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Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 25 de January de 2005 17:58

Aqui fica um novo tópico, um pouco mais ligeiro quanto a dialécticas, mas que me parece de enorme importância. Seria bom que todos deixassem o seu contributo, com alguma justificação, se assim o entenderem.

A questão é a seguinte:


De toda a Bíblia,
qual o texto ou versículo que me toca mais profundamente?


(Opcional:) Porquê?

Não se trata de passarmos agora a colar textos, uns atrás dos outros. Seria melhor que não o fizéssemos, sobretudo se são grandes (a menos que seja apenas um, dois ou três versículos). Trata-se, pelo contrário, de dar um pouco de espaço a uma certa partilha. Basta referir aquele texto que me toca mais "visceralmente" e, se se achar bem, deixar algumas notas sobre o porquê. Para muitas pessoas esse(s) texto(s) é(são) algo de fundante na própria vida, sobretudo se há alguma ligação a algum acontecimento biográfico, mas, evidentemente, não é preciso descer a pormenores "indiscretos".

Poderá haver a tentação de dizer que toda a Bíblia é importante e favorita, ou que se tem um montão de textos preferidos... Não acredito muito nisso... Aqui fica, pois, o desafio, a "decantar". Um texto! Dois, no máximo!

Também darei o meu contributo.

Alef

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 26 de January de 2005 03:12

Ora bem, então começo eu... ;-)

Há dois textos que me tocam de uma forma muito “visceral”, mas vou cingir-me a um.

Trata-se de Lc 24:13-35, o conhecido episódio dos discípulos de Emaús.

Dizer o porquê é um pouco mais difícil, porque poderia nunca mais terminar e nem poderia dizer tudo. E terei que ficar sempre por metáforas... De alguma forma vivi este texto e nele encontro inspiração que nunca mais acaba ;-)

Como é evidente, o que digo a seguir não se presta a “contraditório” (na mensagem inicial sugeri que déssemos neste tópico algum espaço de partilha), mas pode ser comentado, com o respeito e a delicadeza que uma mensagem mais pessoal merece ;-) E espero que a minha partilha encoraje outros a fazê-lo, com toda a simplicidade.

A forma como vivi este texto é aparentemente uma experiência demasiado banal, pelo menos, para quem está fora. Mas, inesperadamente, não foi. Naturalmente, omito alguns detalhes.

Após uma experiência espiritual bastante forte (chamemos-lhe o “meu Tabor”), que me permitiu entrar um pouco mais a fundo no “mundo” da oração pessoal, veio, um pouco depois, um tempo de bastante aridez e talvez de algum “incompreensível” esfriamento da minha fé. Tudo aquilo que antes tinha sido vivido como uma grande proximidade de Deus, muito consolada, me apareceu, quase de repente, como um enorme sem-sentido. Veio, entretanto, uma nova oportunidade de “revisitar”, em escala mais pequena, esse “Tabor”, que desta vez não era muito mais do que uma boa hora de oração pessoal.

Lembro-me que tive então uma luta interior quase terrível: Iria essa hora “reaproximar-me” do “Tabor perdido”? Não seria uma hora perdida do meu precioso tempo?... Para quê a oração? Não seria tudo um engano? No meio desta luta inicial, acabei por decidir fazer aquilo a que me propusera antes e, indo contra o apetite do momento, dispus-me então dedicar aquela hora à oração, com a generosidade possível. Não encontrei imediatamente o que talvez buscasse... Não foi propriamente a experiência do “quentinho” que “idealmente” sonhara...

A surpresa veio depois.

Na verdade, no final daquela hora, percebi que algo de novo se tinha passado, mas que ainda não conseguia identificar. E passados tantos anos as palavras ainda me falham – foi uma experiência sobretudo intuitiva e ao descrevê-la discursivamente atraiçoo-a sempre –, mas poderei dizer que aos poucos começava a ganhar consciência de uma densidade de Presença que acontecera naquela hora que só o notava no final. Algo que iluminava aquela hora de aparente desolação e que dava sentido a toda a experiência de aridez que vivera depois do “meu Tabor”. Tinha valido a pena “percorrer” esse “caminho sombrio” dessa hora!

Veio-me então à mente o episódio dos discípulos de Emaús e a sua exclamação: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» (Lc 24:32). Vi-me imediatamente em sintonia com esses discípulos que, depois da morte de Jesus, viravam costas a Jerusalém (=a cidade de Deus), frustrados, sombrios, tristes, desolados...

Mas, tal como eles em Emaús, também eu percebia AGORA (importante este “agora”) que também eu não estivera sozinho no meu “caminho sombrio”... Ao dar-me conta neste AGORA que Ele estivera presente ANTES (mesmo que nessa altura eu não o tivesse percebido), ficava a “ver” que as “sombras” do ANTES não tinham sido a última palavra sobre a minha vida.

