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Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: Luis Gonzaga (IP registado)
Data: 09 de November de 2002 11:38

[Nota: vou dar início a um novo tópico como resposta a uma participação do João Oliveira, na medida em que a minha resposta estará fora do contexto daquele tópico "Convertei-vos dos ídolos ao Deus vivo e verdadeiro...". A participação que dá origem à esta encontra-se em [www.paroquias.org]]

Até certo ponto, posso aceitar que o Catecismo (leia-se Catecismo da Igreja Católica) seja a consequência da Bíblia. Todavia isso não acontece na totalidade. Por isso, ainda hoje fico estupefacto ao ler o parágrafo 2266 do Catecismo: como é possível a Igreja admitir a pena de morte seja em que circunstância fôr? É esta admissão da pena de morte que eu não considero como consequência da Bíblia.

De que ensinamentos do evangelho se deduz essa possibilidade de pena de morte, mesmo que seja em casos de extrema gravidade?

Para que não discutamos o assunto no plano abstracto, costumo dar o exemplo de Adolfo Hitler. Provavelmente o ser humano mais próximo de nós, no sentido temporal, que menos pessoas teriam o problema em o condenar com a pena de morte. Pergunto: quem nos garante que na hora da sua morte, não teve o dom de se arrepender de tudo o que de errado fez, de todas as mortes que causou, e que por isso lhe foram perdoados os seus pecados?

Luis

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 19 de November de 2002 18:50


O Catecismo NÃO É de modo algum uma "consequência" da Bíblia. Se ambas são "consequências" de alguma coisa, é da IGREJA instituída por Jesus Cristo.

Não havia Escritura quando os Apóstolos saíram a pregar, nem tudo o que Cristo realizou e disse nela está escrito. Jesus nunca ordenou que se "escrevesse", mas que se pregasse: e que se pregasse não o que ele e os Apóstolos teriam escrito, mas simplesmente o que Ele DISSE e o que era crido por eles. A Escritura, em particular o NT, é o relato primordial e fundamental de tudo quanto ficou registado do que Jesus fez e disse, bem como da vida da Igreja nas primeiras décadas. A Igreja primitiva tinha Pedro como autoridade definitiva e também a de hoje o tem, nos seus sucessores. O que a Igreja ensina é transmitido de geração em geração e mantido e conduzido pelo poder que lhe é dado por Deus. Mas isto é assunto para outro tópico.

Quanto à pena de morte, é facilmente refutável, Luís. Para já, porque a Igreja NÃO ADMITE A PENA DE MORTE SEJA EM QUE CIRCUNSTÂNCIA FOR!! Nada disso está escrito no Catecismo, muito pelo contrário. Basta ler do 2263 ao 2267!

A "pena de morte" não é para ser tomada como condenação, mas como defesa. A Igreja nunca condenou ninguém ao Inferno, mas achou sim "condenável" as suas práticas: e que Deus tenha piedade das suas almas... A Igreja canoniza, mas não "endemoniza"... Até mesmo quando os condenou civilmente, em julgamentos bastante tendenciosos, isso não implicou uma condenação real. Nem na excomunhão isso acontece: apenas se confirma que a pessoa está enganada ou é maldosa, mas não se condena inteiramente, como se a julgássemos para a vida eterna em nome de Deus. Os católicos acreditam que o julgamento de Deus, inflamando o pecador em amor e atraíndo-o a Ele, apesar de todas as suas faltas, é capaz de elevar a alma até Deus, sendo agraciado por Ele com a sua misericórdia e salvação. Não é a condenção eterna que está em causa. O que está em causa é a preservação do bem comum, usando o recurso à violência assassina em ÚLTIMO CASO, como forma última de conter o mal provocado pelos indivíduos.

Matarias alguém em auto-defesa, Luís? Se sim, isso é uma autêntica condenação à morte, praticada de imediato e na sequência do perigo. A única coisa que a Igreja ensina e que pareces não compreender é que a pena de morte seja aplicada APENAS nos casos em que a contenção do mal não seja de NENHUM OUTRO MODO inteiramente possível, tendo em vista o bem comum. É que o "não matarás" aplica-se também aos criminosos! Quando eles não correpondem de forma nenhuma, então temos que pecar, embora justificadamente, tirando-lhe a vida.

