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Re: Os Abortófilos
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 11 de February de 2003 02:35


Ou será, pura e simplesmente, que Jamila Madeira colocou em causa a experiência do MDV por este ainda não ter a oportunidade de trabalhar em Educação Sexual nesta escala?

Ou será, muito provavelmente, que os interesses e políticas de Educação Sexual e Reprodutiva estão instalados e mercantilizados, protegidos pelos políticos?

E não será totalmente louvável o trabalho do MDV?

E porque é que será que a Ana é tão contra a educação para a abstinência e para os métodos naturais?

João

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana paula (IP registado)
Data: 11 de February de 2003 11:56

Abstinência tudo bem... Agora métodos naturais em adolescentes e jovens...
Sabemos já o resultado.


ana

Re: Os Abortófilos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 06:31

Bernard Nathanson, de "rei do aborto" a militante pró-vida. O filme "The Silent Scream"


No tópico "A pílula é abortiva" citei há alguns dias Bernard Nathanson e o João pareceu interessado em saber algo sobre este senhor. Preferi escrever sobre o assunto neste tópico, por aqui por causa do título... E o outro tópico já tem muito tráfego... ;-)

O texto que se segue foi escrito por mim para um outro fórum, há um ano atrás (Janeiro de 2002), numa discussão bastante violenta (e também superficial) em termos de argumentação por parte de alguns participantes. A verdade é que quando apresentei o filme de que falo em baixo muita gente se apercebeu do que realmente se estava a falar e os ânimos começaram a serenar. É que uma boa parte dos participantes era não só pela despenalização como até pela liberalização...

Bernard Nathanson era um ginecologista, conhecido como o "rei do aborto", um dos maiores abortistas da história. Pessoalmente terá feito uns 5.000 abortos (entre os quais o de um filho!) e chefiou a maior clínica abortista dos EUA. Sob a sua direcção ter-se-ão praticado uns 75.000 abortos, chegando aos 130 por dia. Foi um dos grandes responsáveis pela legalização do aborto nos EUA, recorrendo a técnicas fraudulentas que ele próprio explica. Nos anos 70 os estudos de fetologia levaram este homem a uma mudança radical. Percebeu que no feto não há nunca um momento revolucionário que marque o início da presença de uma pessoa humana e que desde a concepção estamos diante de uma vida humana que é única. Nos anos 80 tornou-se um activista pró-vida. Vale a pena ver porquê. Bom, para ser breve, aqui vão uns links:

a) [br.geocities.com] ou [www.cleofas.com.br] - impressionante testemunho dado pelo próprio. Interessante ver como a falsificação das sondagens levou ao imediato crescimento da posição pró-aborto na opinião pública americana. Nestes textos responde-se a várias questões e objecções, incluindo a da formação do sistema nervoso, apontada por alguns como determinante para a definição de um ser humano.

b) [www.silentscream.org] (inglês) ou [www.silentscream.org] (dobrado em espanhol) -- "THE SILENT SCREAM". Trata-se de um famoso filme de 27 minutos apresentado por B. Nathanson, disponível online em Windows MediaPlayer, nos links indicados, e disponível também em videocassete em português (ignoro se em PAL). O "script" e algumas das fotografias do filme estão disponíveis on-line em [www.silentscream.org] (inglês) ou [www.silentscream.org] (espanhol). Através de imagens obtidas por ecografia é possível ver o aborto do ponto de vista da vítima. Poderá parecer violento, mas nada que um pró-abortista não aguente... Está de acordo com a sentença... [Nota: neste filme vê-se um caso verídico de aborto e nota-se como o feto de 11 semanas luta pela vida. Quando a vida humana é descartável...] Creio que todos os pró-aborto deveriam ver este vídeo com olhos de ver...

Alef

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 10:33

POrtanto, há que promover a edicação sexual e a contracepção eficaz.





ana

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 10:54

Sobre a violência moral e a aberração ética da utilização destas imagens, falarei mais tarde e tentando manter a calma.

(A Igreja Católica já se pronunciou expressamente contra este tipo de campanhas, que são atentatórias á dignidade do ser humano...)
Já agora se fosse o aborto terapêutico de um feto de onze semanas, ( logo moralmente aceitável), também era um bom video??


ana

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 14:27

A utilização de filmes e imagens destas em campanhas anti aborto é moralmente repugnante.

Os fins não justificam os meios.

Isto é, embora a finalidade de uma campanha possa ser moralmente aceitável, isso não legitima o uso de todos os meios (como a violência física a coacção moral, a exploração do sofrimento humano ou até o homicídio) para atingir os seus objectivos. Todos estes meios têm sido utilizados pelos Movimentos ditos Provida, nas suas campanhas anti aborto, chegando ao ponto de assassinarem mulheres e médicos.

É ilícito, reprovável e ilegal filmar um procedimento médico e exibi-lo sem autorização do sujeito.
É ilícito, moralmente condenável e ilegal filmar e exibir imagens de seres humanos em agonia ou sofrimento, quaisquer que sejam os motivos.

Por exemplo, o cancro de pulmão está associado ao uso de tabaco e conduz a uma morte horrível. Ninguém aprova que uma campanha antitabagista filme as imagens da agonia atroz de um doente com cancro do pulmão, ainda por cima sem sua autorização.
Por exemplo o abuso sexual de crianças é abominável e deve ser combatido de todas a formas legítimas. Mas não é lícito, legal ou moralmente aceitável, a divulgação de imagens de filmes de crianças a serem torturadas ou abusadas sexualmente, numa campanha anti - pedofilia.

