Ana,
Concluis:
«Não sabia que os padres não absolviam todos ou principalmente os pessoas que abortavam. Foi novidade para mim...».
Mas não foi bem isso que eu disse. Havendo arrependimento e propósito de emenda,
não há pecados «imperdoáveis», mas alguns, dada a sua gravidade (concretamente aqueles que implicam excomunhão), implicam as chamadas «censuras» (de três tipos: excomunhão, interdição e suspensão) e obrigam a um «tratamento» especial. Caindo sobre o penitente uma pena de excomunhão, deverá também ser levantada a excomunhão (o que normalmente se faz através do bispo ou da Santa Sé), levantamento que pode incluir uma fórmula especial (pelo menos isso dizem as minhas «fontes» e baseio-me sobretudo no excelente livro
The Pastoral Companion. A Canon Law Handbook for Catholic Ministry).
De qualquer forma, importa notar que se trata de situações consideradas especialmente graves, pelo que estas «censuras» pretendem ter também um aspecto pedagógico, por causarem especial dano a toda a Igreja e colocarem a pessoa que cometeu o delito fora da Comunhão da Igreja (há aqui uma situação de excomunhão).
De novo, e indo ao caso concreto de aborto: não é um pecado que não se possa perdoar. Mas, dada a sua gravidade, por implicar a pena de excomunhão (a pessoa fica fora da comunhão da Igreja), a sua «resolução» tem uns trâmites especiais.
Em todo o caso, convém não abusar -- como faz alguém por estas bandas -- do «chavão» da excomunhão, que é algo muito sério. Nem todos os casos de aborto implicam
de facto excomunhão! Aproveito esta oportunidade para deixar algumas dicas sobre as condições de excomunhão no caso de aborto. A seguir.
Condições para a excomunhão, em caso de aborto.
São várias as condições para que a pessoa incorra
de facto em pena de excomunhão. O livro
The Pastoral Companion apresenta este tema bastante bem (pp. 145-148). O confessor deverá averiguar se há ou não uma situação de excomunhão (para saber o que fazer) e isso pode-se fazer recorrendo às perguntas ou critérios que se seguem. Só há excomunhão se a resposta a todas as perguntas ou critérios for NÃO.
Eis as perguntas:
1. Foi o caso apenas uma tentativa de aborto que não resultou? Foi um aborto indirecto?
2. Se o penitente foi cúmplice de um aborto, iria o mesmo cometer-se sem a acção do cúmplice ou sem o seu aconselhamento?
[Por exemplo, o médico poderá incorrer na pena, mas
eventualmente não se passa o mesmo com o pessoal de enfermagem que poderá ter um papel «suplementar» e não decisivo. Outro exemplo: um dos pais de uma grávida pode incorrer na mesma pena se o aborto não se realizasse sem o conselho ou sugestão do mesmo.]
3. Desconhecia o penitente que provocar um aborto implicava a pena de excomunhão?
[Poderá dar-se o caso que o penitente saiba que o aborto é um pecado grave, mas nunca tenha ouvido falar de excomunhão...]
4. Era o penitente menor de 18 anos quando se cometeu o aborto?
5. Tinha o penitente desconhecimento da lei canónica?
[Por exemplo, se o penitente foi cúmplice, poderá ter actuado por pensar que só a grávida incorria em pena de excomunhão e não ele próprio.]
6. Foi o aborto acidental e não intencional?
[Pura casuística, no seguinte exemplo ou algo parecido: uma mulher tem como intenção abortar, dirige-se a uma clínica abortiva, no caminho tem um acidente que lhe provoca o aborto...]
7. Tinha o penitente um imperfeito uso da razão?
[Aqui se pode incluir um distúrbio psicológico importante.]
8. Actuou o penitente coagido por medo ou por algum motivo que foi visto como uma enorme necessidade?
[Por exemplo: aqui pode entrar a pressão dos pais ou do namorado sobre a jovem grávida, ou o medo da reacção ecandalizada da sociedade face à gravidez. Aqui entra também o caso em que o médico determinou que para se salvar a vida da mãe teria que se provocar um aborto.]
