SANTOS FRANCISCANOS
Santo Antônio de Padua (ou de Lisboa)
Nascimento
Santo Antônio era português e, por isso, falava a nossa língua, a língua que também nós aprendemos a balbuciar de nossa mãe. Nasceu em Lisboa, atual capital de Portugal. A mãe dele chamava-se Maria Teresa de Taveiro e o pai, Martinho de Bulhões.
Aquele dia - 15 de agosto de 1195( Secundo estudos recentes, a data de nascimento de Santo Antônio deve recuar 3 ou 4 anos, isto é, 1191 ou 1192, c.f Centro Studi Antoniani - Basilica del Santo Padova, Itália.) - foi de grande alegria para a família Bulhões quando se anunciou: "Nasceu o nenê. É um menino!" E todos queriam - ao menos um pouquinho - carregá-lo ao colo. Mais de uma pessoa se perguntava: "O que será desta criança quando crescer?" Não demorou muito e os pais levaram-no à pia batismal. Moravam bem perto da Catedral da Sé de Lisboa. Era só atravessar a rua. Deram-lhe o nome de Fernando, Fernando de Bulhões.
Infância
Os pais eram gente boa, de fé cristã, de posses e também preocupada com a educação dos filhos em todos os sentidos. Por isso, chegando à idade escolar, Fernando começou a freqüentar a Escola dos Cônegos da Catedral de Lisboa. Ali, junto com as ciências propriamente escolares, ele teve uma profunda educação religiosa, de acordo com o seu tempo. Seus pais, muito religiosos, seguiam-no com muito carinho. Mas não deixaram de ficar surpresos quando, numa tarde, voltando das aulas - já tinha 15 anos - Fernando, meio sério, meio emocionado, disse:
- Mãe, eu vou ser padre!
À noite, quando o pai chegou e soube da conversa de Fernando com a mãe, chamou-o de lado e lhe disse:
- Filho, você sabe o que está fazendo? Eu sempre sonhei para você carreira militar. Você sabe: eu sou oficial do exército. A nossa família é descendente dos primeiros cruzados que iam à Terra Santa libertar os lugares sagrados onde Jesus viveu, morreu e ressuscitou. Por que você não segue a carreira de Cavaleiro? Vai lhe dar muita fama. E também dinheiro, é claro. Aliás, dinheiro não é problema. Eu pago todos os estudos que for preciso fazer.
Fernando ficou um momento em silêncio e abaixou a cabeça. Depois, olhou para o pai, olhou para o teto da casa como que procurando as melhores palavras para esclarecer que a sua decisão tinha sido amadurecida durante muito tempo, a sua decisão era firme e não era nenhuma ilusão. Ficaram - pai e filho - conversando por mais de uma hora. A mãe também entrou na conversa.
Final: Fernando iria, no fim do verão, entrar no seminário dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, ali mesmo, na periferia da cidade de Lisboa, num lugar chamado São Vicente de Fora. E de fato entrou.
Estudos e ordenação sacerdotal
Foram mais ou menos 10 anos de estudos. Aliás, não só de estudos, mas também de lutas, sacrifícios, dúvidas e tentações. Com efeito, embora os pais não quisessem contrariar o filho, também não escondiam que ficariam bem mais contentes (pobre pensar humano, tão distante do pensar de Deus!) se Fernando se preparasse para ser cavaleiro, a profissão em moda na época. Pais são sempre pais: um pouco... bastante egoístas! Querem decidir pelos filhos. Pensam que o que eles mesmos querem é que vai fazer a felicidade dos filhos. Um biógrafo de Santo Antônio escrevia: "...O pai que sonhara para este filho um luminoso futuro de cavaleiro nunca teria imaginado que a vocação abraçada pelo filho lhe procuraria uma glória, também terrena, que jamais teria alcançado na carreira que seu pai tanto desejava e sonhava" (Santo Antônio de Pádua, Pádua, 1977, p.3).
Nesses tempos - por incrível que pareça - os pais e amigos faziam força e torciam para que Fernando desistisse do seminário. Inclusive, sendo Fernando um jovem bonito e simpático, as moças e jovens da época assediavam-no insistentemente com tentativas de namoricas, noivados e ... até casamento. Foram anos difíceis para Fernando, mas anos também fecundos que o fizeram refletir sobre sua vocação. Foram anos que acabaram por iluminar e fortalecer o seu querer e por levá-lo a acertar os passos.
Perseverou. Renunciou a muita coisa, e tudo para abraçar a Deus e seu serviço. Ao terminar os estudos de filosofia, teve que tomar uma decisão: a bem de sua vocação, para ter um pouco mais de paz e de tempo para seus estudos, de acordo com seus superiores, deixou sua cidade natal (Lisboa) e foi para Coimbra, naquela época capital do Reino de Portugal. Ali havia uma abadia dos Agostinianos: o Mosteiro de Santa Cruz.
