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Homenagem ao Irmão Roger
Escrito por: Tilleul (IP registado)
Data: 19 de August de 2005 10:04

“Sim, sem amor, o que há-de bom em existir? Para quê continuar a viver? Com que fim? É aqui que encontramos o sentido da nossa vida: ser amados para sempre, até à eternidade, para que, à nossa volta, continuemos até morrer de tanto amar. Sem o amor, que haverá de bom em existir? Sim, feliz de quem morre por amor.”

Irmão Roger na abertura do Concílio dos Jovens em Taizé em 1974




Editado 1 vezes. Última edição em 19/08/2005 10:09 por Tilleul.

Homenagem ao Irmão Roger
Escrito por: Tilleul (IP registado)
Data: 19 de August de 2005 11:48

Quando fui a primeira vez a Taizé, pensei que não me fosse adaptar àquele sítio que nos vídeos parecia saído dum campo de refugiados numa qualquer parte do mundo subdesenvolvida.

Lembro-me como foi entrar na Igreja da Reconciliação e o meu coração parar para recomeçar a bater tão forte como tivesse chegado a casa… a casa que ele construiu para o Pai.

A primeira vez que estive com ele foram apenas alguns segundos quando me dirigi para receber a sua bênção e foi a única vez que senti as suas mãos na minha cabeça e o Espírito Santo descer como uma torrente de lágrimas.

Várias vezes fui à colina mas sempre fiquei longe dele, deixando-me embrenhar na sua obra mas deixando-o com os outros, porque sempre me contentei em apenas saborear e viver o que ele fazia pela inspiração do Espírito Santo.

Anos depois recebi a graça de viver na sua aldeia durante algum tempo e tive a sorte de partilhar um bocadinho mais da sua vida.

Quando cheguei decido a ficar um mês que se tornou em algo muito mais longo, nessa mesma noite ele teve o último encontro tradicional dos sábados à noite com os peregrinos… a doença mas principalmente o cansaço da idade já não lhe permitiam noitadas.

Durante o tempo que trabalhei na sua “vinha”, vi-o ficar numa cadeira de rodas, voltar a andar, de novo numa cadeira de rodas e de novo a andar… ele era abastecido de Espírito Santo e o melhor é que contagiava os outros com esse combustível divino.

Às vezes ia almoçar a sua casa… já tentaram olhar o sol? Os seus olhos claros eram como o sol que nos trespassava alma com bondade e em busca do melhor que há em todos os nós, obrigando-me sempre a baixar os olhos em consentimento.

Não posso dizer que tive discussões teológicas profundas, a idade e a fala já não lhe permitiam ter grandes dissertações, mas tive algumas das lições mais profundas, rezar em silêncio sentido as suas mãos nas minhas, falar que a trovoada de ontem tinha sido das fortes ou simplesmente acompanhá-lo até ao corredor do seu quarto enquanto falávamos de como estavam bonitas as árvores.

Para mim não foi um fundador ou um gigante do ecumenismo que morreu, foi um avô que sempre conheci fraquinho e de quem soube por outros e por sua voz histórias fantásticas reais mas que parecem saídas dos livros de histórias.

Mesmo com esta morte violenta tenho a certeza que o último gesto dele deve ter sido tentar abençoar aquela que o matou… era mais forte do que ele querer partilhar o amor de Deus com todos.

Apesar da tristeza da partida, não consigo evitar sorrir ao imaginá-lo com o Pai depois de uma vida de entrega e de amor a todos sem excepção.

Abençoa-nos agora querido irmão, com as tuas mãos repletas da bondade do Cristo Ressuscitado, intercede por nós junto do Pai ao seu ouvido com a tua voz suave e meiga e pede ao Espírito Santo que nos conceda a graça de sermos inspirados pela tua vida de amor e comunhão


Em comunhão

Re: Homenagem ao Irmão Roger
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 26 de August de 2005 17:59

