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Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 21 de March de 2002 13:34

Nascido e criado sob a educação cristã da Igreja Católica, nunca pus em causa os seus Dogmas ou sequer as profissões de Fé. Fui ensinado nesse sentido, como era norma de família (e não só), e como tal, abracei a religião católica como minha e segui os seus Mandamentos, não só os Mandamentos da Lei de Deus como os Mandamentos da Santa Madre Igreja. Como norma, aos 9 anos fiz a chamada Comunhão Solene e pratiquei os actos religiosos até à idade da adolescência, onde, por norma também, começam a surgir as primeiras dúvidas sobre o que é, na sua essência, a verdade cristã e a verdade católica, ou seja, sobre o que é Deus, sobre o que é Cristo, sobre o que é ser católico ou cristão. Sobre o que são os Santos Sacramentos, sobre enfim uma infinidade de coisas que a minha inteligência de então começava já a fervilhar de interesse e de dúvidas sobre o que me ensinaram ou, simplesmente, sobre o que aprendi.
Hoje, passados que são mais de 45 anos sobre aqueles tempos de alegres brincadeiras e poucas aprofundadas incursões sobre tema tão acutilante, ainda me restam algumas dúvidas. É sobre essas dúvidas que resolvi escrever hoje, aqui e agora esta cata à Igreja que me viu crescer... mas não amadurecer.

Não discuto a existência de Deus nem sequer a aceito como dogma: para mim, Deus é verdade, é real, é amor, Deus é o tudo e o nada, Deus é o próprio Universo em si mesmo, é tudo o que nos rodeia, ao fim e ao cabo, Deus é o que existe.
Não posso crer que tudo o que nos rodeia ande cá por andar ou por ver andar os carros eléctricos; tudo cumpre uma missão, bem delineada e bem programada: Já nascemos com o caminho traçado, não como destino forçosamente a cumprir mas sim como um caminho a percorrer consoante a nossa vontade, pois Deus deu-nos a opção da escolha, só que, no meu entender a escolha que eu fizer está condicionada pelas "leis" do Universo vivo e como parte dele cumpro apenas a minha "caminhada" sem deixar de ter a consciência plena daquilo que estou a fazer: Por isso sei o que é o mal e sei o que é o bem; daí, a minha capacidade de escolher o caminho, daí a minha capacidade de opção que, à Luz da Lei Divina, me torna um ser livre.

Deus é amor! E esse amor traduz-se na vida que seu Filho Jesus deu por nós, para nos salvar, morrendo na cruz para que daí o seu "renascimento" fosse como que um alerta de paz, amor e bondade suprema por todos nós Filhos de Deus Pai e Irmãos de Jesus.
Deus é amor! Não acredito no castigo; creio no Perdão.
Deus é vida contínua! Não acredito na morte; creio na vida eterna. A nossa passagem física por este mundo físico é apenas uma das muitas passagens que fazemos por toda a eternidade da existência do Universo.
Deus é energia pura! Tudo é energia. Tudo "gira" à volta de tudo numa existência sem princípio nem fim, onde o começo se iniciou no fim e cujo fim dará início a novo começo, onde a verdade está à frente dos nossos olhos; nós é que não queremos ver!
Deus é a Luz e a Vida; Deus é o sim e o não; Deus é a saciedade e a fome; Deus é tudo o que Dele fizermos; ao ferir o planeta estou a "sangrar" uma parte do Universo, logo estou a ferir Deus; ao plantar uma árvore estou a "criar" vida no Universo, logo estou a aumentar a existência de Deus.
Deus não é uma palavra, é um sentir, é um estar, é um existir, é um "eu sou".

Jesus veio ao Mundo para nos salvar!
Ao aceitar a vontade de Seu Pai (apesar de ainda Lhe ter pedido: "Pai, afasta de mim este cálice"), Jesus não fez mais do que cumprir com a missão que O trouxe à Terra: Dar a Sua vida por todos nós no mais supremo acto de amor que se pode conceber. Que maior acto de amor pode um Homem demonstrar do que dando a sua vida para salvar um seu irmão, um seu filho, um seu pai...
Daí que Jesus demonstrou a todos o quanto nos amava, nos ama e nos amará.
Somos TODOS filhos de Deus e irmãos de Jesus Cristo. Neste Mundo físico não há filhos de primeira nem filhos de segunda. Perguntareis então porquê uns sofrem e outros não, uns são ricos e outros são pobres, uns têm de comer e outros passam fome, uns têm saúde e outros padecem com a doença.
Jesus, FILHO DE DEUS, também não sofreu?
Jesus, FILHO DE DEUS, também não foi chicoteado e crucificado?
Por que razão, Jesus, não evitou esses eventos?
Pura e simplesmente porque aceitou a vontade de Seu e Nosso Pai Divino.
Quem somos nós para contestar a vontade de Deus?
Quem somos nós para nos insurgirmos contra a vontade Suprema de Deus Universo, de Deus Global, de Deus Tudo?
Quem somos nós para colocarmos em causa a essência da energia do Universo que, para existir, tem de ter o polo positivo e o polo negativo?
Como seria um Universo onde apenas existisse o dia (sem a noite), o sim sem o não, o calor sem o frio, a abundância sem a carência, o bem estar sem a dor...
Como seria um Universo sem o fiel da balança, sem o ponto fulcral do equilíbrio...
Como seria um Universo onde apenas existisse uma Ordem...
Como poderia um simples sistema solar existir se o Planeta Mercúrio fosse igual ao Planeta Plutão... teriam ambos a mesma estrutura, a mesma temperatura (estando um tão perto do Sol e o outro tão longe...), o mesmo ciclo de rotação...
Como poderia Deus existir senão na diversidade da Sua própria existência?
E...Jesus, na Sua última ceia, (e não somente) juntou os Seus Apóstolos e disse:
"Comei e bebei TODOS. Este é o Meu corpo e este é o Meu sangue."
"Ide e fazei-o em Meu nome."
"Tudo o que pedirdes ser-vos-á concedido".
Jesus não disse que o Seu Corpo (a hóstia sagrada, o pão) estava vedado aos pecadores. Jesus não disse que aquele Seu corpo era apenas destinado aos "bonzinhos" aos sem mácula (porque estes não existem). Jesus disse: "TODOS".
Porque não posso eu tomar a hóstia na minha mão e participar da "comunhão" em Cristo cumprindo com uma das Suas últimas vontades?
Porquê?
Porque a Igreja "inventou" que certos pecadores não podem comungar?
Como se arroga a Igreja no direito de "inventar" novas frases na boca de Jesus?
Se eu matar e em arrependimento me confessar e receber o perdão, posso comungar; agora, pelo simples facto de que sou divorciado (pequei contra os votos que fiz a Deus no sacramento do matrimónio) não posso pedir perdão, pois a Igreja não mo concede e logo não posso tomar o Corpo de Cristo!
Quem sou eu afinal? Não sou Filho de Deus? Não tenho direito ao Perdão? Sou um ser humano de segunda categoria? Só eu e outros como eu é que somos os maus? Todos os outros são os bons? Todos os outros nunca pecaram? Todos os outros que pedem perdão e o recebem, são Filhos de Deus e podem comungar. Eu...não!
Porquê?