E podia “entrever” que as do presente também não o seriam. Tal como aconteceu no passado, daqui a pouco vou reconhecer que Ele estava antes, isto é, agora... Se eu não O “vejo” agora e sei que O vou reconhecer mais tarde, porque não faço este “voto de confiança” de que Ele está aqui, agora, mesmo que não o “veja”? Aqui encontrei algo muito mais forte que a “aposta pascaliana”... [E Deus nunca me defraudou...]

Esta “descoberta” – existencial e não propriamente lógica, como a “descrição” poderia fazer crer – marcou para sempre a minha vida. Para o dizer telegraficamente, encontro aqui uma fonte inesgotável de optimismo e fé. É uma espécie de fonte primordial onde vou muitas vezes.

Por isto, este é o "meu" texto! Ali está parte do meu “segredo”!...

Alef

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Ana (IP registado)
Data: 26 de January de 2005 05:01

Alef

Porquê, não vais para padre ou religioso?:) Não andarás na profissão errada?

Viste, eu já deixei uma semente:)

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 26 de January de 2005 11:44

Ana:

Agradeço a "sugestão", mas... Não, não ando na profissão errada... "Penso eu de que" ;-)

Mas, voltando, ao tópico, não queres deixar aqui o teu contributo? Um, texto? Um versículo?

Ânimo!

Alef

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 26 de January de 2005 14:49

Vou tentar responder ao repto do Alef, embora peça desculpas desde já pela humildade do contributo, pois não tenho cultura bíblica suficiente para fazer grandes interpretações teológicas nem tenho formação nesta área. É apenas um reflexão pessoal.
Um dos textos do Evangelho que mais me diz é o da "mulher adúltera".
Isto porque é um relato muito vivo, quase "jornalístico" de uma situação comum. Ia a escrever comum no tempo de Jesus, mas corrijo. É uma situação comum no nosso dia a dia.
Trata-se do julgamento público de uma mulher que cometeu um interdito moral, um Pecado, um crime religioso – o adultério. Nessa altura, e ainda hoje, em certas zonas do mundo onde se pratica a lei religiosa dos tempos bíblicos, depois copiada pelo Corão, a sharia., as mulheres são apedrejadas até à morte por este "pecado". Às vezes são enterradas até à cintura antes do apedrejamento, outras vezes até ao pescoço, outras vezes não. O tamanho das pedras também está previsto pela lei religiosa – não podem ser suficientemente grandes para provocar uma morte imediata nem demasiado pequenas para que o seu tamanho inflija sofrimento.
Esta prática bárbara, ainda em vigor em alguns países islâmicos onde não existe separação entre Religião e o Estado é uma morte violenta, cruel e dolorosa.
Jesus Cristo, vê-se de repente confrontado com uma execução pública, uma morte ritual que alguém considerado como "pecadora " e "impura" pela comunidade onde vivia., precisamente porque tinha infringido uma lei de um código de comportamento da moral sexual de então. Esse código rezava que a mulher, enquanto propriedade de um homem, não pode ser partilhada por mais que um, sob pena de ser "adúltera", nem tem qualquer tipo de autonomia para auto regular a sua vida sexual.
Que fez Jesus?
Podia ter-se alheado da questão. Não era politicamente correcto, nem traria muitos benefícios para o seu projecto de evangelização entrar em confronto com os poderes morais instituídos – os sacerdotes e os fariseus, os doutores da lei. Aliás, aquela situação era uma espécie de cilada para ele – visava destruir a sua credibilidade moral. Não é politicamente correcto afrontar a falsas crenças de uma multidão, ou questionar as suas motivações, ou utilizando a linguagem do "politiquês", ter uma atitude de se opor contra o "populismo".
Afinal a moral sexual é uma coisa importantíssima; afinal, os valores tradicionais da família e do papel da mulher na sociedade devem ser protegidos, sob pena de haver uma "destruição" da sociedade, afinal, estes valores foram ditados directamente pelo próprio deus e sabiamente interpretados pelos doutores da lei e não podem sequer ser questionados …
Se alguém já contactou com uma multidão em fúria, com sede de sangue, percebe que Jesus teve uma atitude temerária e corajosa, pondo em risco a sua própria vida.
Porque o fez?
Movido pela mais elementar sentimento humano – a compaixão e o horror pela morte de um outro ser humano, uma pessoa, alguém com um rosto, uma história, alguém, uma mulher. Podia ser um homem, ou uma criança, mas era uma mulher, um ser humano que, na palestina daquela época, tinha o estatuto social dos escravos ou dos animais. (Ainda hoje, em muitas regiões do globo, tem mais valor um animal doméstico, fonte de rendimentos, do que uma mulher).Ainda por cima, os escribas e fariseus estavam a usar aquela mulher, expondo-a perante a multidão, simplesmente, para a consecução de seus propósitos, de conseguir apanhar Jesus em qualquer contradição com moral instituída. e com formalismos religiosos.
Jesus não podia passar ao lado. Jesus não podia ter deixado de intervir. Jesus não podia deixar de ter uma atitude coerente com a única coisa importante que deixou – o amor incondicional por todos os seres humanos.
Quando vejo apedrejamentos públicos, quando alguém é catalogado de pecador, impuro, imundo, indigno de viver, penso em Jesus.
Quando alguém utiliza "argumentos "morais" e "leis religiosas imutáveis " para justificar a condenação de um outro ser humano, imagino Jesus. O seu olhar, a sua tranquilidade.
Em primeiro lugar, silêncio. Diz o evangelho que se curvou e começou a escrever no chão. O evangelho não diz que palavras foram estas que Jesus escrevia no pó. Mas é o seu silêncio que incomoda, e o seu gesto de se curvar, de se recolher sobre si mesmo, como que para ouvir a sua voz interior ou para olhar melhor o rosto daquela mulher.
Talvez a mulher estivesse assim também, encolhida no chão, curvada sobre si mesma, aterrorizada com perspectiva da tortura e da morte eminente. No evangelho não há registo das palavras da mulher – ela não tem palavras nem tem voz, nem grita. É um animal sem voz – é essa a sua condição perante os que a condenam. Não tem direito a uma desculpa, não tem direito a defender-se não tem direito a uma justificação. Está muda, mergulhada no horror e no desespero e sabendo, de antemão que está condenada.