Não posso deixar de apor aqui a minha mensagem sobre a personagem ímpar que acabou de nos deixar... conheci o irmão Roger há já vários anos... foram ele e a sua comunidade que mudaram a minha vida. E como a minha a de tantos outros que por lá passaram e passam. Já aqui contei uma vez como conheci Taizé... Fui, como tantos outros jovens com experiências parecidas com as minhas, mais à procura de raparigas estrangeiras do que de outra coisa... não conhecia grande coisa, para não dizer nada, da comunidade, embora me aliciasse a ideia de que era uma coisa ecuménica (na minha ideia, tudo ao molho e fé em Deus, que era o que eu mais queria). Quase tudo em Taizé me marcou: a simplicidade - da oração, da mensagem, da vida, dos irmãos. Os gestos - a vida comunitária, o sorriso, o toque, o significado de dar (em Taizé todos se tocam, se abraçam com facilidade). Deus (dança por toda a parte, na oração, nas pessoas, nas refeições, nas tarefas em comum, nos jovens que abdicam das suas férias para lá ficarem, dos jovens que procuram e ainda não encontram, nos jovens que descobrem ali que Deus os chama). A minha vida começou a mudar lá. ~

1. O irmão Roger foi o fundador da comunidade... o que não significa que fosse o seu centro... o seu centro era e sempre o Cristo Ressuscitado. Mas ele tinha um lugar especial... sentava-se atrás de todos os irmãos, como o pastor verdadeiro. Há volta, alguns irmãos mais velhos, com algumas responsabilidades... também os mais novos, por quem sempre manifestava um especial carinho... destaque, nenhum... mesmo a cadeira sem costas em que nos últimos anos se sentava não era um trono (só mesmo vendo) nem muito menos uma cátedra... era um chaveco velho e por vezes, julgo eu, mais podre que seguro... qualquer dos irmãos mais velhos que se sentavam à frente na Igreja tinham uma 'cadeirinha' melhor... na oração teimava em dizer umas palavras... quase sempre à noite... encontrava-se com os jovens, quase sempre ao Sábado à noite, até que a saúde o impediu de os acolher em casa e acabou mesmo por quase o incapacitar de falar à noite... E, no entanto, sei que mesmo quando o frio da manhã, o rigor do Inverno ou a dificuldade de locomoção o impediam, ouvia a oração do seu quarto ou deslocava-se em cadeira de rodas até à Igreja, teimava em cumprimentar os jovens que a ele se acolhiam. Segurança? Nenhuma... Abertura, como o crucificado; proximidade, como Cristo; braços abertos como o Ressuscitado (esta é talvez a imagem que melhor tenho dele); sorriso à imagem de Deus. Segurança? Como se o Ir. Luc podia ser segurança para alguém, com a sua veste branca e a ausência da espada... Medo? De quê ter medo, quando só Deus basta?

2. O Ir. Roger era um homem próximo e que gostava de pessoas. Era um homem em quem isso acontecia naturalmente. Tive a felicidade de estar ao pé dele várias vezes, bem depois da minha primeira ida a Taizé... Ao almoço, sempre cumprimentava os vários convidados que com ele se sentavam à mesa... interessava-se pelos seus nomes, pelos seus países de origem, comentava algo... e abria os braços... sempre abria os braços... lembro-me de ter um dia ido almoçar com os irmãos e comigo estava um jovem português... Era a primeira vez que ele era acolhido na refeição da própria comunidade... estava nervoso e ansioso... No final da refeição fomos cumprimentar o Ir. Roger. Levava um caderno e pediu-lhe para escrever alguma coisa... O irmão Roger olhou para ele, sorriu, abraçou-o e respondeu que dificilmente conseguiria ainda escrever... a mão não lho permitia... 'Mas é tão díficil dizer que não!' concluiu... e pediu a um dos irmãos para ir buscar um dos pensamentos que rabiscava no seu quarto... e entregou-lho... Era um homem que adorava a aldeia onde escolheu viver... a soberba paisagem pelos vales da Borgonha, que se vislumbra da comunidade. "Um deserto quando cheguei", repetia frequentemente... um nada no meio do nada...