Mas então, se este é o único ponto em que discordas do Catecismo, concordas em que o Magistério, devidamente confirmado pelo Papa, seja infalível. O que é, de facto, a base para tudo quanto se diga com autoridade: incluindo decidir QUAIS livros fazem parte da Bíblia. Ou seja, só homens infalíveis estabeleceriam um cânone bíblico que é não só infalível no seu conteúdo autêntico (que aliás, também necessita de uma interpretação e explicação catequética infalível), mas também na sua globalidade, enquanto "lista de livros inspirados". Pois se não fosse o Magistério, seriam ainda uma colecção de livros considerados "mais ou menos" inspirados, tal como os escritos apócrifos (e há tantos!)...

Logo, se queres discordar de algo, colocas em causa o próprio Magistério, colocas em causa a própria autenticidade dos livros que tens na tua Bíblia, e colocas em causa tudo quanto acreditas acerca de Jesus Cristo, apesar de as verdades explícitas no Catecismo seguirem uma hierarquia, sendo o Magistério o seu garante - e as doutrinas que estão explícitas no Catecismo estão já tão edificadas que é impossível conseguirmos manter, legitimamente, uma discordância verdadeira que nos provocasse considerar que o Catecismo é apenas uma "boa tentativa" para explicar a Bíblia, de tal modo que fosse apenas uma sua "consequência"...

Não, o Catecismo não é uma "consequência" da Bíblia. Aliás, a própria Bíblia é sim uma "consequência" da PALAVRA DE DEUS, Jesus Cristo, por Quem tudo nos foi dito acerca de Deus. O que o Magistério realiza hoje é a preservação e autenticação do desenvolvimento da doutrina que vamos realizando, concebendo com maior profundidade o Mistério de Jesus Cristo, que é Deus. Assim como preservou e autenticou as próprias Escrituras Sagradas, pelo poder que lhe foi confiado por Deus.

Que o Espírito Santo nos possa abrir os olhos da alma para a compreensão das verdades eternas!
João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 19 de November de 2002 19:06


E para que não hajam dúvidas acerca deste assunto, aqui ficam os esclarecimentos que penso serem suficientes, da Encíclica Evangelium Vitae, a este respeito (§ n.ºs 55, 56, 57 - excluo as notas e sublinho algumas passagens):

55. Não há de que se maravilhar! Matar o ser humano, no qual está presente a imagem de Deus, é pecado de particular gravidade. Só Deus é dono da vida! No entanto, frente aos múltiplos casos, frequentemente dramáticos, que a vida individual e social apresenta, a reflexão dos crentes procurou sempre alcançar um conhecimento mais completo e profundo daquilo que o mandamento de Deus proíbe e prescreve. Com efeito, há situações onde os valores propostos pela Lei de Deus parecem formar um verdadeiro paradoxo. É o caso, por exemplo, da legítima defesa, onde o direito de proteger a própria vida e o dever de não lesar a alheia se revelam, na prática, dificilmente conciliáveis. Sem dúvida que o valor intrínseco da vida e o dever de dedicar um amor a si mesmo não menor que aos outros, fundam um verdadeiro direito à própria defesa. O próprio preceito que manda amar os outros, enunciado no Antigo Testamento e confirmado por Jesus, supõe o amor a si mesmo como termo de comparação: « Amarás o teu próximo como a ti mesmo » (Mc 12, 31). Portanto, ninguém poderia renunciar ao direito de se defender por carência de amor à vida ou a si mesmo, mas apenas em virtude de um amor heróico que, na linha do espírito das bem-aventuranças evangélicas (cf. Mt 5, 38- 48), aprofunde o amor a si mesmo, transfigurando-o naquela oblação radical cujo exemplo mais sublime é o próprio Senhor Jesus.

Por outro lado, « a legítima defesa pode ser, não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outrem, do bem comum da família ou da sociedade ». Acontece, infelizmente, que a necessidade de colocar o agressor em condições de não molestar implique, às vezes, a sua eliminação. Nesta hipótese, o desfecho mortal há-de ser atribuído ao próprio agressor que a tal se expôs com a sua acção, inclusive no caso em que ele não fosse moralmente responsável por falta do uso da razão.