quim, the wolf

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 22 de March de 2002 13:14

Tocas num ponto decisivo para a vida da sociedade em Igreja nos dias de hoje... A vida já torna difícil acreditar no Senhor, quanto mais se a Igreja ainda veda a prática àqueles pecadores que realmente querem continuar, apesar de tudo, a sua vida sacramental...

Ainda não temos essa "liberdade" de casar e descasar como bem entendemos... Acho que isso é uma precaução cuidadosa por parte da Igreja... Agora, perguntas o porquê? Olha, compreende os documentos da Igreja que falem sobre isso e pronto... Vê o que te é possível compreender desta complexa questão... Mas uma coisa é certa e bíblica: "Tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu e tudo o que desligares na Terra, será desligado no Céu"... Qualquer coisa assim que penso estar em Mt 16. Dizer que "está tudo bem, vai lá comungar", seria um ensinamento irresponsável. Mas não sei como o pensamento evoluirá... Não deixa de ser uma questão de Direito Canónico... Será que se perdoará aos que se mostrem verdadeiramente contritos? Será que é uma questão de "perdão"? Será que as pessoas sabem o que estão a fazer quando se casam? Por estas e por outras, mudam-se os paradigmas culturais, hoje em dia já se começa a olhar com bons olhos o aborto e a clonagem, o tabaco já se vulgarizou entre os católicos e jovens... Onde é que isto vai parar? De repente nascemos e pensamos que todas as coisas que já existem devem ser passadas a ser encaradas e aprovadas somente segundo o nosso critério, mal formado, uma consciência sem consciência... Só digo isto para demonstrar as fragilidades daquilo em que de repente ou nem tanto passamos a acreditar como correcto ou justo.

Bem, por exemplo, casos como a "Maya", aquela "vidente" e "cartomante" que diz que lhe aconteceu o mesmo, acho bem... Pessoas como ela nem deviam de se considerar cristãs, sequer... Acreditar no que ela acredita e promove é do mais anti-cristão que posso conceber. Destinos marcados, adivinhações, etc.. "Teorias" que vão contra a verdade da ressurreição, o renascimento das cinzas quotidiano que é operado em nós.

Existe uma profunda iliteracia, senão analfbetismo religioso; as pessoas confundem religião com espiritualidade e terapias, envenena-se o mundo com meias-verdades, tantas vezes piores que mentiras...

Quem mudará isto? NÓS! Sim, nós, os "cristãos universais" (católicos) temos nas mãos uma graça e uma responsabilidade: levar o Evagelho em plena verdade a toda o ser humano... Estamos a fazer isso? Certamente que não... Mas os tempos mudam, há uns quase 30 anos toda a gente tinha que ir à missa sem saber o que estava a fazer, desse mau testemunho, encheram-se cabeças de preconceito...

E agora há que tornar a Igreja mais CULTA e ESPIRITUAL, uma espiritualidade de silêncio, contemplação, meditação, abandono, pobreza evangélica e caritária...

Seremos desde já capazes disso? Mesmo tu Quim, saberás corresponder ao apelo do Senhor para isso, ainda que privado dos Sacramentos? Fazes ideia da quantidade de gente que não comunga por estar enganado? Porque não aproveitas esse sentimento e o transmites aos outros? Talvez até te sintas a partilhar realmente do Corpo de Cristo na Comunhão do teu próximo neófito... Pensa nisso... ;o)

Os caminhos do Senhor são insondáveis... Aproveita o pouco que sabes e vive a sua graça ao máximo!
João

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 22 de March de 2002 17:58


....se os caminhos do Senhor são insondáveis...porque entendes que tu os sondaste e os compreendes?...

...a tua verdade é a única?...

...nada do que me estás a dizer é novo para mim...não sou novo neste mundo...


...e porque razão haveria Mts.16 dizer que tudo oi que for ligado na terra será ligado no céu e tudo o que for desligado na terra será desligado no céu?...Onde está o Senhor Deus misericordioso? Deus é vingativo? Deus condena? Deus castiga?...Não, nada disso...Deus é mais do que isso tão simples e académico...

...se eu estou agora a dizer isto neste momento, quem te garante que o que eu estou a dizer agora não venha a ser "lei" daqui a 2000 anos?...

...o Homem põe e Deus dispõe...esta é a única verdade...nada daquilo que fazemos tem importância perante o designio de Deus...só que Deus é mais do que aquilo que nos dizem...Deus é tudo o que existe...não é uma Entidade solitária, organizativa e definidora...Deus é o que é, ou seja, tudo e se tudo o que existe é, Deus está aqui, como ali, como em ti como em mim...porque razão hás-de tu dizer-me que eu devo fazer assim e dizer assado e suportar isto e entender cozido e etc...

