Re: Na Igreja Católica (pós-Conciliar) ainda há lugar para Excomunhões?
Escrito por:
Alef (IP registado)
Data: 03 de June de 2004 03:09
Pedro B:
Talvez estejamos a sair do assunto do tópico, mas não faz mal, uma vez que o assunto já foi resolvido. Gostava reflectir um pouco sobre a diferença dos ritos, o tridentino e o "Novus Ordo". Aqui ficam algumas questões, umas sob a forma de perguntas, outras como propostas de reflexão:
1. O que é realmente mais importante para se pedir o Rito Tridentino? O Latim? Mas o "Novus Ordo" está originalmente em Latim, creio (corrijam-me se estiver errado) que não é preciso pedir licença para celebrar a Eucaristia em Latim no "Novus Ordo". Em todas as grandes peregrinações a Fátima a Oração Eucarística é rezada em Latim.
2. Visto do outro lado: o que é que te agrada menos no "Novus Ordo"? São objecções de tipo teológico ou apenas de gosto? Nível estético ou outro?
3. Não me lembro das missas em Latim (era muito pequeno) e nunca assisti a nenhuma missa tridentina "ao vivo", mas conheço-a relativamente bem, por ter lido e relido os missais das missas tridentinas (nomeadamente os bilingues que se usavam em Portugal nos anos 60 do século passado). Uma das coisas que me "desagrada" e que o "Novus Ordo" corrigiu é a praticamente ausente referência ao Espírito Santo, concretamente na consagração do pão e do vinho ("epiclese"), coisa que os Ortodoxos não perderam. Ainda hoje a Oração Eucarística I (ou Cânon Romano) mantém praticamente intacta a forma tridentina. O meu pároco costumava usar esta Oração Eucarística nas festas mais importantes. É muito bonita, com a referência a todos os Apóstolos, aos primeiros Papas, aos primeiros mártires da Igreja, etc., mas quase que não há referência ao Espírito Santo. Que diferença quando a comparamos com a Oração Eucarística III do "Novus Ordo"! A meu ver, o Rito Tridentino acaba por sublinhar uma enorme lacuna na Igreja Católica de tradição latina, que foi o esquecimento quase total do Espírito Santo. Quando comparamos com a tradição teológica da igreja oriental... Não é isto um motivo mais que suficiente para aderirmos ao "Novus ordo"?
4. Outro aspecto que me dá fraca impressão no Rito Tridentino é o Leccionário. Tão limitado! Já notaste que se "favorece" sobretudo S. Mateus e que grande parte da Bíblia nunca é lida? Já comparaste com o Leccionário do "Novus Ordo"? Já notaste que com o "Novus Ordo" num ciclo dominical de três anos (Ciclo A, B e C) se lê praticamente todo o Novo Testamento e que num ciclo diário de dois anos (anos pares e ímpares) se lê quase toda a Bíblia? Nada disso acontece no Rito Tridentino, que recorre desnecessariamente à repetição de muitos textos. O "Novus Ordo" presta muito mais atenção à Sagrada Escritura. E é bonito ver que o Leccionário do "Novus ordo" foi adoptado pela Igreja Anglicana (pelo menos a "High Church"), com o grosso do calendário litúrgico igual!
5. Um dos elementos teológicos que os "tridentinos" mais mencionam é o de que para o "Novus Ordo" a missa deixou de ser "sacrifício" para passar a ser simplesmente "ceia". Tal afirmação não é verdadeira, mas deve-se chamar a atenção que sendo sacrifício, a Eucaristia também é Ceia. Não só uma coisa, nem só outra, mas as duas. Creio que o "Novus Ordo", bem entendido, realça os dois aspectos, sem cair no excessivo "verticalismo" tridentino nem no excessivo "horizontalismo" de muitos protestantes, para quem a Eucaristia é apenas uma "ceia comemorativa".
6. Há outros elementos que aparecem nas discussões que deveriam ser tratados com menos leviandade, em ambos os lados da "barricada":
a) Em relação ao Latim, o recurso ao latim como língua sagrada é muito problemático. A Eucaristia não é um ritualismo mágico onde as palavras numa língua morta têm mais força mistérica porque não as percebemos. Também não serve o argumento de que é a língua de sempre da Igreja, uma vez que as primeiras Eucaristias foram (pelo menos também) em Grego, ou seja, uma língua vernácula! E quando passaram a ser em Latim, também era vernáculo.
b) Muitos usam o argumento (e creio que também o fizeste) de que a Missa em Latim, tridentina, com todo o seu ritualismo (tudo está milimetricamente previsto em termos de movimentos e palavras) dá muito mais a imagem e "proximidade" do sagrado. É um argumento perigoso. Muitos usam precisamente este argumento para usar uma música mais "New Age" ou mesmo "rock" nas missas, como já vimos defender neste fórum. Há uma pergunta fundamental a fazer quando falamos de Liturgia: a quem queremos agradar numa Liturgia? Que critérios são válidos para dizer que uma Liturgia foi boa? Não é o critério do "gosto pessoal" uma razão muito mais forte para que tenhamos Liturgias "à la carte"? Obviamente, estou a exagerar um pouco, mas apenas para fazer notar o perigo de algumas formulações.
Venham daí as tuas reflexões!
Alef