Coimbra
Coimbra, 200 Km a norte de Lisboa (chega-se, hoje, rapidamente, através do trem expresso), é uma cidade universitária por excelência. Lá, nosso falecido presidente Tancredo Neves teve uma acolhida carinhosa recebendo o título de doutor "honoris causa" no rico salão da biblioteca dourada com madeira e folhas de ouro levadas do Brasil. Em Coimbra ouve-se ainda muito fado: "Coimbra, és a canção que vem do coração..." Realmente é uma cidade linda, assentada às margens do rio e sob colinas cheias de olivais. Pois bem, em Coimbra, Fernando fez seus estudos de teologia e foi ordenado sacerdote. Foi uma festa e tanto! Pais e parentes vieram e amigos chegaram de todas as partes para abraçar aquele jovem que estava alcançando uma etapa importante na vida. Passados os dias de festa, Fernando continuou os estudos e foi se especializando, sobretudo nas Sagradas Escrituras de que ele tanto gostava. Lendo hoje os seus "Sermões",* percebe-se a sua grande profundidade e familiaridade com a Bíblia Sagrada. Graças também, é claro, a esses anos passados em severos estudos sob os arcos manoelinos do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
Ingresso na vida Franciscana
Pe. Fernando estudava e estudava. Um certo dia, vêm bater à porta do convento 5 pessoas. Este encontro haveria de marcá-lo profundamente. Aliás, daria uma volta de 180 graus em sua vida. Eram 5 frades franciscanos: frei Otto, frei Berardo, frei Acúrsio, frei Adiuto e frei Pedro. Estavam ali em Coimbra vindos da Itália, mandados por um tal frei Francisco de Assis, homem mui santo, "católico e todo apostólico". Viviam no alto de um morro ali perto, chamado Santo Antão dos Olivais (onde até hoje há um convento em que vivem os frades menores conventuais), no meio do mato, numa casinha humilde, preparando-se na oração e na penitência para uma "aventura" missionária na África. Mais exatamente, iriam a Marrocos, entre os muçulmanos para pregar o Evangelho. Levavam ainda vivas no coração as últimas palavras do seráfico Pai Francisco: "Vão e anunciem aos homens a paz e a penitência para o perdão dos pecados. Sejam pacientes na perseguição, certos de que o Senhor cumprirá o seu desígnio e manterá as suas promessas. Respondam com humildade a quem lhes perguntar, abençoem a quem os perseguir, agradeçam a quem os injuriar e caluniar, porque em troca nos é preparado o reino eterno". E ressoavam lhes ainda, no ouvido e na alma as palavras que cada um, prostrado aos pés do Pobrezinho e por ele abraçado, o ouviu dizer: "Coloque a sua confiança no Senhor e ele o haverá de sustentar"... (1 Cel.12,29).
Aqueles 5 fradezinhos vieram ao Mosteiro de Santa Cruz a fim de pedir esmola em forma de comida. Hábitos singelos, pés no chão, simplicidade, alegria... pobreza. Tudo aquilo impressionou por demais o Pe. Fernando que, imediatamente, os convidou a entrar e os levou ao refeitório para partilharem da mesa comum. Tais encontros se repetiram várias vezes. O Pe. Fernando sempre aproveitava para pedir informações, especular sobre a vida deles, sobre o tal frei Francisco de Assis que vivia lá na Itália, mas cuja fama já chegara a Portugal como fundador de um grupo de "irmãos penitentes". Algumas vezes, mais tarde, chegou até a visitá-los lá em cima no morro de Santo Antão dos Olivais. Um dia os frades partiram. Partiram para a África. E Pe. Fernando os viu, todos os cinco, alegres, pés no chão, desaparecerem na última curva da estrada que os levaria a Lisboa e, dali, para Marrocos. Mas a imagem viva daqueles fradezinhos passou dos olhos para o coração do monge Fernando. Aquela vida, pobre e singela, alegre e cheia de simplicidade e fé, contrastava com a sua que lhe parecia, então, tão medíocre, cômoda, longe dos problemas do povo cristão e não cristão. Algo de novo começou a brilhar. Primeiro, no pensamento. Depois, no coração. E o monge Fernando passou a refletir...
Fevereiro de 1220. Uma notícia corre de boca em boca por toda Coimbra. E chega também aos ouvidos de Fernando. Cinco missionários franciscanos que tinham ido à África, estavam de volta... mortos! Após cruéis sofrimentos, tinham sido assassinados por pregarem o Evangelho de N.S.Jesus Cristo em terras de África.