...não sejas redutor...admite a possibilidade de o erro não estar em mim e estar noutrém...não interessa quem nem interessa se sou eu não quem está errado...o que interessa é que exista não uma verdade (que tanto poderia ser a tua como a minha) mas sim a verdade...e a verdade é a que me faz caminhar nesta vida e a verdade é a que te faz caminhar na procura dum alvo a atingir...a perfeição...a última fronteira...(mesmo que esta não seja a verdade)

...e já agora, o que queres dizer "...na comunhão do teu próximo neófito..."






quim, the wolf

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 03 de April de 2002 09:01

Caro Quim:

A tua "carta aberta" chamou-me a atenção, mas não sei se percebi exactamente o problema. Como isto implica dados mais pessoais, que não sei se queres dar neste fórum... Se bem percebi, a tua questão é esta: por que razão um divorciado não pode comungar?
Ora bem, antes de responder à questão, importa precisar a questão: há pessoas divorciadas que comungam e não cometem pecado por isso; outras não podem, de facto, comungar. Temos então dois casos:

1º caso: divorciados, vivendo como tal (sem uma nova relação). Embora a Igreja não reconheça o divórcio na sua essência (como o fim de um vínculo contratual), ela reconhece que em certos casos os cônjuges se separem e que por motivos práticos e de prudência se recorra até ao divórcio civil (por motivos de ordem económica, fiscal, segurança, etc.). Mas diante de Deus aquelas pessoas continuam casadas. ("Não separe o homem o que Deus uniu"). Por isso não podem voltar a casar religiosamente. Não se trata de mera caturrice da Igreja, porque a indissolubilidade do matrimónio tem fortes raízes bíblicas. Se fosse fácil passar por cima da questão, certamente o Papa não deixaria "perder" a Igreja na Inglaterra (embora a questão do divórcio de Henrique VIII não tenha sido a única razão da ruptura). O Papa de então, como o de hoje, viu que não podia contrariar o Evangelho neste ponto. Vale a pena conferir os seguintes textos do Novo Testamento: Marcos 10:2-9 (paralelo em Mateus 19:3-9) e 1ª aos Coríntios 7:10-11.
Mas se não voltarem a casar (nem viverem como tal), os divorciados poderão ter uma vida de sacramentos "normal". Se não voltaste a casar (ou se não vives como se fosses), a porta continua aberta...

2º caso: os divorciados recasados. Este é o caso mais difícil. Vejamos primeiro os aspectos "objectivos" e "legais" e depois farei algumas considerações.
Se o vínculo permanece, como se conclui da leitura bíblica, então aquele que voltar a casar não apenas comete adultério, como ESTÁ em estado de adultério, ou seja, não temos aqui um caso de simples pecar e perdoar. Se consideramos que o adultério é um pecado, vivendo-se numa situação de continuidade não há lugar para o perdão, porque não há arrependimento. Não se podem absolver relações humanas. Se uma pessoa se vai confessar de alguma coisa tem que mostrar propósito de renunciar ao mal feito; uma pessoa que vive em adultério e que não renunciou a ele não está nessas condições, logo objectivamente (estamos a falar do aspecto objectivo) a pessoa não está em consonância com a fé que professa, donde comungar seria uma mentira, porque ao comungarmos manifestamos a nossa comunhão com Deus e com aquilo que Ele nos pede. E o adultério é algo objectivamente grave. E na comunhão manifestamos também a nossa comunhão com o resto da comunidade e com a sua fé; a comunhão não é apenas algo de privado.

Jesus convida TODOS a comer o Seu Corpo, é verdade, como nos convida a TODOS à conversão. Se estamos numa situação de continuidade em algo que Jesus condena fortemente (neste caso, o adultério), enquanto permanecermos nesse estado não podemos dizer que estamos em comunhão com Ele, logo não estamos em condições de O receber em Pessoa, sacramentalmente; ou seja, o nosso gesto seria uma mentira.

É verdade que o Corpo de Cristo não é apenas para os "bonzinhos", não é um "prémio", mas um alimento para aqueles que dão mostras de querer continuar a caminhar.

Portanto, não se trata simplesmente de má-vontade da Igreja Católica para com os divorciados recasados. É verdade que isto é muito problemático, porque se alguém matar e se confessar pode voltar a comungar, enquanto que um recasado não pode. A razão está explicada: o homicida mostra arrependimento e propõe-se não voltar a cometer o mesmo erro. Um recasado que não renuncia à sua vida conjugal com a segunda pessoa não está de facto arrependido, porque pretende continuar a segunda relação. Não se podem perdoar pecados em antecipação...

Vias "legais" de "saída": são muito estreitas. Às vezes a segunda união é estável, há filhos, pelo que a separação se torna impossível. Neste caso, objectivamente a Igreja só admite que um recasado vivendo com outra pessoa possa receber a comunhão se aceitar a condição de passar a viver com a outra pessoa "apenas como irmãos", excluindo a vida sexual recíproca. Mas mesmo neste caso recomenda-se que se faça sem escândalo, isto é, se as pessoas da comunidade vêem que estas pessoas vivem como (re)casadas, havendo um vínculo anterior, o facto de estas comungarem publicamente na mesma comunidade poderá ser motivo de escândalo.

A prática. Apesar de as normas "objectivas" serem tão claras, há casos em que alguns padres autorizam que os recasados voltem a comungar. Alguns autorizam a comunhão apenas excepcionalmente (por exemplo, por altura de alguma festa importante) e não em público (ou então apenas num local onde não sejam conhecidos). Embora muitos destes padres sejam criticados por laxismo, às vezes pode haver situações em que se justifique pastoralmente tal autorização personalizada. Imaginemos a seguinte situação: depois de analisar a situação da pessoa, de ouvir a sua história, o confessor chega à conclusão que o matrimónio (o "primeiro") foi inválido ou nulo, mas que não é possível provar em tribunal eclesiástico por falta de testemunhas; por outro lado, a pessoa sofre muito por não poder comungar... Num caso como este o padre pode concluir que há razões para que esta pessoa possa comungar. Mas estes casos deverão ser analisados com muito cuidado.