3. Como diz um outro dos irmãos mais velhos, quem chegava a Taizé no início dos anos 50 chegava a nenhures... a lado nenhum... era o fim do mundo, perdido para lá de toda a civilização... sem estradas decentes nem população activa, sem escolas nem desenvolvimento... e, no entanto, foi aí que aquele homem se fixou... quem conhece bem a região sabe que há uma outra aldeia a uns quilómetros de Taizé... Bray... aí há uma pequena igreja românica e por trás um pequeno muro... de onde se vê grande parte da região... ao fundo Taizé... ainda hoje a sensação é de deserto... é de silêncio... de um nada que não tem futuro... Não admira que a região tenha altos índices migratórios e uma população ainda hoje muito envelhecida... E, no entanto, foi aí que foi possível florir algo... uma vez eu próprio disse a um dos irmãos que a mim nunca me teria passado pela cabeça, aos vinte e tal anos, nos anos 40-50, fixar-me logo ali para toda a vida com mais um par de outros a rezar e a viver em comunidade... Pelo menos escolheria um sítio um pouco mais desenvolvido, mais próximo de gente e de civilização... E, no entanto... foi no deserto que nasceu esta aventura incrível que hoje se chama Taizé... Naturalmente, nenhum dos irmãos suspeitava sequer o que iria acontecer. Foi Deus que o fez... foi Ele que fez brotar no deserto a água... O intérprete foi o irmão Roger... sem eu nunca ter percebido completamente porquê, foi ali que ele, um jovem de 25 anos com o futuro todo pela frente, se resolveu fixar, precisamente ali, onde o futuro estava aparentemente mais do que adiado... Mas, de Bray, hoje podemos senti-lo... naquele deserto que é a Borgonha 'profunda', é Deus que sopra... é Deus que leva, anos e anos a fio, os jovens para aquela colina... Foi em Bray que ouvi que era Deus que naquele silêncio todo gritava...

4. Os jovens. Nunca percebi racionalmente o que levava tanta gente a Taizé... pelo menos não se encontra aparentemente nada, que não se encontre hoje em dezenas de outros lugares, bem mais centrais e onde é possível pelo menos um banho de água quente e um pouco mais do que uma salsicha ou puré de batata ao fim do dia... Há um magnetismo especial em Taizé... e muito desse magnetismo advinha da personalidade do Irmão Roger. Mas não só... será justo dizer que nos últimos anos se notava em Taizé o apagamento natural do Ir. Roger, debilitado pela idade, e era evidente que a comunidade dependia cada vez mais do trabalho comunitário de todos os irmãos, dos jovens permanentes e dos jovens que por lá passavam uma semana. Sobre os jovens permanentes, devo dizer que sempre foram dos exemplos mais marcantes em Taizé.... Em dias em que se fala de falta de vocações, Taizé é o exemplo típico de um lugar onde isso não é problema... São dezenas os jovens que se disponibilizam para passar lá alguns meses, um ano, dois anos... para ajudar, mas também para procurarem ajuda... rapazes e raparigas. É mesmo incrível também que não haja propriamente uma pastoral vocacional, no sentido mais tradicional do termo. Os jovens vão, pedem para ficar, ficam e são acompanhados na sua busca, ao mesmo tempo que percebem que não vivem apenas nem sobretudo para si próprios mas sobretudo para os outros. Claro que nem todos os jovens que lá ficam pensam num futuro 'religioso'... mas como me dizia uma vez um deles, 'ao fim de tantos meses aqui, como não pensar?' Eu sou dos que pensa que Taizé nos mostra o caminho do futuro, em termos de vocações religiosas. Os jovens que vão a Taizé são iguais a todos os outros... gostam de brincar, de namorar, de dançar, de beber, etc, etc... Mas descobrem em Taizé um sentido para a sua vida... sentem-se atraídos pela mensagem de Cristo no que ela tem de mais profundo. E essa descoberta em Taizé foi anunciada pela voz do Ir. Roger: amor, perdão simplicidade, bondade do coração, trabalho, entrega, gratuidade... de tudo isso é feita a vocação do Ir. Roger... tudo isso atrai incrivelmente os jovens. O que leva tantos jovens a abandonar as suas vidas e a dedicar meses e anos da sua vida a Taizé? A procura... Jesus Cristo e o seu modelo... o rosto de Cristo na Comunidade fundada pelo Ir. Roger. Nem todos chegam a irmãos (a maior parte são os próprios irmãos que lhe fazem ver que a sua vocação não está ali - que lição para os nossos seminários, onde por vezes se anda a caçar cão a grito)... Não é verdade que os jovens se afastem da Igreja... não estejam disponíveis para a Igreja... Taizé é a prova disso mesmo.