As relíquias deles tinham sido piedosamente recolhidas pelos cristãos e, por ordem do irmão do rei de Portugal, transportadas para Coimbra a fim de serem veladas na Igreja de Santa Cruz, junto ao mosteiro onde vivia Fernando. Este, ao saber da notícia, falava consigo mesmo: "Não, não é possível! Eu os vi partirem sorridentes e alegres dois meses atrás. E agora estão mortos! Não posso acreditar!..." Bem depressinha correu ao encontro da procissão que se aproximava da igreja, ao repicar de sinos que mais pareciam de festa do que de luto. E lá vinham sendo transportados com singela devoção cinco caixões trazendo os cinco corpos dos primeiros mártires franciscanos. Fernando os acompanhou. Olhava, silencioso e meditativo, para aqueles cinco corpos inertes mas palpitantes de uma viva mensagem: tinham dado a vida pela fé em Jesus Cristo! Frei Otto era tão simples e bom! Frei Berardo, o superior, sempre sorridente! Frei Acúrsio, tão disposto e disponível para qualquer obra! Frei Adiuto, alto, magro, tão dado à oração! Frei Pedro sempre ocupado, sempre fazendo alguma coisa! A partir daí, algo que já anteriormente lhe brotara no coração, ia tomando contornos mais precisos, ia começando a se delinear de forma mais clara: "Eu também quero ser missionário. Eu também quero ser mártir. Eu também quero derramar meu sangue por Jesus. Eu também quero pregar o Evangelho aos povos pagãos. Não quero ficar mais aqui fechado entre as paredes do mosteiro. Mas como?..." Esta última pergunta atormentava a mente e o coração de Fernando. "Mas como?"...
Um dia, vieram bater à porta do mosteiro os franciscanos de SantoAntão dos Olivais. Fernando aproveitou então para abrir-lhes mente e coração e revelar-lhes um sonho que há meses vinha acariciando: ele queria ser missionário, queria pregar o evangelho de N.S.Jesus Cristo a povos que não O conhecessem. Possivelmente em Marrocos, para onde eles tinham-se dirigido e de onde tinham voltado como mártires da fé. Para tanto Fernando interrogava-os sobre a possibilidade de se tornar franciscano, a fim de realizar esse seu projeto. Foram dias de muito diálogo, de muitas dificuldades, de muitos problemas, interiores e exteriores. O próprio superior do Mosteiro de Santa Cruz não entendia aquela atitude de Fernando. No fim, porém, convencido da sinceridade e lealdade do jovem monge, deu - lhe a licença pedida. Fernando vestiu o hábito franciscano e abandonou para sempre o mosteiro de Santa Cruz. Então, deixou o nome de Fernando e passou a chamar-se Antônio. Era o início de uma vida nova.
A tempestade no mar
Meio desapontado, sem nem mesmo saber o que dizer, frei Antônio despediu-se dos frades e daquele grupinho de cristãos africanos tão simpáticos, alegres e prestativos. Subiu ao navio que deveria atravessar o Mar com destino a Lisboa. Mudo, a contemplar o movimento ondulado das águas, enquanto a embarcação se afastava do porto, seu olhar ia longe, para além daquela paisagem de casinhas brancas do litoral à sua frente.
"Será que acabou tudo para mim?", perguntava-se.
E fez-se noite.
Frei Antônio retirou-se para descansar. A viagem seguiu tranqüila por vários dias. Já estavam acima da cidade de Tanger, às portas do Estreito de Gibraltar, diante do Mar Mediterrâneo, quando uma violenta tempestade de vento, seguida de trovões e uma chuva torrencial, levou a frágil embarcação à deriva. O capitão, marinheiro hábil e experiente, deu ordens para que a nau se dirigisse ao largo, evitando aproximar-se da costa para não bater contra as rochas do litoral. E assim foi-se o navio, mar Mediterrâneo adentro, qual casca de noz levada a solavancos pelas águas agitadas do oceano bravio. Por vários dias ficaram à mercê das ondas. Mais um fato que deixava frei Antônio intrigado com o plano de Deus! Mais uma vez ele se vê à beira da morte, no perigo quase certo de ser agora tragado pelas ondas do mar. Como se sentiu pequenino diante do gigantesco poder do mar! E como saiu espontâneo do profundo íntimo do seu ser: "Senhor, ajudai-me. Senhor, ajudai-nos!". Todos, viajantes e tripulação, estavam apavorados. Até os marinheiros mais velhos e experientes juravam jamais ter visto tempestade semelhante. Frei Antônio - já perturbado por tantos fatos, que nós chamamos sinistros, acontecidos nos últimos meses de sua vida, - ainda conseguia ter forças para aconselhar, animar e a acalmar os companheiros de viagem. Grande foi o alívio quando, ao amanhecer do dia, o sol começou a aparecer na linha do horizonte e as águas, mansas de novo, a se oferecerem de espelho para o astro rei. Maior foi a alegria quando puderam divisar ao longe os contornos de um porto e de uma cidade. Um grito de júbilo saiu do peito de todos os passageiros. O dia tinha serenado e envolvia na mesma paz as águas verde-profundas do oceano. O navio deslizava mansamente como se estivesse chegando à própria casa. Só que ele não chegara à Espanha. Menos ainda a Portugal. Batido pelo vento, levado pelas correntezas marítimas, chegara às costas da Ilha da Sicilia, na Itália. O navio tinha atravessado - sem perceber - quase todo o Mar Mediterrâneo. Tendo chegado sãos e salvos ao porto de Milazzo, todos davam graças a Deus. Sentiam-se renascidos. Também frei Antônio. Estavam em terra firme, mas... em terra estrangeira.