Comentário pessoal à situação. Creio que este é um dos espinhos maiores na pastoral actual. É verdade que esbarramos com a indissolubilidade do matrimónio, mas será que percebemos realmente o significado do sacramento ou apenas estamos a colocar "fardos pesados"? Mas a questão não se resolve com um mero "laissez faire, laissez passer", com um laxismo imprudente. Há que investir numa teologia moral renovada, não para alargar as malhas indiscriminadamente, mas ver se realmente se está a proceder correctamente. Na verdade, parece-me que a resposta pastoral a este problema é mais legalista que pastoral.

Uma ressalva. Apesar de tudo, algo se pode fazer. Em primeiro lugar, chamar a atenção que, se se não se pode voltar atrás (desfazer a segunda união nem garantir a "abstinência absoluta" – facto que poderia trazer prejuízo emocional que se poderia repercutir nos filhos), há que procurar algo razoável: a pessoa pode continuar a rezar e a aprofundar a sua fé mesmo não comungando. Há que ajudar as pessoas a olhar com clareza para as normas estabelecidas, mas, acima de tudo, ajudar a levar a sua situação à oração, para decidir conscientemente o que fazer. Este aspecto é muito importante, embora me pareça que a maior parte dos padres não esteja muito preparada para ajudar as pessoas a ir por aqui e ficam-se pelo legalismo. Há que ajudar as pessoas a tomar decisões realmente responsáveis...

Uma nota: o que se segue já não se aplica a ti, mas parece-me importante. Muita gente fica escandalizada com a perpetuidade do casamento, mas isto não deveria espantar ninguém, pois todos os noivos sabem que "é para sempre"... O que se passa é que muitos casamentos são muito mal preparados. É curioso notar que não são raros os casos de casais que quando começam a fazer o Curso de Preparação Para o Matrimónio (CPM) acabam por desmarcar o casamento e separam-se, antes de se juntar... Antes assim... Há que preparar muito bem...

Alef

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 03 de April de 2002 12:35

Alef:

Em primeiro lugar um obrigado pela tua resposta.
Por tudo aquilo que desenvolves nela me dá a certeza de que és alguém que tem fundamentos teológicos de forma a expor o que está “escrito” bem como pelas notas “pessoais”; daí que possa inferir que recebi uma resposta cabal.
Mas não. Ela não me satisfaz e vou tentar dizer porquê. Espero que não te importes.
Percebeste perfeitamente o cerne da questão, ou seja, sendo divorciado porque não posso comungar...
E o início da tua explanação me dá logo razão, pelo simples facto de haver diferenças, ou seja, há divorciados que podem comungar e há divorciados que não podem comungar, donde se infere também que o problema não está em ser-se divorciado mas sim em se estar “novamente” casado ou “junto”...Logo, não é por causa da dissolução do casamento que eu não posso comungar mas sim por estar, como dizes, “recasado”. Correcto?
Quando dizes que (“Não separe o homem o que Deus uniu”) porque não admitir que Deus “permitiu” a desunião? Deus não permite a fome, a doença, a guerra, a morte de seu filho Jesus? Não teria sido dito também o (“crescei e multiplicai-vos”)?
São esses “dogmas” eclesiásticos que eu não “reconheço” quando para umas coisas é “assim” e para outras coisas é “assado”...Sabemos perfeitamente o quanto de errado a Igreja faz (porque para mim Igreja é a congregação de todos e não um “local” ou uma “instituição” a comandar os outros) mas não quero ir por aí...
Cresci nessas “leis”...Casei-me pela Igreja Católica (bem preparado, bem estruturado, etc.) em 1969. Fui pai aos 23 anos de idade. Hoje tenho netos. Estive, então, casado com a mãe dos meus filhos até 85, altura em que nos separamos. Não me arrependi. Encetei nova relação marital. É por isto que sou pecador? É por isto que não posso comungar?
Imagine-se que matei. Arrependi-me do acto. Fui perdoado. Posso comungar. A seguir, voltei a matar. Fui, ou não, perdoado por antecipação? (Isto por dizeres que não se podem perdoar pecados em antecipação) Mas, quando me separo e não declaro que vou “recasar” com alguém com quem vou viver “como irmãos” (perdoa-me mas isto é ridículo!) não me perdoam e não posso comungar!
Adultério é pecado! De acordo! No entanto, e sabes disso com certeza, há casos de casais católicos que professam uma vida religiosa normal e que “praticam” o adultério e até (se calhar) confessam os seus pecadozitos dizendo ao confessor que deram uma escapadelazita, etc. mas que estão arrependidos...Consequência: Comungam.
Eu, não!
Sou frequentador assíduo dos fóruns do Sapo e já coloquei lá este tema. Numa das intervenções disse que, por exemplo, seria muito fácil, para mim, comungar pois bastaria meter-me na “fila” e fazê-lo em qualquer Igreja em qualquer Missa...Mas não, não o faço pois a minha consciência não o permite porque sei que a Igreja não me concede esse “direito”. Quereria, pois, que um Padre fosse meu “cúmplice” e sabendo qual a minha “posição” me desse o Corpo de Cristo pela simples razão de que entendo que sou tão merecedor aos “olhos” de Deus como todos os outros.

Jesus condena o adultério! Certo, mas para a Igreja é melhor um casal viver uma vida inteira num inferno do que tentar ser feliz! Ou seja, em última análise, a Igreja “prefere” o sofrimento!
O Corpo de Cristo não é um “prémio” mas um alimento para os que dão mostras de quererem continuar a caminhar...eu não caminho, é isso?
Como se arroga a Igreja no direito de me julgar?
Se Deus é amor e perdão porque “dita” a Igreja leis contra esse amor e esse perdão?