5. O ir. Roger foi uma das personagens mais relevantes do nosso tempo em termos religiosos. Foi ele que pôs o ecumenismo na ordem do dia e que mostrou que É POSSÍVEL viver o ecumenismo sem rejeitarmos as nossas tradições de base. Naturalmente, há entendimentos e ao longo dos tempos não foram sempre fáceis as relações entre a comunidade e as várias Igrejas... naturalmente. De qualquer modo, a presença no funeral de tantos líderes religiosos, não apenas o cardeal Kasper mas também representantes ortodoxos, anglicanos, luteranos, calvinistas ou metodistas, mostra bem a unanimidade em torno da figura do Ir. Roger. Se em Portugal, por exemplo, sei que já que houve experiências de relações entre as Igrejas católica e algumas confissões protestantes no Encontro Europeu, no ano anterior em Hamburgo, onde estive, foi incrível ver a responsável protestante pela diocese de Hamburgo sentada lado a lado com o bispo católico, como anfitriões do Encontro... este é o caminho...

6. Ausência de hierarquia visível e de dirigismo. Uma das coisas mais marcante em Taizé é a falta de uma hierarquia visível. Claro que ela existe... mas o ir. Roger não era o 'chefe'... mesmo na oração ele era o último dos irmaõs. Era dificil depois encontrar uma lista de irmãos mais importantes que se sentassem no lugar X ou Y ou que desempenhassem as funções Z. Perto do irmão Roger tanto se sentavam os irmãos mais jovens (nem todos) como alguns dos irmãos com responsabilidades diríamos 'maiores', como alguns dos irmãos com tarefas mais "humildes"... essa hierarquia funcional, mesmo se existe, é invisível e não autoritária. Por isso também, a comunidade de Taizé é um exemplo. Hoje, o Irmão Roger é uma figura de autoridade inquestionável no mundo cristão e não só. Não porque tivesse alguma vez desempenhado qualquer cargo relevante em qualquer Igreja... Nunca foi bispo, nem cardeal, nem nada... E, no entanto, foi ele, mais do que milhares de bispos no mundo inteiro de todas as confissões religiosas, uma das mais extraordinárias personagens do cristianismo do século XX. Sem cargos, sem palácios (a casa os irmãos é simples, confortável, mas sem luxos), sem autoridade funcional. E isso é uma lição para todos os nós e para todas as nossas cátedras. Nunca me esqueço, já uns anos após ter começado a ir a Taizé, da expressão na face do Ir. Richard no final de uma semana de reflexão bíblica... Pediu para cantarmos um cântico, e enquanto o fazíamos, simplesmente saiu, sem mais, sem falsas modéstias nem loas desproporcionadas... Por isso, Taizé não era uma comunidade dirigista ou personalista, nem em termos de funções nem de pensamentos. Jamais eu senti que em Taizé obrigavam as pessoas a fazer X ou Y, ou achei que pretendiam dirigir o pensamento das pessoas. O ir. Roger definia-se a ele mesmo como um 'homem de escuta' e nunca como um 'mestre espiritual'... A vocação que ele e os irmãos reclamam é a da escuta, a da espera, mas não a da autoridade, não a do dogma, não a da imposição, não a do que é sim, porque sim... Em Taizé é a humildade da palavra que conta. Lembro-me sempre que o Ir. François me disse que em Deus nada é obrigação... porque na obrigação não há amor... se eu fizer as coisas por obrigação e não por amor, de que me serve? Primeiro eu tenho de descobrir o amor... a partir daí tudo se torna claro como a luz... Mas se eu não quiser, não puder ou não conseguir fazer algo, quem me pode censurar? O Cristo crucificado? É não compreender que ele nunca se impõe porque não é senão amor... A primeira mensagem do Tilleul é lindíssima, porque mostra uma frase do rimão Rioger que diz isso mesmo...

7. O Irmão Roger era um homem de oração. E dificlmente haverá algo em Taizé que mais marque uma pessoa do que a oração. A descoberta da oração no silêncio, na repetição litânica de frases curtas e melodiosas, é uma das graças de Taizé. A Igreja, cheia da Páscoa e do Verão, ou mais vazia no resto do ano, é sempre Igreja, isto é assembleia de acção de graças a Deus. Essa foi a descoberta do Ir. Roger... que era possível encontrar uma fórmula de síntese para a oração onde, independentemente das tradições religiosas, todos se pudessem identificar. E o silêncio... a valorização do silêncio: a descoberta de que mesmo sem falarmos, mesmo sós, não estamos de facto sós, mas há sempre o Espírito que nos anima...