Antônio chega à Itália
Encontro com os franciscanos de Messina
Era o início de abril de 1221.
A primavera italiana - na Sicilia - estava extremamente generosa: flores, sol e o povo a cantar e a receber carinhosamente os passageiros salvos da tempestade. Frei Antônio, em italiano misturado ao português, informa-se e, mais ou menos, fica sabendo que não muito longe dali, na cidade chamada Messina, havia um convento de franciscanos. Aproveitando da bondade de uma família que o acolhera gentilmente, pegou seu alforje e partiu rumo à casa religiosa. Foi uma bênção do céu. Frei Antônio contou toda sua história desde Coimbra até a África e depois a tempestade, talvez mais com gestos do que com palavras, pois ainda não sabia o italiano,que aos poucos, sobretudo, nas regiões mais longínquas, ia se afastando do latim, língua dos centros mais cultos. Os frades o acolheram como irmão e como novo membro da comunidade. À medida em que os dias iam passando, ele sentia que também as forças lhe voltavam. Um dia, durante a refeição, frei Antônio ouviu que o Seráfico Pai Francisco, voltando de uma longa viagem, havia convocado para Assis os frades de todas as partes do mundo de então. Era o assim chamado Capítulo da Ordem. Iria se realizar em fins de maio, na festa de Pentecostes. Antônio até parou de comer. Uma sensação de alegria tomou conta de seu íntimo. "Que lindo!", dizia para si mesmo. "Poder encontrar-me com os frades do mundo inteiro!... Com Francisco de Assis!... É uma graça grande demais!..." Antônio não podia perder a ocasião. O entusiasmo que a notícia-convite lhe despertou fê-lo sentir-se também plenamente restabelecido da saúde. Queria ir até Assis. A pé. Os frades, porém, mais prudentes, aconselharam-noa ir, juntamente com o superior mais ancião, de navio, saindo de Messina, passado por Napolis e até Anzio. Contra avontade, frei Antônio aceitou, contando que fosse a Assis. Os demais frades, mais ou menos 20 dias. Tal era o costume da gente pobre daquele tempo. E assim aconteceu....
Antônio na solidão de Monte Paulo
Tudo tinha sido tão inesperado. Tão de repente. Frei Antônio, no final da grande reunião dos frades chamada Capítulo das Esteiras, estava sozinho, num canto de sua cabana, pensativo e meditando sobre o que tinha acontecido naqueles dias. De repente, ele sente alguém puxar-lhe pela manga do hábito. Gira-se e vê frei Graciano, Superior dos frades da região de Romanha que, com delicadeza, lhe pergunta o nome, a proveniência, seus planos. E frei Antônio, resumidamente, lhe conta sua história de monge ... frade ... desejo de martírio ... doença... tempestade... desembarque na Sicilia.
- E os seus planos?, pergunta frei Graciano.
- Planos? responde frei Antônio. Na verdade, eu não tenho plano nenhum. Sinto-me bastante confuso. Eu queria mesmo é ser mártir da fé na África. Fracassei... e agora nem sei o que fazer, para dizer a verdade.
- Eu sei!, atalhou frei Graciano.
- Mas eu não conheço o povo daqui, não sei direito a língua, começou a objetar frei Antônio.
- Você é padre? Perguntou frei Graciano.
- Sou. Pela graça de Deus eu sou sacerdote.
- Então, para alguma coisa você serve. Se chegou a ser padre, você vai conseguir também conhecer a gente daqui, os costumes, a língua... Já sei! Você vai comigo para a minha Província da Romanha.
E sem que frei Antônio pudesse esboçar um... ali!, o superior, em voz alta, a seus frades que naquele momento o estavam procurando para combinarem juntos o dia da volta, foi dizendo:
Irmãos! Olhem aqui o que nós ganhamos: mais um frade para nossa família!