Então segundo o texto do evangelho, depois de novamente questionado, Jesus limita-se a responder:
. "aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra:"
Como foi o seu olhar?

E pouco pouco, todos se afastam, porque todos são tão ou mais pecadores que a mulher "bode expiatório". E, finalmente, Jesus fica frente a frente com aquela mulher que acaba de salvar. Novamente, Jesus podia ter dado o caso por encerrado e ter virado costas.
Afinal, libertara-se de mais uma cilada dos fariseus e conseguira salvar uma vida. Missão cumprida.
Mas Jesus fica, insiste, está, questiona a mulher, face a face. Reconhece-lhe uma presença. Dá-lhe voz. Não se limitou a impedir que fosse morta, dá-lhe vida através da palavra e da autonomia.
Primeiro confronta-a com o facto de ninguém a ter condenado. Onde estão os outros os puros, os não pecadores, os sedentos de moralidade?
Foram-se embora, confirma a mulher. Imagino o seu espanto, a sua perplexidade, a sua gratidão. A mulher fala pouco, mas não precisa. Está perante alguém que a vê como um ser humano, alguém que a ama incondicionalmente, alguém que nem sequer questiona a sua conduta.
Jesus não a condena. E diz-lho, com clareza. Se nem os outros a condenaram, como poderia Jesus, que é amor condená-la? E é isso que ele lhe diz.
Podia aproveitar para lhe dar um sermão moral, uma reprimenda ou até propor-lhe uma penitência para compensar o pecado. Jesus nem sequer pergunta à mulher se ela está ou não arrependida: convida-a, apenas, a seguir um caminho novo, de liberdade e de paz ("vai e não tornes a pecar"). João 8,1 – 11


Este texto diz-me muito.
Talvez porque todos nós já tivemos momesntos em que fomos fariseus face á imagem simbólica da "mulher adúltera".
Ou porque se calhar, já todos nos nos esforçámos, talvez imperfeitamente ou de uma forma demasiado intensa, por ser este jesus.
Talvez porque todos nós, já fomos, em algum mokemento das nossas vidas a mulher adúltera ( não porque tenhamos cometido adultério, mas porque tivemos um momento de fraqueza ou porque nos tentaram lapidar em praça pública)

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 26 de January de 2005 18:20

Cara catolicapraticante:

Bem-hajas pela tua partilha, de que gostei bastante. Parece-me que quando temos um "texto" não precisamos de grandes teologias, porque o texto "fala" em nós e a dificuldade é calar. Claro, isso não obsta a que se aprofunde, a um nível mais "técnico", mas a Bíblia é, sobretudo, Palavra de Deus e quando estes textos nos entram, "actualizam-se", tornam-se vivos, nossos, são "meus", "Palavra-para-mim". E quanto mais "lá" formos mais encontramos. E isso é extraordinário.

Gostei de ver como referes o mesmo episódio a partir de dois (ou mais) "ângulos" ou câmeras: desde quem vê a cena completa (de "fora"), desde o ponto de vista de Jesus e desde o ponto de vista da mulher. Podemos fazer isso de vários textos, como se estivéssemos lá. E "ver por dentro" de cada um dos personagens... É um texto de uma enorme densidade.

