Não podemos deixar que o pequeno mundo onde nos movemos e nos
agitamos limite, essencialmente, a verdade das coisas. Forjamos facilmente
as nossas visões a partir do que vamos vivendo nos nossos horizontes
limitados e generalizamos tudo a partir do que vemos ao nosso redor. Só que
a verdade é sempre maior do que nós e exige um olhar de largos horizontes só
acessíveis a uma alma universal.
Por várias vezes me tenho interrogado sobre a persistência de
João Paulo II em beatificar e canonizar vidas como nunca acontecera em
qualquer pontificado. A razão que me parecia mais lógica era a vontade do
Papa de propor o ideal de santidade a um mundo desmotivado para os valores
espirituais. Uma espécie de caminhar contra a corrente. Todavia, não
obstante a validade desta visão, uma outra se impõe com mais vigor: O
Testemunho do Sangue dos mártires do século XX.
No passado dia 9, no Pontifício Ateneu «Regina Apostolorum», o
jornalista italiano Antonio Socci apresentou o seu livro “Os Novos
Perseguidos” onde se refere ao caminho da Igreja ao longo dos 2000 anos já
vividos como um itinerário de martírio e perseguição. Segundo este autor, 70
milhões de mártires deram a vida por serem cristãos desde os primeiros
instantes do cristianismo até aos nossos dias. No entanto, o que mais
espanta neste número é que cerca de 65%, isto é, quase 46 milhões destes
mártires pertencem ao século XX. E estamos longe de ver superada a
perseguição aos cristãos nos tempo que correm.
Entre os países onde os cristãos são hoje mais perseguidos
contam-se as Ilhas Molucas, na Indonésia, Bangladesh, Índia, Nigéria, Cuba,
Repúblicas da Ex. URSS, Arábia Saudita e vários países islâmicos, Vietnam,
China e Sudão sendo este último onde as perseguições serão talvez mais
implacáveis. A conta corrente está longe de estar fechada. Hoje, muitos
cristãos estão a dar a vida pela fé em Jesus Cristo.
Perdoem-me os profetas do mau agouro: Esta Igreja só pode ser
uma Igreja de Esperança. Se dar a vida é a maior prova de amor, então, o
século XX foi uma espantosa lição de amor e de fidelidade ao Evangelho. E
isto só pode produzir abundantes frutos.
Claro que podemos fazer uma leitura da história pela negativa a
partir dos parâmetros do Cristianismo como religião oficial do império, da
Inquisição, das Cruzadas, dos silêncios, dos escândalos do clero, etc.,
etc... fechando-nos à possibilidade de qualquer purificação na história,
porém, silenciar este impressionante testemunho de sangue que a Igreja do
século XX deu ao mundo é, no mínimo, não deixar que a luz irrompa nas trevas
e fecunde os nossos esforços de salvação.
Claro que isto não é notícia. Não vende jornais nem engorda
audiências. Mas a comunidade dos cristãos não pode ficar indiferente a este
sinal dos tempos que tantos irmãos de fé estão a erguer todos os dias. Não
podemos deixar que se desgaste na erosão dos tempos a grande máxima: Sangue
de Mártires é semente de cristãos! Estou certo que este testemunho de sangue
irá produzir abundantes frutos. Se a cultura do nosso tempo gera vazios e
ansiedades, depressões e desvios, eu creio, com todas as convicções da alma,
que este testemunho de sangue de tantos irmãos só poderá gerar sementes de
vida nova no Espírito que nos salva. Por isso, os tempos são de esperança.
marius-v.v@oninet.pt