No mesmo instante, frei Antônio se viu rodeado e abraçado por uns dez frades numa algazarra digna de velhos conhecidos.
No dia seguinte todos deixaram a planície de Assis e se dirigiram ao norte, rumo a Romanha, nos montes Apeninos. Durante a caminhada sempre a pé - a amizade entre os frades e Frei Antônio foi crescendo. Sabendo que ele era padre, seis frades que moravam num conventinho em cima de um morro - hoje o famoso convento de Monte Paulo - perto da cidade de Forlí - pediram ao superior que deixasse frei Antônio ir morar com eles, ao menos para rezar a missa. Frei Graciano, o superior, que durante a viagem vinha pensando o que fazer com aquele frade que lhe parecera tão tímido e medroso, desengonçado e inculto, aquiesceu imediatamente.
Para lá foi frei Antônio.
Como já dissemos, o conventinho situava-se num lugar solitário, em cima do Monte Paulo, a uns 400 metros de altura, no meio de um bosque de pinheiros, onde havia muitas grutas de pedra. Os frades ocupavam a maior parte do dia e da noite na oração, mas não deixavam de cultivar a terra cuidando da horta, do jardim e da criação de alguns animais domésticos. E frei Antônio entra no mesmo ritmo de vida: reza, cuida dos animais, trabalha na horta e no jardim. De manhãzinha, ao despontar do sol, celebra a missa para os frades. E, por certo período, tem tempo suficiente para se retirar a uma gruta e se dedicar à contemplação, à oração - leva sempre consigo um pedaço de pão e uma vasilha de água e, às vezes, nem com isso se alimenta. Mais de uma vez - apesar das recomendações do superior - os frades o encontram caído no chão. Certamente pelo jejum e peIas vigílias. Mas ele sempre se reanima, sorri, diz que não é nada e retoma a vida normal quase procurando esconder - e como conseguiu! - seus dotes de contemplação, de oração e de união com Deus.
Já fazia um ano e meio que frei Antônio estava em Monte Paulo. Já havia superado a confusão inicial de sua vocação franciscana e parecia tão embalado na contemplação que seu coração sentia-se feliz por respirar naquelas alturas a presença de Deus. Portugal... África... Sicilia... pareciam-lhe um sonho tão distante! Ali, naquele eremitério, ele estava se entregando totalmente a Deus. E o fazia com tanta simplicidade e naturalidade que nenhum dos seis frades notaram nele vestígios da santidade e do conhecimento profundo da Bíblia Sagrada que, em breve, resplandeceriam como luz brilhante e duradoura.
Rímini: o milagre dos peixes
Entre as suas andanças na pregação da palavra de Deus, Santo Antônio chegou um dia à cidade de Rímini. Sua fama já o havia precedido naquele lugar. Mas Rímini era também uma cidade de hereges, isto é, de gente que não gostava da Igreja Católica e ensinava ao povo muitas doutrinas contrárias. Era justamente o caso dos Cátaros, de quem já falamos mais acima. Eles se sentiam bastante fortes naquele lugar: convenceram o povo a não ir escutar as palavras daquele "freizinho a toa". E o povo foi na onda. Na praça da Catedral, onde era costume fazer-se pregações, havia pouquíssima gente, algumas pessoas mais corajosas, que não tinham se deixado amedrontar pelos hereges Cátaros. Frei Antônio conversou um pouco com eles e disse que viria no dia seguinte. Alguns quiseram dissuadi-lo de pregar ali porque o clima estava pesado e os hereges estavam dispostos a tudo. Inclusive, mais tarde, sabemos que o Pe. Aldebrando, depois bispo de Fossombrone, teve que fugir para a torre da igreja, ficar lá meio dia e sair de mansinho pelos fundos para não
ser morto pelo povo bem pouco cordial. Combinado o horário do dia seguinte e incentivando as pessoas a convidarem mais outras, frei Antônio voltou para casa. Passou a noite inteira em oração pensando o que iria falar, como iria fazer a pregação... No outro dia encontrou, além das pessoas do dia anterior, outras pessoas ainda, mas desta vez, os próprios hereges. E ali, por vários dias, teve várias discussões com eles sobre Jesus Cristo, sobre a Bíblia, etc., sobre tudo aquilo que expusemos acima e que constituía o modo de pensar dos Cátaros. Não houve jeito. Mais Antônio falava, explicava, rebatia, mais eles ficavam duros, empedernidos e... não quiseram mais ouvi-lo. Um dia, frei Antônio - certamente por inspiração divina - foi caminhar à beira do mar (o Mar Adriático) na foz do Rio Marecchia. Algumas pessoas o acompanhavam. De repente, frei Antônio pára, ergue as mãos e grita com voz forte olhando para as águas: "Ouçam a palavra de Deus, vocês, peixes do mar e do rio!".