Recomendo que cada um busque o "seu" texto! E já agora, a partilhar ;-)

Alef

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 27 de January de 2005 03:00

Agora sim, acho que no tópico correcto...

Este parece-me um excelente desafio Alef...

Aqui vai a minha (2 Cor. 12, 9-10):

Deus respondeu-me: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.» De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte.

1. Não sei se esta é uma boa frase… até porque não é simples. Mas devo dizer que foi esta a frase que mudou a minha vida… e quando o digo deste modo, é mesmo isso que quero dizer. Se eu não a tivesse descoberto, a minha vida teria sido totalmente diferente. Foi com esta frase de Paulo que senti verdadeiramente até que ponto a mensagem de Cristo me chamava a uma mudança radical de vida…
Ora este passo encontra-se já no final da carta… Corinto era uma comunidade difícil. Corinto era certamente uma cidade difícil: cidade naval, cosmopolita como a maioria das cidades gregas, cidade de comerciantes, foi certamente o centro de uma das mais importantes, pelo menos em número, comunidades cristãs, a quem, não apenas Paulo, mas também várias outras personagens endereçam várias cartas. Sendo uma comunidade provavelmente numerosa, era também uma comunidade com vários problemas internos, provavelmente com acentuadas discrepâncias sócio-económicas e com toda a probabilidade, como na maioria das comunidades religiosas do tempo, com importantes diferenças ao nível da formação cultural… Paulo gostava certamente desta comunidade, apesar do alguma amargor que por vezes se sente nas duas cartas: mas ele tinha vivido lá durante alguns anos e mesmo trabalhado em Corinto para se sustentar.
A 2ª Carta nasce de uma situação concreta: haveria uns apóstolos, também cristãos, que tinham vindo a Corinto. Desconhecemos quem seriam. Mas era coisa natural: Paulo não seria o único pregador itinerante no Mediterrâneo oriental (pululavam imensos por toda a região) nem o único que se afirmava apóstolo de Cristo. A pregação destes ‘apóstolos’ deve ter-se baseado sobretudo em algum auto-elogio e auto-satisfação pela sua condição ‘apostólica’, sobrevalorizando os seus feitos e mostrando a sua superioridade. Certamente, a pregação terá resvalado para uma crítica pessoal e dura contra Paulo… que se sente na obrigação de responder.

2. A sua resposta é curiosa: em traços muito largos, Paulo não mostra por sua vez a sua superioridade, a sua autoridade, o seu ‘curriculum’ como apóstolo (tipo: número de comunidades fundadas, número de baptismos, número de reuniões com os ‘verdadeiros’ apóstolos ou nomes importantes para quem terá pregado ou que terá convertido)… isso seria o que qualquer pessoa comum faria. As próprias regras da retórica clássica, definidas desde pelo menos os sofistas gregas e teorizadas por Aristóteles, diziam que o orador ou o retor deveria, antes de mais, prover à valorização e credibilização do seu ‘ethos’, isto é, em linguagem vulgar, das suas características pessoais que o tornavam uma pessoa credível. E temos de concordar que se Paulo tivesse feito uma coisa do tipo ‘eu fui convertido em Damasco, preguei em Antioquia, tive o beneplácito de Pedro, viajei até ao Chipre e até à Ásia Menor, onde deixei comunidades florescentes na maioria das cidades’, certamente ganharia alguns pontos junto da comunidade de Corinto…
Ora ele não faz nada disso: pelo contrário, para caracterizar bem o seu ‘ethos’, insiste antes nos vários sofrimentos, fracassos e desilusões que teve ao seguir Cristo; Ele próprio diz: ‘lutas por fora tribulações por dentro’… Em larga medida, aos olhos humanos, esta carta de Paulo é a admissão de um fracasso, que termina com a referência à fuga vergonhosa de Damasco, dentro de um cesto (leiam o capítulo 11)… Enfim…