56. Nesta linha, coloca-se o problema da pena de morte, à volta do qual se regista, tanto na Igreja como na sociedade, a tendência crescente para pedir uma aplicação muito limitada, ou melhor, a total abolição da mesma. O problema há-de ser enquadrado na perspectiva de uma justiça penal, que seja cada vez mais conforme com a dignidade do homem e portanto, em última análise, com o desígnio de Deus para o homem e a sociedade. Na verdade, a pena, que a sociedade inflige, tem « como primeiro efeito o de compensar a desordem introduzida pela falta ». A autoridade pública deve fazer justiça pela violação dos direitos pessoais e sociais, impondo ao réu uma adequada expiação do crime como condição para ser readmitido no exercício da própria liberdade. Deste modo, a autoridade há-de procurar alcançar o objectivo de defender a ordem pública e a segurança das pessoas, não deixando, contudo, de oferecer estímulo e ajuda ao próprio réu para se corrigir e redimir.

Claro está que, para bem conseguir todos estes fins, a medida e a qualidade da pena hão-de ser atentamente ponderadas e decididas, não se devendo chegar à medida extrema da execução do réu senão em casos de absoluta necessidade, ou seja, quando a defesa da sociedade não fosse possível de outro modo. Mas, hoje, graças à organização cada vez mais adequada da instituição penal, esses casos são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes.

Em todo o caso, permanece válido o princípio indicado pelo novo Catecismo da Igreja Católica: « na medida em que outros processos, que não a pena de morte e as operações militares, bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a paz pública, tais processos não sangrentos devem preferir-se, por serem proporcionados e mais conformes com o fim em vista e a dignidade humana ».

57. Se se deve mostrar uma atenção assim tão grande por qualquer vida, mesmo pela do réu e a do injusto agressor, o mandamento « não matarás » tem valor absoluto quando se refere à pessoa inocente. E mais ainda, quando se trata de um ser frágil e inerme que encontra a sua defesa radical do arbítrio e da prepotência alheia, unicamente na força absoluta do mandamento de Deus.

De facto, a inviolabilidade absoluta da vida humana inocente é uma verdade moral explicitamente ensinada na Sagrada Escritura, constantemente mantida na Tradição da Igreja e unanimamente proposta pelo seu Magistério. Tal unanimidade é fruto evidente daquele « sentido sobrenatural da fé » que, suscitado e apoiado pelo Espírito Santo, preserva do erro o Povo de Deus, quando « manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes ».

Face ao progressivo enfraquecimento, nas consciências e na sociedade, da percepção da absoluta e grave ilicitude moral da eliminação directa de qualquer vida humana inocente, sobretudo no seu início e no seu termo, o Magistério da Igreja intensificou as suas intervenções em defesa da sacralidade e inviolabilidade da vida humana. Ao Magistério pontifício, particularmente insistente, sempre se uniu o Magistério episcopal, com numerosos e amplos documentos doutrinais e pastorais emanados quer pelas Conferências Episcopais, quer pelos Bispos individualmente. Não faltou sequer, forte e incisiva na sua brevidade, a intervenção do Concílio Vaticano II.

Portanto, com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, em comunhão com os Bispos da Igreja Católica, confirmo que a morte directa e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. Esta doutrina, fundada naquela lei não-escrita que todo o homem, pela luz da razão, encontra no próprio coração (cf. Rm 2, 14-15), é confirmada pela Sagrada Escritura, transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magisterio ordinário e universal.

A decisão deliberada de privar um ser humano inocente da sua vida é sempre má do ponto de vista moral, e nunca pode ser lícita nem como fim, nem como meio para um fim bom. É, de facto, uma grave desobediência à lei moral, antes ao próprio Deus, autor e garante desta; contradiz as virtudes fundamentais da justiça e da caridade. « Nada e ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante. E também a ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou para outrem confiado à sua responsabilidade, nem sequer consenti-lo explícita ou implicitamente. Não há autoridade alguma que o possa legitimamente impor ou permitir ».

No referente ao direito à vida, cada ser humano inocente é absolutamente igual a todos os demais. Esta igualdade é a base de todo o relacionamento social autêntico, o qual, para o ser verdadeiramente, não pode deixar de se fundar sobre a verdade e a justiça, reconhecendo e tutelando cada homem e cada mulher como pessoa, e não como coisa de que se possa dispor. Diante da norma moral que proíbe a eliminação directa de um ser humano inocente, « não existem privilégios, nem excepções para ninguém. Ser o dono do mundo ou o último "miserável" sobre a face da terra, não faz diferença alguma: perante as exigências morais, todos somos absolutamente iguais ».