- Ele está doido, sussurrou alguém.
- Eu acho que sim, respondeu um outro.
Mas qual não foi o espanto de todos quando viram...
Vamos acompanhar o relato deste fato como no-lo apresentam os "Fioretti" no sabor original de seu linguajar franciscano. É o capítulo 40 do livro, pg. 1160ss das Fontes Franciscanas, Ed. Vozes, 1981.
"Querendo Cristo bendito demonstrar a grande santidade do seu fidelíssimo servo Santo Antônio, e como devotamente devia ser ouvida sua pregação e sua doutrina santa, pelos animais irracionais, uma vez entre outras, isto é, pelos peixes, repreendeu a insensatez dos infiéis heréticos, como antigamente no Antigo Testamento, pela boca da jumenta repreendera a ignorância de Balaão. Pelo que, estando uma vez Santo Antônio em Rímini, onde havia grande multidão de heréticos, querendo conduzi-los ao lume da verdadeira fé e ao caminho da verdade, por muitos dias lhes pregou e disputou sobre a fé cristã e a santa Escritura; no entanto eles não consentindo em suas santas palavras e mesmo como endurecidos e obstinados não querendo ouvi-lo, Santo Antônio, um dia, por divina inspiração, dirigiu-se à foz do rio junto do mar e estando assim na praia entre o mar e o rio, começou a dizer a modo de prédica, da parte de Deus, aos peixes: 'Ouvi a palavra de Deus, vós, peixes do mar e do rio, pois que os infiéis heréticos esquivam-se de ouvi-Ia'. E dito que foi, subitamente aproximou-se dele na praia tal multidão de peixes grandes, pequenos e médios, como nunca naquele mar e naquele rio foi vista outra multidão tão grande, e todos tinham a cabeça fora da água e todos estavam atentos para a face de Santo Antônio e todos em grandíssima paz ; porque na frente e mais perto da praia estavam os peixinhos menores e atrás deles estavam os peixes médios; depois ainda mais atrás onde era a água mais profunda estavam os peixes maiores. Estando pois em tal ordem e disposição colocados os peixes, Santo Antônio começou a pregar solenemente e a dizer assim: 'Meus irmãos peixes, muito obrigados estais segundo a vossa possibilidade, a agradecer ao nosso criador que vos deu tão nobre elemento para vossa habitação, porque como for do vosso agrado, tendes água doce e salgada; deu-vos muitos refúgios para fugirdes das tempestades; deu-vos ainda elemento claro e transparente e comida pelo qual podeis viver. Deus vosso criador cortês e benigno quando vos criou, deu-vos o mandamento de crescentes e multiplicardes e deu-vos a sua bênção; pois quando foi do dilúvio geral, todos os outros animais morrendo, a vós somente Deus conservou sem dano. E ainda vos deu barbatanas para irdes aonde for do vosso agrado. A vós foi concedido por ordem de Deus conservar Jonas e depois do terceiro dia lançá-lo em terra são e salvo.
Oferecestes o censo a Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual como pobrezinho não tinha com que pagar. Depois servisses de alimento ao eterno rei Jesus Cristo antes e depois da ressurreição, por singular mistério. Pelas quais coisas todos muito deveis louvar e bendizer a Deus que vos deu tantos e tais benefícios mais do que às outras criaturas'. A tais e semelhantes palavras e ensinamentos de Santo Antônio começaram os peixes a abrir as bocas e inclinar as cabeças e com estes e outros sinais de reverência, segundo o modo que puderam, louvaram a Deus. Então Santo Antônio, vendo tanta reverência dos peixes para com Deus Criador, rejubilando-se em espírito, em alta voz disse: 'Bendito seja Deus eterno porque mais o honram os peixes aquáticos do que os homens heréticos e melhor escutam a sua palavra os animais do que os homens infiéis'. E tanto Santo Antônio mais pregava quanto a multidão dos peixes mais crescia e nenhum se partia do lugar que ocupara. A este milagre começou a ocorrer o povo da cidade, vieram mesmo os sobreditos heréticos. Os quais, vendo milagres tão maravilhosos e manifestos, compungidos em seus corações, todos se lançaram aos pés de Santo Antônio para ouvir-lhe a prédica. Então, Santo Antônio começou a pregar sobre a fé católica e tão nobremente pregou que a todos aqueles hereges converteu e os fez voltar à verdadeira fé cristã; e todos os fiéis ficaram com grandíssima alegria, confortados e fortificados pela fé. Feito isso, Santo Antônio despediu os peixes com a bênção de Deus e todos se partiram com maravilhosos atos de alegria e do mesmo modo o povo. E depois Santo Antônio esteve em Rímini por muitos dias pregando e fazendo muito fruto espiritual de almas. Em louvor de Cristo. Amém."