3. No final de todas estas tribulações, que acompanham certamente também problemas físicos, vem esta afirmação definidora de Deus: «Basta-te a minha graça, porque a minha força mostra-se na fraqueza». Esta é uma das muitas definições do poder de Deus e, em última instância, daquilo que Deus realmente é.
A mim esta descoberta, depois apoiada pela leitura de François Varillon (sobretudo da Humilité de Dieu) e mais recentemente pela leitura de Étienne Babut e do seu Le Dieu puisamment faible), revelou em grande parte a esquizofrenia do meu entendimento anterior de Deus: um Deus omnipotente, no sentido mais literal do termo, imagem da fortaleza, da segurança, da certeza, da mestria… nada disso, no entanto, me parece definir tão bem a omnipotência de Deus como a sua absoluta e intrínseca fraqueza (espero que não me batam) que ele oferece e pede também a cada um de nós. Oferece-nos antes de mais na sua mensagem, desde as Bem-aventuranças, esse hino maravilhoso à fraqueza humana (ou, como eu prefiro, a uma concepção diferente de fortaleza), ao discurso sobre os ‘lírios do campo’ ao dar a outra face e ao acompanhar o outro por duas léguas, que encontra a sua definição suprema na apresentação do mandamento do Amor. Na Cruz, Jesus é também o exemplo mais perfeito desta fraqueza, desta impotência, desta recusa em reagir ao mal com o mal, desta entrega, ainda que injusta, à semelhança de um cordeiro, calada, quase silenciosa, sem ‘câmaras’ ou multidões; é o exemplo do abandono humano, como tantos outros ao longo dos tempos… Na Cruz, aos olhos mais humanos, Jesus é o exemplo acabado do homem fraco, frágil, fracassado, para quem tudo terminou… Mas, também na Cruz, Jesus é o exemplo do que Paulo diz: «é quando sou fraco que eu sou forte». É na Cruz, quando é mais fraco, que Jesus, o Cristo, se mostra mais forte, não quando faz milagres ou grandes discursos (sem desconsideração alguma, evidentemente): é aí que mostra que toda a sua vida tem um sentido: é aí que ele mostra toda a Força de tal fraqueza: a força do Amor que o anima, no sentido próprio do termo, que é Ele, até no mais visceral de si próprio, Ele que só é Amor. É aí que mostra o caminho de não responder ao mal com o mal, é aí que perdoa, é aí que vence a morte, é aí que nos abre um caminho totalmente novo, mas, apesar dos escolhos, de felicidade. É aí que se manifesta a verdadeira fortaleza de Deus: na capacidade de perdoar, perdoar sempre, para lá de todos os limites (e quantos ainda hoje acham que perdoar é sinal de fraqueza, de falta de amor próprio ou outras tontarias do género…), na capacidade de se entregar à morte por Amor, na capacidade de ser rejeitado sem, com isso, deixar de amar com a mesma intensidade do início (não haveria hoje que chamasse a Jesus ‘parvo’), na capacidade de nunca se impor, no optimismo de voltar sempre de novo a vir ter com o Homem (paa muitos uma ingenuidade, uma fraqueza…) , uma e outra vez, para lhe re-propor o seu caminho, infatigavelmente… é aqui que ele é omnipotente… Poderia alongar-me muito mais, mas penso que é isto essencialmente.

4. Penso que somos chamados a partilhar desta ‘fraqueza’ divina que Cristo nos mostra: se ele nos mostra quem é Deus, mostra-se também como plenamente Homem e como exemplo último para a humanidade. E é isso que Paulo percebe: na sua vida, terá sido nos momentos em que mais se sentiu fraco aos olhos humanos, mais desprezado, mais fracassado, que percebeu que Deus estava sempre com Ele e o chamava a ultrapassar isso mesmo e a continuar; apesar da razão humana pedir para parar ou apelar ao êxito, ao curriculum e ao bom-nome, a loucura divina obriga a avançar, tendo o Amor como lamparina: não nos preocupando sempre com o dia de amanhã, mas colocando a nossa vida em Deus («que se faça a tua vontade»), dando sempre a outra face, acompanhando o viajante ou dando a nossa roupa a quem a pede; nunca respondendo ao mal com o mal, até ao Amor pleno aos inimigos – estranho desafio, mas sinal de que é na nossa fraqueza que somos verdadeiramente fortes. Também somos chamados a descobrir, nas nossas vidas e nos nossos talentos, que este é o caminho da felicidade plena. Como? Esse é um mistério: «atiremo-nos do barco».

5. Descobri esta frase aos 20 anos quando andava na faculdade… convidaram-me para ir a uma pequena aldeia na Borgonha… chamava-se Taizé . Não que eu não conhecesse a Igreja… era baptizado, conhecia-a da catequese, da 1ª comunhão e profissão de fé e pouco mais… mas decidi ir: convenceram-me que havia por lá umas alemãs e umas italianas fantásticas desejosas de conhecer portugueses. Quando cheguei, achei que me tinha metido num buraco: nada à volta, só umas tendas grandes e uma Igreja esquisita com uns acrescentos que, na altura, eram ainda tendas… depois aquilo de ir rezar todos os dias umas 3 vezes nem me passava pela cabeça… as minhas hormonas pediam outro tipo de emoções. A minha preguiça acabou, no entanto, por me levar com renitência para os grupos bíblicos (limpar WC não era, nem é, o meu forte): foi aí que a propósito exactamente de Cristo e do caminho que ele nos fazia descobrir, o ir. François deu este texto de S. Paulo para meditar… eu, que nem Bíblia levava, tinha gostado do que tinha ouvido… e resolvi arranjar uma Bíblia… como as minhas primeiras abordagens a uma rapariga espanhola não tinham resultado muito bem (a moça preferiu um amigo meu… azar) decidi abrir a Bíblia e li este passo… e, logo assim que o li, foi como que um clique… repente, mesmo sem saber muito, quase tudo para mim passou a fazer algum sentido sentido… tudo, excepto a minha vida… foi, digamos, a minha estrada de Damasco… a partir de então, embora não de repente, claro; demorou ainda algum tempo, tudo foi mudando na minha vida… foi mesmo como se Deus esperasse apenas a oportunidade para se revelar… depois, foi um vendaval que me mudou para sempre… ainda hoje, e já passaram uns bons anos, esta é uma frase com a qual gosto de rezar… e de que gosto muito, muito… há mais bonitas, há mais sonantes e famosas… mas esta é a frase que Deus me disse a mim…