Tinha tanto mais a dizer sobre este homem e a sua obra... Marcou-me indelevelmente... Sem ele e sem a sua comunidade não seria o que sou hoje...

É com tanta tristeza que digo até breve ao irmão Roger. Mas também com a certeza de que ele continuará a juntar-se às nossas orações para louvar a Deus e pedir pelos que mais precisam... Ele que já contempla a glória do Pai...

Abraço fraterno

Miguel




Editado 1 vezes. Última edição em 26/08/2005 18:02 por rmcf.

Re: Homenagem ao Irmão Roger
Escrito por: turli (IP registado)
Data: 02 de September de 2005 10:47

Ola!

This year I was two times in Taize...one week before Colonia and a week after Colonia.
First week was very very funny but second was quite different:(
I put some phoos from funeral of brother Roger on my website
[www.e-olimpia.com]

Robert maluco

Re: Homenagem ao Irmão Roger
Escrito por: Luis Gonzaga (IP registado)
Data: 02 de September de 2005 20:17

Hi Turli,

Thank you very much for your message and the photos you took.

Cheers,
Luis

Re: Homenagem ao Irmão Roger
Escrito por: Susete (IP registado)
Data: 15 de September de 2005 22:10

Reconciliação e perdão, sempre
IN: Ecclesia [www.agencia.ecclesia.pt]
.
“É preciosa aos olhos de Deus, a morte dos seus amigos”.
Foi com estas palavras da Bíblia que o irmão François começou a oração à meia-noite, poucas horas depois da trágica morte do irmão Roger.
Nesta altura nenhum de nós conseguia perceber ainda o que se tinha passado, e muito menos porquê…
Uma das coisas que nunca conseguiremos apagar da nossa memória foi o grito de terror que cortou o silêncio da melodia, e nos colocou o coração aos pulos, a tremer, e as lágrimas a deslizar, ainda sem termos a noção do que tinha realmente acontecido.
Que acto tresloucado tinha sido aquele, que motivos poderia alguém ter para tirar assim a vida de forma tão desumana a um velhinho de olhos doces e sorriso de criança? Logo ele, que tinha dedicado toda a sua vida ao serviço dos outros e cujo horizonte era o entendimento, o reencontro com o outro e a vida em comunhão.
Não entendemos na altura, e agora passadas 3 semanas ainda temos dificuldades em aceitar o que se passou…
No entanto, e apesar de toda a tristeza que sentimos, testemunhámos na Igreja da Reconciliação aquilo a que podemos chamar o milagre da Ressurreição.
No meio de uma dor dilacerante, os irmãos da comunidade continuaram a cantar “Laudate Omnegentes “, em acção de graças ao irmão Roger. Naquele momento desceu sobre nós a paz de Deus e isso confortou os nossos corações.
“Por mais radical que seja o mal, não é tão profundo como a bondade”.
É aqui que reside a chave de tudo.
A violência gratuita, a violência cega, apenas a violência como expressão do mal não pode fazer-nos esquecer a bondade e o bem”.
Foi esta serenidade e força interior demonstrada pelos irmãos que nos abriu uma janela de esperança e permitiu que não perdêssemos a confiança em Taizé e tudo o que aquele lugar significa.
Como disse o já saudoso João Paulo II: ” Passa-se por Taizé como se passa perto de uma fonte. O viajante pára, mata a sede e continua o seu caminho. Os irmãos da comunidade não querem deter-vos. Querem, na oração e no silêncio, permitir-vos que bebais a água viva prometida por Cristo, que conheçais a sua alegria, que reconheçais a sua presença, que respondais ao seu chamamento, e depois que torneis a partir para dar testemunho do seu amor e servir os vossos irmãos nas vossas paróquias, nas vossas cidades e aldeias, escolas, universidades e em todos os vossos locais de trabalho”.
É com esta responsabilidade que saímos de Taizé, com a missão de não deixar desaparecer o espírito de Taizé, de simplicidade e comunhão, cultivada ao longo de décadas pelo irmão Roger. Nas suas próprias palavras: “é preciso não parar no caminho”.