Santo casamenteiro !
Um dia uma jovem esposa lança-se aos pés do servo de Deus e diz-lhe por entre lágrimas:
- Frei Antônio, salve a minha família. O meu marido tem ciúmes de mim sem razão. Nasceu-me um menino há poucos dias e o meu marido afirma que não é seu filho, mas de outro homem. E eu não sei como provar-lhe a minha inocência e a minha fidelidade.
Antônio dirige-se para a casa daquele marido ciumento. Torna o bebê nos braços e como se falasse a uma pessoa adulta e dotada de razão diz-lhe:
- Em nome de Deus indique quem é o seu pai!
E o bebê estende as mãozinhas e, sorrindo, mostra que quer ir ao colo daquele homem ciumento. Então, ele agarra o bebê, aperta-o contra o peito e, cobrindo-o de beijos, repete:
- Meu filho, meu filho! Tenho andado cego ... cego!...
Depois entrega o bebê à mãe e diz-lhe:
- Peço-lhe perdão pelos meus ciúmes absurdos. Hoje sou o homem mais feliz da terra. Este frade, homem de Deus, abriu-me os olhos...
O homem volta-se para agradecer a Antônio, mas este, como de costume, já deixara aquela casa.
A morte em Arcella
Logo depois do meio-dia, quando o sol vai alto no céu e o calor aperta, o carro que transporta Antônio aproxima-se das muralhas da cidade de Pádua. É então que vem ao encontro do carro e do cortejo dos frades que o acompanha um certo frei Vinoto que vai a caminho de Camposampiero para visitar Antônio.
Frei Vinoto, ao ver a gravidade do estado em que se encontra o servo de Deus, pede encarecidamente a frei Lucas e a frei Rogério que levem o doente para o convento de Santa Maria de Arcella, situado fora das muralhas, a pouca distância:
- Levantar-se-ia um tumulto popular difícil de conter e uma grande confusão - afirma frei Vinoto - se Antônio entrasse na cidade neste estado. E ver-se-ia exposto ao importuno acorrer de gente e aos olhares de todos.
Ao ouvir estas razões, Antônio dá o seu assentimento às sugestões apresentadas por frei Vinoto. Então Frei Lucas e frei Rogério mandam desviar o carro e orientam-se para o convento de Arcella, que se situa junto do mosteiro das Irmãs Clarissas.
Mal o carro chega ao convento de Santa Maria de Arcella logo todos os frades, de coração angustiado, se reúnem ao redor do doente. Antônio é deitado com todo o cuidado em cima de um grande saco de palha. Frei Lucas molha os lábios ressequidos com um copo de água fresca.
Frei Rogério corre ao mosteiro para avisar as irmãs Clarissas da chegada de Antônio. A irmã Helena e as outras irmãs acorrem de imediato ao convento, rompendo - por causa da grave circunstância - a clausura.
Antônio contempla amorosamente os irmãos e as irmãs. E, em seguida, diz para frei Lucas, que é sacerdote:
- Gostaria de me confessar. , Os frades e as irmãs deixam a sós os dois fiéis companheiros. Uma vez recebida a absolvição, Antônio, cercado pelos irmãos e pelas irmãs, começa a cantar com uma voz fraca, mas suavíssima, um hino à Virgem Maria, que se inicia com estas palavras: "ó gloriosa Senhora, mais alta que as estrelas".
Terminado o cântico, Antônio conserva o olhar fixo num ponto longínquo e parece quase nem se aperceber da presença dos que estão à sua volta. Nos lábios mantém um sorriso constante. Frei Lucas inclina-se para ele e pergunta-lhe:
- O que vêem os seus olhos?
- Vêem o meu Senhor - responde ele.
Os frades presentes, ao verificarem que se aproxima a sua última hora, decidem administrar-lhe a Unção dos Enfermos. Antônio fitando o frade que traz o óleo sagrado diz-lhe:
- Já tenho esta unção dentro de mim. Porém, é algo de bom para mim e aprecio-a deveras.
Estende as mãos e o frade unge-as de acordo com o uso litúrgico. Terminado o rito, as irmãs Clarissas não conseguem conter por mais tempo o seu pranto:
- Não me abandone, pai! - exclama com voz embargada pelo choro irmã Helena. Ou então, chame-me logo para junto de si!
- Não nos abandone! - suplicam as outras irmãs - O que faremos sem o senhor, nosso guia e mestre?