É evidente que este é um dos “espinhos” da pastoral actual, eu sei. Como muitos e muitos outros.
A pessoa pode continuar a rezar e a aprofundar a sua fé mesmo sem comungar! Há que ajudar as pessoas mas os Padres ficam-se pelo legalismo...pois é.

Apenas uma última nota à tua última nota: todos os noivos sabem que é para sempre, que muitos casamentos são mal preparados, cursos para matrimónio...Desculpa, o que é isto? Como pode alguém preparar o caminho do futuro? Se se diz que o futuro a Deus pertença, porque não aceitar o que há de vir? Não será essa, depois, a vontade Dele? Como questionar os chamados desígnios de Deus?
Hoje estamos com saúde, amanhã estamos doentes porque razões externas assim nos condicionam. Não temos culpa. Porque teremos culpa apenas em algumas coisas?

Uma última nota. Quando casado e nos últimos anos havia infelicidade, dor, amargura e estávamos mal. Separamo-nos. Hoje, temos caminhos diferentes mas convergentes, Estamos felizes, damo-nos bem, confraternizamos com os filhos, os netos, os antigos e os actuais intervenientes. Não foi melhor a separação? Há hoje alegria onde antes havia tristeza. Não estará Deus satisfeito com isso?

Não é só uma questão de preparar muito bem...

É também uma questão de compreender e ACEITAR muito bem...

Um abraço amigo, Alef e...obrigado.

quim

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Tozé Monteiro (IP registado)
Data: 03 de April de 2002 22:17

Em última análise Quim, é na tua relação pessoal com Deus que deves fundamentar as tuas escolhas.
Eu tenho a certeza que Ele te compreende e que acolhe a tua sede de comunhão com Ele.
Como seria bom se a Igreja se perdesse menos em normativos e redescobrisse a capacidade de acolhimento do povo de Deus que procura tão só estar em comunidade e construir a sua relação pessoal com o Ressuscitado e nele, com todos os outros.

Quem somos nós para julgar à luz de normas, regras ou canones as opções da intimidade de cada um...

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Ana Paula Almeida (IP registado)
Data: 03 de April de 2002 23:23

Há outros casos de excomunhão sem ser este?????


Não tem qualquer sentido

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 03 de April de 2002 23:52

Não se trata de excomunhão.

"Ter sentido ou não" deve ser fundamentado com boas razões, teologicamente válidas. A pergunta a que se tem que responder é a seguinte: Como se pode conciliar a possibilidade de comungar quando se vive num estado em que tudo parece indicar que se nega o ensinamento de Jesus Cristo? (Vejam-se os textos que citei na mensagem ao Quim.) A resposta a esta questão não pode ser dada com um simples "tudo vale", mas tem que ser dada em coerência com a Bíblia... Se a resposta for um "não", deve mostrar-se porquê; se a resposta for "sim" tem que se mostrar igualmente porquê.

Considero que a resposta que a Igreja dá hoje é insuficiente, porque muita gente sofre com isto e pode a Igreja estar a colocar fardos pesados, em vez de cumprir a missão de libertar, mas não vejo o que se possa fazer, mantendo a coerência com o ensino bíblico. Jesus veio para libertar, mas neste ponto parece ser intransigente. Ou será que estamos a perceber mal o que Jesus diz? Por isso é que há que aprofundar a teologia moral e pastoral.

Voltarei proximamente ao tema.

Alef

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Lugo (IP registado)
Data: 04 de April de 2002 00:07

Acho que esta não é uma questão simples como já aqui foi dito: Por um lado alguém que matou outra pessoa e depois se arrepende, pode comungar, mas por outro, se alguém se casa, depois se divorcia e se volta a casar já não pode comungar. Parece que até certo ponto, o adultério é visto como uma falta mais grave que o matar alguém.

Mas como o Alef dizia, e bem, é que a questão aqui é o arrependimento: quem matou alguém e se arrependeu, já pode comungar (porque se arrependeu), e o mesmo já não acontece com aquele que depois de se divorciar se volta a casar pois vive numa situação de adultério (sem arrependimento).

Mas como o Quim dizia, e bem, mas então e o Amor? Deverá a Lei sobrepor-se ao Amor?

Concordo com o Alef: Não há uma resposta simples! Acho que se deve aprofundar o assunto e tentar dar uma resposta que vá ao encontro da Sagrada Escritura, mas sem esquecer o Amor entre o homem e a mulher.

Lugo

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 04 de April de 2002 09:20

Caro Quim:

0. PRIMEIRAS IMPRESSÕES. A tua última mensagem é até comovente, porque denota muita sinceridade e é diante destas situações como a que descreves que eu pergunto: será que a Igreja não está a falhar a pontaria? Não será esta lei uma nova forma de fariseísmo? [Se bem que a lei da indissolubilidade do matrimónio não foi inventada pela Igreja.] Um dos últimos parágrafos, onde descreves as vantagens da separação para todos os antigos e novos protagonistas mostra bem o problema: «Há hoje alegria onde antes havia tristeza. Não estará Deus satisfeito com isso?» Creio que devemos abstermos de julgar e muito menos de enclausurar Deus nas nossas pobres categorias. Mas se dizemos que "onde houver amor aí habita Deus", então temos muito que perguntar... Se agora experimentas amor, Deus não estará aí? Mas estando Deus aí será isso razão suficiente para receber a comunhão? E o que é o verdadeiro amor? Mas não vamos agora por aqui, para não nos perdermos...

1. A DISPARIDADE DE DISCURSO. Obviamente ao dares-me dados assim tão concretos se vê como é difícil lidar com a questão. Já não falamos do problema em abstracto, onde tudo é bastante claro, mas do teu caso concreto, que coloca em causa a "clareza" dos argumentos gerais, pela crueldade que eles podem significar. Este é um dos problemas na Igreja. Ao nível abstracto, dos princípios, tudo é perfeito, mas depois a prática coloca problemas para os quais os princípios perfeitos parecem ser dificilmente ser aplicáveis... Mas na Igreja há também uma longa tradição pastoral, onde o pastor verá se no caso concreto a normal geral pode ser aplicada de outra forma ou não... O problema é que às vezes a distância do primeiro tipo de discurso em relação ao segundo provoca na Igreja uma espécie de "esquizofrenia": (alguma) misericórdia pastoral vs. leis gerais implacáveis. [Um dos casos onde isso se vê mais claramente é no que diz respeito ao planeamento familiar, tema para outro tópico: quantos católicos conscientes seguem à risca o que a Igreja estabelece sobre esta matéria?]