Resta-me afirmar que acho absolutamente espantosa a veleidade (ou talvez simples e inconsciente ignorância e ingenuidade) com que se interpreta a doutrina da Igreja, pelos próprios católicos... Não se conhece, só se quer saber dela quando é para se justificarem, e depois ficam muito chocados com a que Igreja ensina, expresso no Catecismo.

Ao ponto de alguns o considerarem como uma mera "consequência" da Escritura... Porque, definitivamente, não tem nada a ver com a sua fé (mas onde é que a foram buscar, pergunto eu...)!


João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 19 de November de 2002 19:08


Já agora, pode encontrar-se a Encíclica completa aqui.

João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: Luis Gonzaga (IP registado)
Data: 19 de November de 2002 23:39

Nem sei por onde começar...

Bem, João, após ler aquilo que escreveste só consigo chegar a uma conclusão imediata: «Estamos decerto a falar de Catecismos da Igreja Católica diferentes». É que no meu Catecismo, no parágrafo 2266, lê-se o seguinte, e vou citá-lo completamente para que não haja dúvidas:
Citação:
«Preservar o bem comum da sociedade pode exigir que se coloque o agressor em estado de não poder fazer mal. A este título, reconheceu-se aos detentores da autoridade pública o direito e a obrigação de castigar com penas proporcionadas à gravidade do delito, incluindo a pena de morte em casos de extrema gravidade, se outros processos não bastarem. Por motivos análogos, foi confiado às autoridades legítimas o direito de repelir pelas armas os agressores da cidade.
As penas têm como primeiro efeito o de compensar a desordem introduzida pela falta. Quando a pena tem como efeito, além disso, preservar a ordem pública e a segurança das pessoas. Finalmente, tem também valor medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.»

É impressão minha ou está lá escrito "incluindo a pena de morte em casos de extrema gravidade"? Talvez, como cristão, estivesse à espera que a Igreja dissesse algo do género "embora não incluindo a pena de morte, mesmo em casos de extrema gravidade". Pois se a vida é um dom de Deus, só Deus nos dá a vida, só Deus nos a pode tirar.

Aquilo que me deixou mais espantado foi quando dizes que "O Catecismo NÃO É de modo algum uma "consequência" da Bíblia." Ora, se não é consequência da Bíblia é consequência de quê? Se o Catecismo não é consequência da Palavra de Deus, da Sagrada Escritura é consequência de quê?

Porventura pensarás que a Igreja elabora um Catecismo, para divulgar a sua doutrina, doutrina essa que não tenha como base a Sagrada Escritura? Se não baseamos a nossa doutrina na Palavra de Deus, baseamo-la em quê? Na palavra dos homens?

Não conheço de forma profunda o Catecismo de capa a contra-cap. Decerto haverá outros pontos com os quais não me sinta tão identificado como com outros. Este, o da pena de morte, do parágrafo 2266, é o mais relevante.

Fico a aguardar as tuas respostas para as questões que aqui te coloco.

Luis

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: Tozé Monteiro (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 14:59

Luís:
A propósito do actual catecismo, que já sofreu mais de sessenta modificações desde que foi publicado ( mesmo as verdades imutáveis carecem de correcções frequentes...), comungo plenamente das considerações do padre Vasco Pinto Magalhães.
Segundo ele, a grande"ilusão" ácerca do catecismo da igreja é a crença errónea de que deve ser aplicado "à letra", sem qualquer interpretação, reflexão e adaptação a cada comunidade eclesial ou pessoas.
O Catecismo, (assim como as encíclicas) são apenas considerações gerais, grandes linhas de orientação da igreja que carecem de interpretação e integração contextual.
Peço desculpa de não fazer a citação exacta porque de momento não tenho aqui o livro, mas concordo em absoluto com o padre Vasco.
Quanto á pena de morte, qualquer ser humano com um mínimo de formação cívica é contra pena de morte. Os cristãos, atendendo aos valores personalistas que defendem, não podem , em consciência defender esta medida.
A Igreja deveria ter uma atitude firme contra esta barbárie. Não se compreende como é que os lindos discursos da "cultura da vida" são compatíveis com este parágrafo do Catecismo. Trata-se de mais uma contradição moral e teológica....A pena de morte nada tem a ver com a legítima defesa! A pena de morte é um homicídio premeditado e atroz, que não tem muitas vezes um nexo causal com a agressão, pelo menos temporalmente. O que é atroz é não apenas o homicídio mas a tortura psicológica a que é submetido p orisioneiro, a mente consciente que se paercebe, minuto a minuto do aproximar do seu fim.
Legítima defesa é outra coisa completamente diferente.