9. Acreditava o penitente, de forma errónea, que o seu aborto se inseria nas circunstâncias do nº 8?
[Por exemplo, o confessor vê que, de facto, não havia nem pressão suficiente nem perigo da vida, mas o penitente julgava tal coisa no momento do aborto.]
10. Acreditava o penitente, erroneamente, que o aborto foi realizado em auto-defesa e, portanto, justificável?
[Outra situação para os casos para os casos de «perigo de vida da mãe».]
11. Foi a decisão de provocar o aborto feita com falta de adequado uso da razão, por efeito de algum estupefaciente, álcool ou outro elemento que possa ter provocado algum tipo de alteração ou distúrbio mental?
12. Foi o aborto induzido por uma pessoa em séria alteração de humor ou no meio de grande emoção, não voluntariamente estimulada?
Atenção:
• Se a resposta for SIM a qualquer uma destas perguntas, NÃO há um situação de excomunhão.
• Há
excomunhão se a resposta for
NÃO a
TODAS as questões.
Diz ainda o livro que citei (pp. 147-148; sublinhados meus):
Citação:
«If so [=if the person has likely incurred an automatic excommunication], only a bishop, an Ordinary, or canon penitenciary (or his equivalent) can absolve the censure. However, if remaining in a state of serious sin during time necessary for the competent superior to provide a remission would be hard on the penitent, any confessor can remit the censure temporarily.
A good way to continue is for the confessor to arrange for the penitent to return to him at an agreed upon time within the next month, notifying the penitent of the reason for this, namely, that he has the power only to absolve the censure temporarily but he must recourse to someone who has the power for definitive remission. (The penitent can return either in confession or outside it, although if he or she confesses behind the grille it should be presumed that anonymity is desired.) Before the penitent returns, the confessor should request a remission from the local Ordinary, and if the confessor knows the penitent's identity, it should not be mentioned. When the penitent returns, the confessor informs the penitent of the remission.
• In many dioceses, all confessors have the delegated faculty to remit the censure of abortion without recourse».
Em caso de perigo de morte, no caso em que o confessor veria como muito «penoso» para o penitente a espera da «resolução», ou ainda noutros casos especiais, o confessor pode simplificar o processo.
A
infidelidade conjugal não entra nesta categoria.
A
violação directa do segredo de confissão implica excomunhão do confessor em questão e é algo de que não existe notícia, felizmente. Pelo contrário, muitos padres viram-se ameaçados por várias entidades por se recusarem a revelar o segredo de confissão. Alguns até foram mortos por isso. Um dos países que mais dificuldades criou aos padres católicos neste campo foi o Canadá (ignoro como se resolveu a situação), porque segundo a lei em vigor há já bastantes anos, alguém que conhecesse um crime e não o denunciasse seria considerado cúmplice do criminoso, incorrendo em pena de prisão. Assim, pelo menos teoricamente, se se soubesse que um criminoso se tinha confessado depois de um crime a um determinado padre e esse padre não o tivesse denunciado, este padre seria considerado cúmplice, por não ter denunciado, incorrendo em pena de prisão.
Nos EUA (pelo menos em alguns Estados) há algo parecido, mas reserva-se um especial carácter à confissão sacramental. Se um psicólogo, médico, padre, bombeiro, professor, catequista, educador, etc., souber de uma situação de pedofilia, tem um prazo curto para denunciar a situação à polícia, ou arrisca-se a uma pena de prisão que nalguns sítios vai até seis meses. Estas pessoas são, em virtude do seu «ofício», «mandated reporters». Por exemplo, se um paciente disser ao psicólogo que foi violado enquanto menor por um familiar adulto, o psicólogo é obrigado a denunciar o caso à polícia. A única excepção é precisamente a confissão sacramental (mas não a direcção espiritual). Quer isto dizer que realmente só a confissão goza de absoluta confidencialidade diante da lei civil de tais Estados.
Alef