Abraço fraterno e boa noite...

Miguel

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 27 de January de 2005 05:29

Lindo, miguel! Obrigada.
E obrigada Alef .

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 27 de January de 2005 17:49

Muito bem, Miguel.

Sublinharia (d)a tua conclusão: «ainda hoje, e já passaram uns bons anos, esta é uma frase com a qual gosto de rezar… e de que gosto muito, muito… há mais bonitas, há mais sonantes e famosas… mas esta é a frase que Deus me disse a mim…».

De facto, não se trata necessariamente de frases bonitas, mas daquelas que nos "movem". E que acabam por "mover" os outros, porque quando falamos delas, manifestamos um pouco da nossa "alma". "Ex abundantia cordis os loquitur...", "a boca fala da abundância do coração".

Sem qualquer "lamechice", não há dúvida que todos recebemos quando partilhamos.

Shalom!
Alef

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: chuva (IP registado)
Data: 28 de January de 2005 21:28

Mateus 28, 16-20

"Eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo."


Esta simples frase dá-me ânimo e um sentimento de segurança e de amor a Deus... sentir q o Pai está comigo sempre e q perante isso não há a mínima razão pra ter medo.

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Ana (IP registado)
Data: 29 de January de 2005 04:46


Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei!!!


Esta frase, dá-me coragem na minha vida e alegria à minha mente! Esta é a minha frase em momentos de desânimo!

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: marta (IP registado)
Data: 30 de January de 2005 00:06

“Seduziste-me, SENHOR,
e eu me deixei seduzir!”
(Jr 20, 7)


Assimilei hoje estas palavras numa acção de formação para Catequistas realizada em Braga... e logo "re"-despertaram o chamado ‘clique’... Foi já há cerca de 10, 11 horas, mas o efeito ainda continua...

Sinto uma necessidade inexprimível de rezar, de estar com Deus, de sentir verdadeiramente Deus em mim....

Entrego a Deus cada momento da minha vida com plena consciência... não consigo resistir.

Estou feliz por estar apaixonada por Deus na pessoa de Jesus Cristo... A minha caminhada como pessoa, como colega de trabalho, como filha, como amiga, como Catequista, como animadora, faz-me cada vez mais descobrir Deus de uma forma tão atraente que o meu único desejo é procurá-Lo sem cessar, é estar com Ele, conhecê-lo e comprometêr-me cada vez mais com Ele....

É a certeza de que existe, de que está do meu lado e, qual ‘Pegadas na Areia’, me socorre nas (in)oportunidades que vão surgindo... Por vezes, Deus permanece desconhecido.... não responde... nem sempre responde aos meus gritos... Por vezes, fico com a impressão de que Deus está ausente, silencioso... mas aquela primeira sedução permanece firme, é fonte de coragem e dá sentido à minha vida para continuar o caminho.

Amo tudo e todos... tenho uma grande alegria de viver...... Eu estou assim, cativada por Deus... Ele provoca-me, inquieta-me, convida-me a uma mudança de mentalidade e de vida... e eu deixo-me seduzir....

Tudo isto me parece fora do comum... mas fazer o quê?? É o reavivar em mim a certeza de que a minha vida é Deus, está inseparável e intrinsecamente ligada à Vida d’Ele e n’Ele.... Só assim me sinto feliz.... e contra factos não há argumentos!





Editado 1 vezes. Última edição em 30/01/2005 00:10 por marta.

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: chuva (IP registado)
Data: 30 de January de 2005 17:43

:)

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Ana (IP registado)
Data: 30 de January de 2005 19:41

Marta


Religiosas, precisam-se!!! :) e que sejam todas como a Madre Teresa de Calcutá...eu tenho uma tia freira!...Esta cuida de crianças órfãs...