ana

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 17:36


É necessário esclarecer que o Catecismo é uma pedagogia da fé, e faz-se o melhor que se pode. Em questões de linguagem e exposição da doutrina, sempre se pode reformular, interpretando sempre melhor a Tradição.

Mas Luís, o Catecismo actual não tem nada disso escrito. Não será essa a 1.ª Edição? Há duas edições do Catecismo (a segunda, em Português, de 1999). Esse n.º 2266 está mesmo confuso e mal redigido! É o que dá em questões complexas como esta! Por isso foi reformulado. Aliás, a reflexão abrangente e coerente da Evangelium Vitae (de 1995) provocou mais exigência neste campo das ofensas à vida e as circunstâncias pelas quais se pode legitimamente acabar com a vida de alguém para preservar o bem comum. Nada se mudou em termos de "verdades imutáveis", mas na compreensão e ensinamento de doutrinas sociais e jurísdicas.

Não é a Igreja que está a fazer as leis dos países onde existe a pena de morte. Logo, a Igreja não promove a pena de morte em toda e qualquer circunstância, mas segundo uma contextualização moral muito mais abrangente. Regra geral, os países onde a pena de morte é aplicável, usam-na muitas vezes de forma abusiva.

Encarar o Catecismo e as Encíclicas como generalistas é falso, tanto como conceder-nos a nós próprios o direito de, na prática, os contradizer. Isso não faz sentido. No Catecismo tal como nas Encíclicas há expressões muito óbvias e incontornáveis, como "intrinsecamente mau" por exemplo.

Voltando agora à questão Escritura, é interessante que se use a questão da pena de morte! Até a Lei do AT precisou de ser levada à perfeição por Cristo...

Já agora, fazes ideia de quantos protestantes, baseados absolutamente na Escritura, aceitam plenamente a pena de morte, o aborto e a eutanásia? Existem líderes de igrejas que trabalham em clínicas de aborto por acharem que estão a proteger os injustiçados que seriam obrigados a suportar um filho indesejado...

Não estás a par da Tradição e da sucessão apostólica. A importância dos seminários e da comunhão episcopal reside aí: compreende-se a verdade pela pregação e compreensão comum do que se ensina. Vai-se avançando na definição dogmática através do estudo, da oração e das revelações de Deus, correctamente discernidas pelo Magistério, que têm ocorrido ao longo da História. Foi isso que aconteceu com os Apóstolos.

Mas se até a Bíblia precisa de interpretação, como pode ela ser infalível a não ser por uma interpretação também infalível? E como pode ela dar testemunho de um "depósito de fé" que a ultrapassa? As cartas eram a doutrina professada oralmente. A única coisa que se escreveu como "ensinamento" para a memória foram os Evangelhos e os Actos. As cartas são, acima de tudo, exposições da doutrina apostólica para a formação dos fiéis em cada Igreja, ensinamentos que só estão escritos porque o autor a elas não pôde chegar para o comunicar atempadamente, ou avisando da sua chegada, ou porque não era necessário, ou porque a distância era grande.

A Palavra de Deus é Jesus Cristo, O Verbo Encarnado! Sendo que Deus sempre nos comunicou

Continuas a defender a "Sola Scriptura", Luís... Por isso, uma ou outra Igreja não te faz diferença. Mas deves compreender que isso não é assim: os católicos acreditam MESMO na infalibilidade do Papa. Falaremos sobre isso no outro tópico.

João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 18:01


Para nos esclarecermos, afinal, em relação à pena de morte, eu vou colocar aqui a citação do Catecismo que está no meu. Já o vi em várias línguas e nuns, presumo que sejam os mais actuais, a segunda frase do 2266 acaba sem o "incluindo a pena de morte em casos de extrema gravidade, se outros processos não bastarem".