Taizé é, de facto, muito mais do que uma semana com os amigos, é um sítio onde vamos continuamente buscar forças para enfrentar as dificuldades de todos os dias e a inspiração para colocar os dons de Deus ao serviço dos outros. É uma semana de oração em comunidade, que junta pessoas de tantos países e culturas e de famílias cristãs diferentes e ao mesmo tempo tão próximas.
Será difícil encontrarmos um outro lugar que comporte tamanha heterogenei-dade e simultaneamente seja tão homogéneo. Vive-se assim o verdadeiro ecumenismo.
Taizé sempre foi um lugar de confiança, união e alegria. Agora é também um lugar de esperança, esperança de que a morte do irmão Roger não tenha sido em vão, e que o seu legado de reconciliação e bondade não seja esquecido.
Não foi fácil viver aquela semana em Taizé, fomos diversas vezes assaltados por dúvidas, medos e em muitas ocasiões vimos a nossa confiança fraquejar.
Nada que já tivéssemos vivido na vida nos poderia preparar para aquilo que vimos, sentimos e continuamos a sentir.
De certa forma, entrámos na História, pois Deus deu-nos a oportunidade de testemunhar este acto hediondo, comprometendo-nos ao mesmo tempo a não deixar que Taizé seja esquecido. É esta a nossa missão que temos de saber potenciar ao serviço dos outros, na nossa comunidade.
Da maneira mais difícil, Deus deu-nos uma lição de humildade e entrega total a uma causa. Naquele momento vislumbramos algo parecido com o que Jesus Cristo passou. O irmão Roger morreu, no seio da sua bem amada comunidade, em oração e rodeado por muitos jovens em quem sempre depositou a sua confiança. No seu último livro publicado há apenas um mês, diz: “Quanto a mim iria até ao fim do mundo se pudesse fazê-lo, para afirmar e voltar a afirmar a minha confiança nas jovens gerações”.
É por isso que sabemos que Taizé não termina aqui. Nos nossos corações e de todos aqueles que partilharam à distância a nossa dor fica a certeza de que há ainda muito caminho por percorrer. E percorrê-lo-emos juntos, empenhados e iluminados pela presença do irmão Roger.
Deixámos Taizé tranquilamente, como aliás tentámos viver toda a semana depois do que aconteceu. Seria assim que o irmão Roger teria querido.
Depois da sempre comovente oração da luz na véspera da nossa partida, conseguimo-nos reconciliar connosco próprios, com o lugar e em gestos tão simbólicos como “passar a luz” a quem está ao nosso lado na oração, percebemos que a nossa confiança se vai fortalecendo e que vamos ter a força necessária para enfrentar novas etapas da nossa caminhada.
Nunca saberemos por que tudo isto aconteceu, mas com o passar do tempo saberemos por que quis Deus que presenciássemos tal coisa.
O primeiro passo para podermos recomeçar é perdoar a autora deste acto tresloucado. Foi isso mesmo que, nas palavras do irmão Alois, fizeram os irmãos da comunidade no discurso tocante na despedida ao irmão Roger: “Em face do mal a bondade do coração é uma realidade vulnerável. Uma vez que o irmão Roger não desejava que se pronunciassem muitas palavras nas igrejas, gostava de terminar com uma oração.: ”Deus de bondade, nós confiamos ao teu perdão Luminita Solcan que, num acto doente, pôs fim à vida do nosso irmão Roger. Com Cristo sobre a cruz dizemos-te: perdoa-lhe Pai por que ela não sabe o que fez “.
É esta a primeira lição que devemos retirar daqui: A lição da reconciliação e do perdão.
O irmão Roger estará sempre presente nas nossas orações e pedimos que através dele tenhamos a força para que as nossas aspirações à paz e à confiança sejam como as estrelas, pequenas luzes a iluminar a noite.
“Através de uma oração muito simples podemos pressentir que nunca estamos sós: o Espírito Santo é em nós o amparo de uma comunhão com Deus, não apenas por um instante, mas até à vida que não tem fim”.

Rita Cardoso
(do Grupo de Jovens de Coimbra, presente em Taizé)



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