O meu bispo, no fim de dar a benção final, no fim de cada missa e na catedral, diz sempre: quem quiser ir para padre ou religioso/a, pode telefonar-me. O meu número de telefone é: xxxxxxx. Um homem diferente, entre todos:)

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: marta (IP registado)
Data: 31 de January de 2005 23:08

Ana,

obrigada pelo sopro :-) … mas parece-me que o meu compromisso com Deus passa por uma entrega diferente.. ‘polivalente’ (se é q me faço bem explicar) :-) ….

marta

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 31 de January de 2005 23:21

(do Tozé)

1* Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor, sou como um bronze que soa
ou um címbalo que retine.
2Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
se não tiver amor, nada sou.
3Ainda que eu distribua todos os meus bens
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver amor, de nada me aproveita.

4*O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
5nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita nem guarda ressentimento.
6Não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.
7Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.

8*O amor jamais passará.

Tozé M.

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Padre João Luis (IP registado)
Data: 01 de February de 2005 00:07

Algumas traduções da biblia, usam essa expressão Amor.
No Grego vem Caridade.
O amor é um sentimento humano que nasce no coração pobre do homem.
A caridade é mais sublime porque é o amor de Deus derramado nos nossos corações.

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 01 de February de 2005 01:23

Caro João Luís,

devo dizer-te que não é bem verdade o que dizes:

1. em grego não vem caridade necessariamente... como sabes 'agape' é uma palavra da koinê bíblica da Septuaginta, onde aparece pela primeira vez em uso literário para designar, de forma diferente do que erôs ou do que philía, uma experiência ainda assim de natureza amorosa/afectiva: o amor do pai pelo filho; o amor de um homem por uma mulher (como em Cant. 8, 6), ainda que lhe possamos dar uma interpretação espiritual; o amor fraternal; um amor mais intenso do que a simples amizade expressa por philía. Serve para referir o sentimento de Deus pelos homens, mas também o contrário e também o sentimento dos homens entre si. Não vejo porque não se há-de traduzir por Amor. Penso até que expressa bem melhor na semântica portuguesa o significado globalizante que o termo assume em grego e que leva a praticamente eliminar os seus quase-sinónimos dos textos neo-testamentários para designar quase todos os tipos de afectos.
Efectivamente, 'caridade, em português, na semântica mais habitual, designa sobretudo o interesse (não necessariamente afectivo) por um outro a quem se presta determinado serviço ou ajuda... Há tendência da Igreja, de que te fazes eco, para utilizar o termo no significado latino que Jerónimo utiliza, como sinónimo de agape. Ora, a mim, pelo menos, parece-me desnecessário: Se "Amor" verte tão bem a palavra até pela sua polissemia, tal como agape, para referir os sentimentos entre pais e filhos, homem e mulher, ou mesmo entre amigos, por que não utilizá-lo para referir a relação entre Deus e os homens? Recordo que o grego não faz essa distinção mas utiliza quase sempre a mesma palavra para todas estas relações de afecto; por isso parece-me desnecessário arranjar em português outra palavra. Não que caridade esteja errado... mas para ser percebido é preciso dizer sempre: "mas olhem que aqui caridade não tem apenas o sentido que nós normalmente lhe damos... A mim, sinceramente, parece-me que Amor serve para tudo, como agape serviu para o Novo Testamento. Mas é uma opinião...

2. Parece-me por isso um pouco incompreensível a distinção que por vezes se procura fazer entre Caridade e Amor, considerando aquela para designar o Amor divino e este como um sentimento menor que nasce no coração humano... não me parece acertado... o verbo que Cristo usa para falar do amor de Deus é quase sempre Agapaô, que em portuguÊs se verte por "amar" (basta ver a pergunta de Jesus a Pedro no Evangelho de João)... o substantivo correspondente em grego é agape, tal como em português será amor...

3. Por fim, e se calhar mais grave, o Amor que nasce no pobre coração humano é o mesmo Amor divino, ainda que "imperfeito", digamos assim... é também ele a manifestação de Deus no ser humano, capaz de amar à semelhança de Deus... o Amor humano não é outra coisa mas a mesma, com talvez a diferença da qualidade. O Amor humano (pai filho, homem/mulher, etc) nasce sempre de Deus e não parece que que a Igreja defenda que há Amor sem Deus...

4. Acho ainda mais grave uma certa tendência que noto em alguns sacerdotes (e não falo de ti, que fique claro... este é um desabafo geral) que cada vez falam menos ou deixaram de falar do Amor de Deus considerando tema "super-batido" depois do Concílio e que gostam de fazer distinções para mostrar a elevação e total superioridade do Amor de Deus em relação ao Amor humano. Uma vez zanguei-me a sério com um que me tentava convencer que não se devia continuar a falar do Amor nas homilias... como se Deus não fosse Agape...

