vossos filhos não se tornem pequenos monstros que não terão conhecido o seu povo, que não tenham nunca cruzado o caminho das outras crianças tão dig­nas quanto elas, mas que no entanto vivem em condições tais que um camponês recusaria obrigar a aí viverem os seus porcos. Se amanhã eles não tiverem coração, isso não será porque eles são maus, mas fostes vós que não tivestes inteligência para lhes fazer ver a realidade...

Carta aberta do Abbé aos deputados para reclamar a criação
de um Alto Comissariado para a Habitação dos Mais Desfavorecidos,
instituído dois meses mais tarde.
Novembro de 1992.


Devem, pelas vossas palavras, e sobretudo pela vossa maneira de viver, incutir nos vossos filhos a convicção de que os privilégios que eles vão herdar irão fazer deles ladrões, caso eles não se preparem para responder, durante toda a sua vida, com serviços que retribuirão aos seus irmãos mais desafortuna­dos, a dívida a que esses privilégios obrigam.

Abbé Pierre - «Viagem ao Uruguai». 1959.

Ter 20 Anos

Desgraçados de vós! se entrais na vida com este pensamento estúpido:

«Eu, eu, eu, a minha carreira, o meu sucesso, a minha promoção, a minha fortuna, o meu prazer, que se danem os outros...».

Porque, graças a Deus, a brutalidade das transfor­mações que, neste momento, começaram através do mundo, atingirá seguramente, nos próximos anos, aqueles que tiverem a estupidez de não terem outra finalidade que não seja o seu eu. Graças a Deus, porque isso lhes abrirá talvez os olhos antes de estragarem toda a sua vida.

Em contrapartida, se entrais na vida com a vontade de ser­des felizes, para serdes cada dia mais capazes de servir a felici­dade de todos, a começar pelos mais sofredores, para a vossa alegria na sua e a sua alegria na vossa, oh!, então, sois de inve­jar por terdes 20 anos hoje, porque há meios como nunca houve para realizar esse serviço da felicidade de todos.

Prefácio à apresentação do «Mystère de la joie»,
peça de teatro escrita pelo Abbé Pierre (Natal de 1944),
então capelão da Marinha a bordo do «Jean-Bart»
imobilizado em Casablanca pelos alunos da Escola Naval.

Sobre a Natureza e a Impotência do Poder


Desde que não tenha perdido o contacto primordial com a natureza, o homem pode pensar que o universo é implacável, mas nunca que ele é absurdo.

Abbé Pierre - «Faim et Soif»


Encontrei tantos e tantos chefes de povos, e tantos reis e tantos príncipes... Eles dizem todos a mesma coisa: Quando queremos respeitar a liberdade, quando queremos continuar a ser homens de Estado, homens de condição livre, então ficamos aterrorizados. Porque perante as dificuldades que levanta o sofrimento dos povos, não há dia em que não sintamos a impotência do poder.

Abbé Pierre - «Conferênca em Beirute»


Como viver sem tecto?

Da Campanha da Fundação Abbé Pierre a favor dos sem-abrigo. Outubro de 1992.


(dedico este post às vítimas do terramoto de L'Áquila)

Da Escolha de Deus, do Amor e da Liberdade

Um dia falava com um grande homem de Estado peruano agnóstico. E eu dizia-lhe:
— Meu amigo tendes somente a escolha entre o absurdo e o mistério.

Abbé Pierre - Emissão «Le Jour du Seigneur». Natal de 1981.


Ao querermos ouvir a música com os olhos ou ouvir os perfumes, podemos sinceramente explicar que não existe nem música, nem cores, nem perfumes. Mas enganamo-nos...
Tendes razão em testemunhar: o microscópio não agarra o Eterno! Nem nada o agarra...
Mas aquele que diz não à injustiça... aquele que vai, por verdadeiro amor, contra qualquer lucro, para que seja servido primeiro o mais pequeno, pelo gosto inexprimível que jorra nele, este sabe realmente que o Eterno inatingível o prende e, minúscula centelha de liberdade, exactamente o bastante para ser capaz de amar. Ele sabe realmente que, neste começo de amor, ele é amado pelo Amável Infinito, do qual tudo nele era signo, numa profunda impaciência de fome e sede.
Aí se produz o encontro.
Este é de outra ordem que não a dos acasos da matéria, mesmo quando é acompanhada pelos movimentos da matéria.

Carta de Abbé Pierre a Jacques Monod, prémio Nobel,
depois da publicação do seu livro "Le Hasard e la Nécessité".
4 de Janeiro de 1971

Da Oração


Na linguagem comum, acabamos por assimilar, pedir e mendigar.
A oração é essencialmente adoração.
A de um ser humano que está magoado com os ferimentos de toda a huma­nidade.

Abbé Pierre - «Testament». 1994.


A oração não é um pedido. É uma escuta.
Ela permite, no silêncio, ouvir o sopro do Espírito Santo.

Abbé Pierre - Esteville. Janeiro de 1995.


Quando nós, cristãos, vamos pelo mundo dizendo «Pai-Nosso», essa oração do Homem a Deus, que ela nos faça ouvir a oração de Deus ao Homem, que deveria ecoar na nossa alma: «E os outros, e os outros, e os outros?»

Abbé Pierre - Mensagem para o Natal. Dezembro de 1970.

Há coisas que pensamos, mas não dizemos; e outras que dizemos, mas não escrevemos, sob pena de nos arrependermos.
[www.gdv.com.br]

Quem eu conheci e admirava já cá não anda, pelos vistos morreu. Em breve serei eu. Melhor assim.