Tendo consciência dessa disparidade de discurso, tentarei caminhar sobre o fio da navalha... Gostaria se manter sempre presentes os elementos da VERDADE que o Evangelho anuncia e da MISERICÓRDIA, ambos igualmente evangélicos. É com estas duas palavras fundamentais que se deve ler o resto da minha mensagem, que nuns parágrafos acentuará mais um aspecto, noutros acentuará outros, mas eles terão que ir sempre juntos. "A verdade vos tornará livres"; "Eu quero misericórdia, não o sacrifício"... Como pode a Igreja transmitir a misericórdia de Cristo que perdoando à adúltera diz "Vai e doravante não tornes a pecar" (Cfr. João 8:1-11)? [Ver os dois elementos: perdão ("Nem Eu te condeno; vai") e exigência/verdade ("doravante não tornes a pecar").]

Assim passo ao comentário ou clarificação de alguns tópicos que afloraste na tua mensagem. Peço desculpa em antecipação por a mensagem ser tão longa e eventualmente conter algumas repetições... Não tive tempo de a fazer mais curta ;-)

2. POR QUE RAZÃO UM "RECASADO" NÃO PODE COMUNGAR... Dizes: «[...] Logo, não é por causa da dissolução do casamento que eu não posso comungar mas sim por estar, como dizes, “recasado”.» Quando dizes isto importa dizer o seguinte: é pelas duas coisas. No caso dos divorciados que se mantêm "sós" e que podem comungar eles sabem que continuam casados, o vínculo do casamento mantém-se, porque o casamento é indissolúvel, embora eles não vivam juntos. No caso dos recasados eles mantêm o mesmo vínculo e apesar disso casaram-se segunda vez. Há assim uma grande diferença entre o primeiro e segundo caso.

3. ARRISCAR UMA "TEOLOGIA" DO DIVÓRCIO OU DO FIM DO VÍNCULO. Perguntas: «[...] porque não admitir que Deus “permitiu” a desunião?» Grande questão esta. Mas neste caso poderemos deitar ao lixo os textos bíblicos que claramente defendem a perpetuidade do casamento e condenam o adultério? Poder-se-á argumentar: mas a partir do momento em que a primeira relação se desfez, em que já não há "contrato" já não há adultério, porque não há amor, tudo morreu, etc... Mas isso seria entrar por campos perigosos, alargando o campo de justificação do adultério. Já ouvi também uma outra tentativa mais ousada, a nível teológico: só existe sacramento quando existe "matéria" do sacramento (por exemplo, para existir o baptismo é necessário que exista água, etc.). Como no matrimónio a matéria é o consentimento ou o amor entre duas pessoas, a partir do momento em que não existe amor entre os esposos, deixa de existir sacramento. Mas este argumento é falacioso, porque uma vez "aplicado", o sacramento é eficaz e perene e os sacramentos do baptismo, confirmação, ordem e matrimónio são perenes. A força do sacramento depende do poder de Deus, não do elemento "usado" no sacramento.

Contudo, a tua questão é muito importante e o que eu devo dizer é que os dados que tenho/temos não me/nos permitem dizer que o sacramento do matrimónio pode ser dissolvido. Ao contrário do que sugeres, não se trata de uma mera lei eclesiástica (como o é a lei do celibato obrigatório para os padres de rito latino), mas é algo que radica na palavra bíblica. A questão que podemos colocar é se estamos a interpretar essa palavra correctamente, mas por isso é que eu dizia na mensagem anterior que é necessário investir na teologia moral.

Tu contestas, da seguinte forma: «[...] para a Igreja é melhor um casal viver uma vida inteira num inferno do que tentar ser feliz! Ou seja, em última análise, a Igreja “prefere” o sofrimento!» A crítica tem alguma razão de ser, mas não me parece que a Igreja defenda que o casamento deve ser mantido, mesmo em estado de "inferno". O que se passa é que a Igreja apresenta valores que são realmente muito elevados e que muitas vezes há uma resposta não totalmente libertadora para os casos em que os ideais são (quase) apenas uma miragem. É este o caso que estamos a discutir: continuo a achar que a Igreja não tem uma resposta pastoralmente libertadora para estes casos, mas também não vejo que alguém tenha apresentado uma alternativa teologicamente válida. É por isso que é necessário aprofundar a teologia moral e pastoral.

4. O PROBLEMA DO ARREPENDIMENTO E DO PERDÃO "ANTECIPADO". «Imagine-se que matei. Arrependi-me do acto. Fui perdoado. Posso comungar. A seguir, voltei a matar. Fui, ou não, perdoado por antecipação? [...] Mas, quando me separo e não declaro que vou “recasar” com alguém com quem vou viver “como irmãos” [...] não me perdoam e não posso comungar!» Duas coisas:

a) No primeiro caso o homicida foi perdoado do seu primeiro pecado, mas só pode haver perdão se estiver arrependido; se ele disser que está disposto a continuar a matar não pode ser perdoado, porque não há arrependimento. [Ex.: Se um médico que trabalha numa clínica abortiva se confessa de ter praticado abortos mas diz que continuará naquele trabalho, não está em condições de ser perdoado, porque não está realmente arrependido, continua com a intenção de fazer o mesmo.] Mas se um homicida arrependido pede perdão, é perdoado, mesmo que eventualmente venha a cair no mesmo pecado; mas neste caso terá que se confessar novamente pelo segundo pecado, evidentemente. [Há, portanto, que olhar à intenção, ao propósito.]

b) O segundo caso é diferente. O pecado não está necessariamente no divórcio (a pessoa pode não ser culpada pelo divórcio), mas no ter "recasado", no colocar-se institucionalmente em estado de adultério. Mas tal como no primeiro caso era necessário o arrependimento, também este é necessário no segundo caso. Ora, este arrependimento só existe se a pessoa der algum sinal disso; não se pode dizer que possa haver arrependimento se a pessoa continua exactamente na mesma situação de adultério. Ou seja, a pessoa recasada que quer continuar como tal está arrependida de quê? [Poderá dizer que está arrependida de ter casado a primeira vez, mas não é aí que se põe o problema do pecado.]