Porque, de facto, esta questão de admitirmos a pena de morte em circunstâncias extremas ou de não a admitir apesar de tudo, tem que ver com a capacidade de se evitar que essa pessoa volte a provocar o mal e com a capacidade de a transformar.

Ora, hoje em dia, existem muitas mais possibilidades para efectuar tal preservação do bem comum. Assim, a Igreja reformulou esta doutrina pois novas possibilidades expiatórias e "medicinais" ou terapêuticas estão hoje acessíveis. Em nada se alterou a verdade acerca da vida humana, mas as condições tecnológicas pelas quais se podem preservar os inocentes. Logo, não faria sentido sustentar ainda esse recurso extremo. No entanto, as nações não se aperceberam disso tão bem e ainda o mantém, prometendo continuar... É que ainda existem muitas ideologias malthusianas e capitalistas por aí, promovendo o aborto, a eutanásia, a contracepção, a estirilização e até a pena de morte. Afinal, derivam todas da mesma mentalidade.

A Igreja vai dedicando cada vez mais atenção no discernimento dos casos particulares, de tal modo que a nossa "interpretação privada" da Escritura e da doutrina da Igreja se vão estreitando. Talvez sejam os próprios leigos quem mais precisa de corrigir frequentemente os seus preconceitos imutáveis em relação à Igreja...

Já agora, Ana, o livro do Pe. Vasco Pinto de Magalhães de que falaste é "O Olhar e o Ver"?

João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 18:44

O livro é uma reprodução de um programa de radio muito interessante : " Pinto Magalhães, Vasco - "Nem Quero crer", 2ªedi.; Edições
Tenacitas,Coimbra, 2002
Vale a pena ler.


ana

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 19:01


Ah! Eu vi esse título e fiquei desde logo curioso... Gosto bastante de apologética... :o) Aliás, todos nós gostamos de compreender e defender bem aquilo em que acreditamos. No meu caso, tenho de me estar sempre a convencer de novo!

O problema da popularidade cá em Portugal como noutros países é que o mais popular é o que é mais confortável. Devemos lembrar-nos sempre que seguir a Cristo não é nada confortável: mas reconfortante!

O outro livro de que falei deve ser do mesmo género, é uma colecção de textos editados ou de conferências, num estilo muito oral.

Que programa de rádio é esse?

João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 20:28

Luís,
tens o catecismo errado:

"LEGÍTIMA DEFESA
2263 - (...)
2264 - (...)
2265 - (...)
2266 - (...)
2267 - A doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de morte, SE ESTA FOR A ÚNICA SOLUÇÃO POSSÍVEL PARA DEFENDER EFICAZMENTE VIDAS HUMANAS DE UM INJUSTO AGRESSOR.
Contudo, se processos não sangrentos bastarem para defender e proteger do agressor a segurança das pessoas, a autoridade deve servir-se SOMENTE desses processos, porquanto correspondem melhor às condições concretas do bem comum e são mais consentâneos com a dignidade da pessoa humana.
Na verdade, nos nossos dias, devido às possibilidades de que dispõem os Estados para reprimir eficazmente o crime, tornando inofensivo quem o comete, sem com isso lhe retirar definitivamente a possibilidade de se redimir, OS CASOS EM QUE SE TORNA ABSOLUTAMENTE NECESSÁRIO SUPRIMIR O RÉU SÃO JÁ MUITO RAROS, SE NÃO MESMO PRATICAMENTE INEXISTENTES."

Trata-se efectivamente de uma disposição relativa à legítima defesa.

João (JMA)

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 21:07


E esta última frase foi retirada da Evangelium Vitae, 1995, no ponto 56, que já citei e sublinhei aqui.

Bem, já que o João (JMA) [como é que te posso chamar, João...? JMA é muito impessoal! :o)] se antecipou, não se torna necessário fazer a citação do 2266, ao qual, como já disse, foi retirada a expressão "incluindo a pena de morte em casos de extrema gravidade, se outros processos não bastarem".

Então confirma-se: num Catecismo desactualizado (1993?) considerava-se aceitável a pena de morte. Hoje em dia (penso que em 1998), a Igreja reavaliou as capacidades tecnológicas para tornar inexistentes as circunstâncias em que a pena de morte fosse absolutamente necessário e conclui que são, hoje, "praticamente inexistentes".