Os frades entoam em surdina alguns salmos e Antônio, mal mexendo os lábios, segue o canto dos irmãos. Consegue agüentar-se ainda durante quase meia hora. Por fim, a sua alma, liberta da prisão do corpo, voa para a luz de Deus.
Os frades procuram por todos os meios manter em segredo a morte de Antônio, a fim de evitar o alvoroço das pessoas. A noite está próxima e eis que, sem informação de ninguém, mas como se tivessem sido inspiradas por Deus, as crianças de Pádua saem de suas casas e, percorrendo as ruas da cidade gritam:
- Morreu o frade santo, morreu santo Antônio!
Ao ouvir estes gritos, o povo acorre numeroso a Santa Maria de Arcella, pondo de, lado todos os seus afazeres. Depressa o convento fica rodeado por uma multidão. E todos exprimem com grandes gemidos e lágrimas a dor pela morte do santo.
As irmãs Clarissas do mosteiro de Arcella, reunidas em volta da urna de Antônio, não cessam de manifestar seu pesar:
- Que infelizes somos, pai! Porque, pela morte, o senhor foi afastado de nós irremediavelmente!
A irmã Helena, ajoelhada num canto, reza. Depois, levantando-se, exclama:
- Irmãs, por que é que temos tantas lágrimas, como se estivéssemos de luto por um morto? Antônio está vivo e sua morada agora é junto dos anjos. Peçamos antes a Deus que bem cedo nos acolha no lugar onde Antônio agora vive feliz.
A 4 de Novembro daquele mesmo ano de 1231 a irmã Helena passou desta vida para a casa celeste, ainda antes de ter completado vinte e quatro anos.
Os frades que viviam junto da igreja de Santa Maria de Torricelle vêm a Arcella com a intenção de transferir a urna funerária de Antônio para aquele convento. De fato, Antônio tinha sempre manifestado uma predileção especial por aquele lugar.
O bispo de Pádua, considerando justo o pedido dos frades, dá o seu consentimento.
Na manhã de 17 de junho de 1231, o caixão, em que tinha sido encerrado o corpo de Antônio pouco depois de sua morte, é transportado aos ombros dos cidadãos mais considerados de Pádua até ao convento de Santa Maria de Torricelle.
O bispo, acompanhado pelo clero, precede o cortejo. Seguem os frades de Arcella e os de Santa Maria de Torricelle. Atrás vem uma grande multidão de povo que canta, ao mesmo tempo que agita ramos, estandartes, archotes e lâmpadas acesas. No meio da multidão vêm todas as crianças da cidade. Aí se encontra a menina paralítica curada pelo santo. Aí está o menino que tinha caído dentro da panela de água fervendo. Lá vem também o menino que tinha caído no pântano e que Santo Antônio tinha feito voltar à vida. Não falta a menina que tinha o pé torto e que já corria sem muletas.
E todas as crianças cantam e batem palmas.
Nunca Pádua tinha tributado um tal triunfo a qualquer outro dos seus filhos, por mais ilustre que fosse.
Os restos mortais de Antônio são sepultados na igrejinha de Santa Maria de Torricelle.
Um mês depois, os habitantes de Pádua pedem ao Papa Gregório IX que eleve Antônio às honras do altar. O Papa está agora na casa dos noventa anos. Três anos antes tinha canonizado Francisco de Assis. Ele reconhece a doutrina e a santidade de Antônio de Pádua canonizando-o antes de se completar um ano do dia da sua morte.
Enquanto em Pádua a multidão exulta com o acontecimento, na cidade de Lisboa todos os sinos das igrejas dobram festivamente sem que ninguém acione as cordas. Por vontade de Deus, anunciam aos felizes habitantes da cidade que naquele dia o filho de D. Martinho Afonso e da nobre dona Maria se tornava santo da Igreja Católica.
Logo depois da canonização, os frades e o povo de Pádua começam as construções, ao lado da igrejinha de Santa Maria de Torricelle, de uma basílica para acolher o santo mais dignamente.
Em 1263 a basílica se encontra quase concluída. Frei Boaventura de Bagnoregio, ministro geral da ordem dos menores, manda transportar, a 8 de Abril daquele ano, a urna que encerra os restos mortais do santo, da igrejinha de Santa Maria para o novo templo.
A imagem acima é da conversão de um homem que não acreditava em Cristo Eucaristico.Este milalgre de Santo Antônio é conhecido como o " O Herege e sua mula".
Carta de São Francisco para Santo Antônio
A Frei Antônio, meu bispo, Frei Francisco (deseja) saúde.
Agrada-me que ensines sagrada teologia aos frades, contanto que, nesse estudo não extingas o espírito de oração e devoção, como está contido na regra.
msa@netbc.com.br ou
fr.reg@bol.com.br