5. O PROBLEMA DA "INJUSTIÇA" OU DUPLA MEDIDA: «há casos de casais católicos que professam uma vida religiosa normal e que “praticam” o adultério e até (se calhar) confessam os seus pecadozitos dizendo ao confessor que deram uma escapadelazita, etc. mas que estão arrependidos... Consequência: Comungam.» Isso é verdade, mas, como sempre, a responsabilidade é deles. Não é porque a Igreja diga que isso está bem. Creio que o grande problema que os cristãos têm que enfrentar sempre é o da honestidade diante de Deus ou, classicamente, o problema da consciência. Quando dizes: «Como se arroga a Igreja no direito de me julgar?», a Igreja nem ninguém tem o direito de te julgar, mas apenas o dever de tirar do Evangelho consequências práticas. Mas a consciência da pessoa (que deve ser bem formada) é que ultimamente decide. Se, por exemplo, um padre ou um ministro extraordinário da comunhão vê que se aproxima da comunhão uma pessoa que vive em situação considerada "irregular" (por exemplo, apenas casada civilmente, amancebada, etc.), não deve negar a comunhão a essa pessoa (embora em alguns sítios alguns padres o façam). Ninguém tem o direito de julgar ninguém, porque só Deus conhece o coração e ninguém nos encarregou de sermos defensores de Deus.

6. A QUESTÃO DA PREPARAÇÃO. Estou de acordo com o que dizes, quando falas de "compreender e aceitar muito bem". Eu incluo isso na preparação. Preparar bem um casamento significa tomar a decisão até ao fundo, tendo consciência das suas implicações. Significa aceitar que é para sempre; que nem sempre será um mar de rosas, que haverá dificuldades; significa assumir por completo a vida e história da outra pessoa, e não apenas aquilo que me agrada; significa aceitar os próprios defeitos e os da outra pessoa, que muitas vezes tendem a aumentar com a idade... Se não há uma decisão madura, pode acontecer o seguinte: a primeira grande dificuldade não será mais vista como uma "pedra no caminho", mas será interpretada como um sinal de decisão mal feita e a pessoa põe tudo em causa; se a decisão foi bem assumida, a dificuldade será vista como uma "prova" do percurso, mas sabe que a decisão "de fundo" está bem feita, não há que hesitar... Note-se que ninguém se casa com as motivações totalmente purificadas... Nem tudo é amor pela outra pessoa; há nichos mais ou menos importantes de egoísmo; se não existe um querer purificar esse amor (as situações da vida encarregam-se de dar oportunidades...), depressa vai um para cada lado... Ninguém deveria casar sem pensar seriamente nestas coisas...

7. EXCURSO: O PROBLEMA DOS CASAMENTOS NULOS. Se lermos o que diz a Igreja sobre o casamento (veja-se o Catecismo da Igreja Católica, nºs 1601-1666), poderemos concluir que a Igreja apresenta ideais demasiado altos. O casamento católico é algo de muito sério e creio que muita gente não sabe o que está a fazer. Às vezes tenho a impressão que a Igreja Católica facilita demasiado na aceitação a casar tanta gente. Suspeito que uma boa parte das pessoas que se casam pela Igreja não vai com a disposição de se casar para sempre, mas apenas "até ver"; alguns têm a intenção de não ter filhos, mas não o disseram ao outro cônjuge; etc... Ou seja, pessoalmente creio que uma grande parte dos casamentos que se fazem por aí, com grande pompa e muita fotografia são nulos...

Mas a possibilidade de um casamento poder ser nulo é também o que em alguns casos "casamentos falhados" pode abrir a hipótese de "regularização" desta "segunda relação". Ou seja: olhando para trás, haverá algum elemento que possa ser visto como razão suficiente para que o "primeiro" casamento tenha sido nulo? Neste caso, instaura-se um processo num tribunal eclesiástico e pode acontecer que o "primeiro" casamento seja reconhecido como nulo, isto é, como não existente, pelo que os cônjuges estão livres de se casar. Para saber mais sobre isto, o melhor é consultar algum pároco.

8. QUE FAZER? Como esta é para ti uma questão mais que académica ou teórica, importa ver se podes fazer alguma coisa. Podemos eventualmente criticar ou queixarmo-nos do pouco avanço da teologia moral e pastoral nestes campos, mas não há elementos que nos dêem segurança de avançar para outras soluções. Neste caso, importa agir no quadro estreito que nos é apresentado. Aqui vão algumas ideias, ao correr das teclas, sobre o que poderás fazer:

- a via canónica, "externa". Podes sempre tentar investigar se haverá alguma hipótese de que o "primeiro" casamento tenha sido nulo. Isso poderá ser visto conversando com alguma pessoa que conheça bem o Direito Canónico, que te fará algumas perguntas tendentes a procurar algum indício de nulidade. Se, por hipótese, se pudesse provar que não houve casamento, poderias ser declarado "livre". [Mas atenção: se a pessoa com quem vives está nas mesmas condições permanece um impedimento, pois uma pessoa solteira que case com uma pessoa que anteriormente estava casada pela Igreja incorre no mesmo impedimento.] Se depois de um processo canónico se provar a nulidade de um casamento, as partes envolvidas são reconhecidas como livres (reconhece-se que não houve sacramento no "primeiro" matrimónio, pelo que as pessoas continuam solteiras) e podem casar-se e deixa de haver o impedimento aos sacramentos.