Abraço fraterno

Miguel

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: Padre João Luis (IP registado)
Data: 01 de February de 2005 01:56

1 - E verdade que deixamos de insistir nessa vertente, e falo apenas por mim, porque se não for muito bem explicado o que é o Amor de Deus, as pessoas ficam com uma impressão limitada, de um amor humano apenas, que tudo desculpa, que não é exigente e que a ele não está subjacente a Justiça de Deus.
Criaram-se imagens de um Jesus adocicado, meloso, mistico-gasozo, que tudo aceita -mesmo o que a sagrada escritura condena. Um Jesus, em que basta acreditar que ele existe e que não há resposta da parte daquele que se diz cristão. Para muita gente o Amor de Deus é assim.
Não sinto que as pessoas sintam grande necessidade de saber que Deus as ama - isso já sabem. Precisam mais de saber que Deus é Justiça, que Deus é fiel, que Deus é zeloso dos seus filhos. Que depois do perdão de Jesus segue-se o mandato, Vai e nao tornes a pecar.
Hoje o amor é uma coisa que começa e acaba dois meses depois, algo descartavel. O Amor de Deus é eterno e sempre fiel. ainda que eu às vezes nao o seja.
Infelizmente a palavra amor tornou-se banal, como tantas outras. Hoje os jovens adoram batatas fritas......

2- Discordo da tua analise da expressão Agapê e dessa tradução por amor.
Em João 21, 15, Jesus pergunta a Pedro se o ama. A palavra usada é Agapas me. Pedro responde que o ama e usa a expressão filo se. Jeronimo distingue igualmente com diligis me em Jesus e Amo te em Pedro. Versiculo 16 Jesus retorna com a mesma expressão e Pedro responde o mesmo. Finalmente Jesus no versiculo 17 usa a mesma expressão de Pedro Fileis me.
São expressões diferentes que querem dizer coisas muito diferentes. O Amor de Deus não é igual ao amor humano. Nem nunca o poderia ser. Jesus sabe que Pedro pela sua humanidade não consegue ter esse amor, e por fim fica-se pelo amor humano que Pedro nutre por ele.
É redutor pois traduzir caridade por amor.
A lingua portuguesa associa caridade a dar coisas, como sacrificio a sofrimento. Convem talvez ser mais exigentes e ensinar as pessoas o que as palavras querem mesmo dizer em vez de ir por ~traduções simplistas que acabam por de algum modo roubar a riqueza do texto biblico.
Infelizmente cada vez mais recorro ao Novo Testamento em Grego para evitar traduções porreiraças.

Re: Os nossos versículos favoritos
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 01 de February de 2005 02:59

Sem dúvida João Luís... e há outros passos em que essa diferença entre agape e philia surge, não apenas nesse... mas, o mais curioso é que agape, e foi isso que eu disse, seja o termo mais comum na Bíblia grega (Septuaginta e Novo Testamento) para referir qualquer tipo de amor e não apenas o de Deus... eles não faziam essa distinção praticamente nunca... o exemplo que dás é importante, mas quer apenas mostrar a diferença de intensidade entre o sentimento de Jesus e o de Pedro... de facto, agapao/agape não é apenas aplicado nem sequer por João apenas ao Amor 'sentido' por Deus ou 'sentido por inspiração divina'. João quer mostrar a diferença entre Cristo e Pedro, mas não apresentar os lemas em -*gap- como proprios de Deus ou das relações apenas por ele inspiradas, reservando apenas a philia/phileô (que teria muito para dizer) para os homens. De resto, basta ver a utilização de agape/agapao em Paulo para ver que as semânticas sagradas do verbo convivem perfeitamente com as semanticas dos afectos do quotidiano inter-pessoais... De facto, basta ir ao Moulton-Geden para ver a polissemia do vocábulo e a sua não exclusividade: por si agape não é reservado a Deus... volto a dizer que esse é um substantivo (bem como o verbo agapao) que se alarga a vários tipos de relação inter-humanas... (por exemplo entre David e Jónatas) e por isso referido também aos sentimentos humanos, incluindo até mesmo a situação em que Israel se encontra quando segue deuses estrangeiros (Jer. 2, 33 - agapesis)! E a palavra quer mesmo dizer Amor e não caridade, em português, ou em francÊs ou em inglês!!!! Basta ires ao Bailly ou ao Lidell-Scott... E cito C. Spicq, Agape dans le NT: 'enquanto o grego clássico com agapao exprimia mais veneração e estima do que afecto, os LXX, que empregam o verbo a propósito do amor materno, conjugal, amigável, mais ferveroso,inseriram na sua significação uma nota mais calorosa' (p. 87).

Por isso, és tu que tentas encontrar uma exclusividade semântica do lema onde ela não existe. Por isso acho que Amor é a que melhor corresponde a agape, até pela intensidade/fervor que a semântica da palavra admite em português. E pessoalmente acho-a mais bonita e intensa e com uma história semântica bem mais rica do que caridade...


Abraço

Miguel


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