Foi devido a isso que se gerou toda esta confusão...? A Igreja em nada contradiz o Evangelho, a não ser nos seus pecados, faltando com aquilo que ela mesma ensina. Isso não é hipocrisia, mas fraqueza humana e falta de fervor apostólico.

A pena de morte é por vezes cruel, o qual a Igreja também repudia. Como já disse, não é a Igreja que faz as leis civis, nem fabrica as prisões... Portanto, não se pode culpar a Igreja de defender o tratamento que é dado actualmente a prisioneiros condenados à morte, nem o seu julgamento.

João

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 21:23

Aguardo novas actualizações do catecismo!!Parece que a doutrina da Igreja muda mais depressa do que muitos julgam... :-))

A Igreja não faz as leis civis, mas opoe-se a elas em algumas circunstâncias. Gostaria de ver a Igreja a pronunciar-se mais firmemente contra a pena de morte e outras práticas horríveis como a tortura e a mutilação de seres humanos...

ana

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 21:55

João,
Podes-me chamar João, só assino daquela forma para que exista distinção visível e não gere confusão.

A parte final do último parágrafo aparece efectivamente entre aspas com a referência em nota: João Paulo II. Enc Evangelium Vitae, 56

Ana,
Igreja somos todos nós. Daí que "mexe-te".

E por exemplo nos EUA onde existe a pena de morte as vozes mais organizadas contra a mesma são efectivamente as da Igreja Católica.

Deve ser uma luta das respectivas Conferências Episcopais, em meu entender, que não têm de estar à espera de nenhuma tomada de posição do Vaticano.

Apesar do Magistério, que era igualmente um tópico interessante para discutir.

É claro que em Portugal discutir a pena de morte é um pouco disparatado...

E isto quer dizer que em Portugal a cultura e a sociedade se encontram de tal forma impregnadas do humanismo cristão e católico que este tema - pena de morte - é definitivamente fechado e rejeitado.

Significa, em meu entender, que a população portuguesa é efectivamente católica, apesar da sua ausência das missas.

Mas isto são "contos mais largos".

João (JMA)

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 22:05



João:
Essa leitura é um bocado forçada... Quando muito poderemos dizer que nós portugueses somos humanistas....
quanto a "mexer-me", não tenho muitas hipóteses, mas aproveito algumas!!! A hierarquia da Igreja não é muito atreita a grandes "mexidas"...
ana

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: Luis Gonzaga (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 22:23

JMA,

Talvez tenha um catecismo "antigo". Talvez seja o resultado de ter comprado dois dias depois de ter sido lançado ao público. Vou consultar uma edição mais recente, que pelos vistos, já inclui algumas alterações.

Luis

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 22:28

Ana,

É uma leitura para gerar discussão, mas não tão forçada quanto isso.

Tens razão "nós portugueses somos humanistas". Mas porquê?

Vejamos:
De onde achas que é originário o humanismo? Da revolução francesa?
(o meu amigo Robespierre está a dizer-me que sim)

Ou vem da nossa costela lusitana?

Ou é um "acidente do destino"?

Ou é um conjunto de factores sociais, culturais, económicos e históricos, etc, que nos fizeram assim?

João (JMA)

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 22:33

Quem sabe se não teremos umgene lusitano... LOL


ana

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 22:36

Sim, o humanismo, tal como hoje o concebemos tem a sua origem na revolução francesa, embora possas ir também buscá-lo aos gregos e romanos, e, mais tarde ao renascimento... Mas de uma forma muito mitigada...

ana

Re: Catecismo como consequência da Bíblia
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 20 de November de 2002 22:52

Para um facto que deu origem ao humanismo, a Revolução Francesa não foi muito humanista.
(o meu amigo Robespierre repete as apologias - apagadas pela inquisição residente no site - dos factos ocorridos quando da revolução - as quais me dispenso de reproduzir por razões de "delete").

Porém na pátria da dita revolução, bem como na pátria da revolução subsequente - os EUA - a pena de morte não foi abolida de seguida.

Se me não engano, em França manteve-se para crimes militares já depois da 2ª Guerra Mundial.

E nos EUA, continua.

Em meu entender a diferença está no Humanismo Português, que aproveitou as ideias boas da Revolução Francesa (tb as houve) e as temperou com o humanismo cristão, com os citados resultados.

(Com a óbvia colaboração lusitana "Se a alma que sente e faz conhece ...")

João (JMA)

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