- a via "semicanónica" (em gíria canónica: "do foro interno"). A "história" do "viver como irmãos" é ridícula para alguns, mas pode ser uma solução viável para outros casos. Uma vez um padre, especialista em Direito Canónico, disse-me conhecer pessoalmente casos destes. Se os "recasados" estiverem realmente em condições de aceitar tal coisa, poderão "regularizar" a sua recepção da comunhão, ainda que eventualmente seja aconselhável que o não façam na comunidade onde publicamente estavam casados com outra(s) pessoa(s)... Seria eventualmente motivo de escândalo e não têm que dar razões a ninguém de que vivem na mesma casa, mas apenas "como irmãos"...

- a via espiritual, interna. Talvez a maior parte dos "recasados" não consigam o reconhecimento de nulidade do "primeiro" casamento, pelo que a proibição de receber a comunhão permanece. Neste caso, o melhor é procurar falar com um padre (ou outro agente de pastoral que seja competente, que os há) de confiança, de preferência com experiência neste campo e que não seja meramente legalista (estes acabam por não ajudar realmente) nem mero "mangas largas" (a longo prazo traz problemas de consciência e a pessoa sente que não está em paz de consciência). Tal padre deverá ouvir atentamente a tua história, tentar perceber as tuas motivações espirituais e ajudar-te-á a apostar numa determinada "frente". Poderá acontecer que te "autorize" a comungar, mas apenas se encontrar uma razão forte para o fazer. Poderá ver que não há "saída" e nesse caso deverá ajudar-te a descobrir o melhor meio de viveres com esta limitação, que não deverá significar uma barreira ao teu crescimento espiritual. Um bom trabalho neste campo será o de evitar que seja simplesmente o padre a decidir por ti, mas que a decisão seja tomada por ti, depois de uma conversa franca, como duas pessoas que estão na procura sincera da vontade de Deus. Isto significará levares todos os elementos à oração e tomar uma decisão responsável, em consciência... Isto pode parecer muito abstracto, mas é possível de realizar.

9. Recursos: ver o documento da Congregação Para a Doutrina da Fé: <a href=http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_14091994_rec-holy-comm-by-divorced_po.html target=_blank>A Respeito da Recepção da Comunhão Eucarística por Fiéis Divorciados Novamente Casados</a> (1994).

Alef

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 04 de April de 2002 15:36


Alef:

...imensamente grato pelas tuas palavras e "dicas"...

...poderia enveredar por uma de pergunta-resposta mas assim nunca mais acabaríamos de "defender" os nossos pontos de vista...não é que eles não possam convergir, mas penso que "quero" mais do que aquilo que me dão (neste caso, dizem...)

...por isso, imprimi estas palavras que por aqui foram sendo escritas sob o tema sugerido, para ler com mais vagar...imprimi também a carta aberta aos bispos sobre o problema em causa para...aprender...

...na verdade e em última instância é um problema de consciência...

...qualquer dia...um café e continuamos a discutir o assunto...


...até lá, obrigado pelo tempo dispensado


abraço



quim

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 04 de April de 2002 16:56



...terminas esta tua participação, assim:
"Ou será que estamos a perceber mal o que Jesus diz? Por isso é que há que aprofundar a teologia moral e pastoral."

...Exacto!...Penso (apenas penso...) que aquilo que hoje, neste momento digo (não escrevendo) será amanhã dito de outra forma e depois de amanhã duma outra forma também...Nestes termos, é de admitir que tudo aquilo que Jesus disse foi transcrito por homens que, como mortais que eram, poderiam ter escrito de forma diversa o que Jesus houvera dito...No mesmo caso se pode inferir que as Escrituras tenham sido "mal" descritas... Penso (apenas penso...) que naquele tempo Jesus só poderia falar (e falou) por metáforas porque estava a falar para uma inteligência e um entendimento daquele momento e Jesus não é daquele tempo, Jesus é de todos os tempos...

...temos de imaginar que aquilo que hoje o Zé da esquina disse, amanhã ou daqui a 1000 anos terá um sentido totalmente diferente para a época que então será vivenciada...da mesma forma aquilo que foi dito naquela altura teria todo o sentido mas não foi dito imaginando como seria entendido daí a 2000 anos...

...pode continuar a haver coisas que não se entendem ou que tenham sido ditas com outra intenção que não a literal...



...é tudo muito complicado



até mais logo



quim

Igreja Católica não afasta divorciados
Escrito por: Lugo (IP registado)
Data: 23 de April de 2002 15:52

Igreja Católica não afasta divorciados
<a href=http://www.paroquias.org/noticias.php3?id=1899 target=_blank>[www.paroquias.org];

«O bispo de Aveiro, D. António Marcelino, condenou em Águeda a marginalização dos católicos divorciados ou recasados, embora nunca questionasse o disposto no Direito Canónico a esse respeito.»

Re: Igreja Católica não afasta divorciados
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 23 de April de 2002 17:09




...a Igreja "afasta"...o bispo D. António Mrcelino, condenou em Águeda essa marginalização...logo, isto não significa que a Igreja não afasta... mas bem haja esse Bispo que me parece entender um pouco mais sobre o amor cristão, apesar de não questionar (?) o disposto nos cânones...



quim

Re: Igreja Católica não afasta divorciados
Escrito por: Ana Paula Almeida (IP registado)
Data: 09 de May de 2002 22:53

por esta ordem de ideias muito poucas pessoas poderiam comungar...
é como negar o pão aos mais fracos e esfomeados e dá - lo apenas aos que reunam as condições de perfeição e pureza. pobre cristo...

Re: Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 17 de March de 2008 15:28

Chamo de novo este tópico à conversa/leitura, por causa de um «post» da Sónia C. Parece-me que vale a pena (re)ler.

Alef



Editado 1 vezes. Última edição em 17/03/2008 15:33 por Alef.

Carta Aberta à Igreja Católica
Escrito por: quimnogueira (IP registado)
Data: 17 de March de 2008 15:29

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