Posto isto, estas violentas campanhas anti - aborto, têm ainda outras “contra-indicações”.

1 – São extremamente demagógicas. Como não têm uma finalidade pedagógica nem preventiva, recorrem a manipulações básicas de sentimentos, chegando a utilizar distorções e manipulações de imagens.
Este tipo de filmes é basicamente publicitário. Pretende fazer publicidade de uma determinada agenda política e ideológica. Nesta perspectiva, os “bebés assassinados” são coisificados, reduzidos a objectos e exibidos como troféus… A sua morte é utilizada de uma forma mercantilista para fazer passar determinadas ideias-chave. Por exemplo - as mulheres que fazem um aborto são assassinas e merecem a pena de prisão ou a pena de morte.

È muito fácil fazer filmes publicitários deste género. Por exemplo, utilizar as imagens filmadas do dia a dia de um deficiente mental profundo, apelando para sentimentos básicos de repugnância, horror ou até piedade, apara justificar a eugenia. (Isto foi feito com muita eficácia na Alemanha nazi)
De igual forma, para fazer uma brutal campanha anti-natalidade, bastaria filmar e exibir as imagens de meia dúzia de partos ao acaso, sobretudo aqueles mais violentos ou que mais sofrimento provocassem ás mulheres ou aos nascituros. Garanto que o impacto, em termos de horror e repugnância física face ao parto, seria o mesmo que o provocado pelas imagens de um aborto.
De igual forma, também se poderia utilizar as imagens filmadas de bebes recém-nascidos de termo a agonizarem lentamente devido a malformações congénitas. Que melhor campanha para justificar o aborto precoce de fetos com anomalias congénitas?
Obviamente que este tipo de campanhas é moralmente reprovável e até ilegal.

2 – Outro tipo de argumentos tem a ver com a eficácia destas campanhas. Está demonstrado que este tipo de campanhas publicitárias é ineficaz. Isto é, numa perspectiva meramente pragmática, o seu efeito “positivo” nulo.
Não é pelo facto destes filmes serem exibidos que diminui o recurso ao aborto.
Pelo contrário, estas imagens até podem ter um efeito perverso de banalização da violência e de promover a insensibilização face ao aborto.
3 – Estas campanhas recorrendo a este tipo de imagens reforçam em absoluto a ideia de que o ser humano só merece protecção a partir de terminada fase do seu desenvolvimento, quer dizer a partir do momento em que o feto passa ater “CARACTERÍSTICAS HUMANAS”. De facto, estas campanhas nunca apresentam imagens de embriões congelados a serem destruídos ou de um “zigoto” impedido de nidar. Por quê? Porque por um lado não consideram isso aborto, por outro, porque essas imagens não teriam qualquer impacto nem despertariam os instintos mais primários de repugnância horror e choque, que é o seu objectivo essencial. ( tipo programas televisivos telelixo).
4 – Por último, exacta campanhas são fortemente violentas para as mulheres que já passaram por um aborto – mesmo espontâneo, mesmo naquelas situações em que o aborto se deu por razões terapêuticas e é moralmente aceitável.

Por isso, aos senhores aqui no Fórum que utilizam estes filmes nas suas campanhas antiaborto, eu recomendariam alguma reflexão e muito rigor ético.

ana

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 14:33

O que eu queria dizer é que estes filmes sublinham a ideia de que um aborto é violento e repugnante a partir da 10 ou 11º semana, mas antes disso, se for á terceira ou quarta semana, não há qualquer problema…

È esta a mensagem que o Alef quer passar?

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 14:37

è um verdadeiro abortófilo......

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 16:08

ou não?

Re: Os Abortófilos
Escrito por: Ana Amorim (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 16:16

De facto, Ana, eu não podia estar mais de acordo.
Sobretudo no que dizes acerca da banalização da violência e da insensibilidade face ao aborto.

Re: Os Abortófilos
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 22:44

Ana, parece-me completamente desproporcionado e pessoalmente ofensivo que estás a atribuir-me. Chamar-me abortófilo depois do que já falámos sobre este assunto no outro tópico é, no mínimo, falta de bom senso e de respeito. Lamento dizê-lo. Haja algum pudor e não quero embarcar no mesmo tipo de "diálogo" que tens tido com o João ou que terás com outras pessoas. Nada justifica essa agressividade. Acho que devias ter esperado mais tempo para teres mais calma. Ou terei de ignorar as tuas mensagens a partir daqui, porque eu não vou em confrontos pessoais deste calibre.

[Estou seguro que normalmente não és assim (eu creio conhecer-te pessoalmente, pois conheço o teu marido), mas num fórum há que manter o mínimo de urbanidade.]

Compreendo o teu protesto em relação à referência ao vídeo, e estou de acordo em alguns pontos, mas fazes uma tremenda caricatura e insinuações pessoais inaceitáveis.

Posto isto, vamos a uma breve consideração sobre o assunto. Em tese concordo que as campanhas "violentas" não são solução especial para nada e nunca participei nelas. Mas é preciso ver o contexto deste vídeo: pretende rebater aqueles que dizem que até à 11ª semana não há vida humana, que o feto não sente dor, etc... Vivemos numa sociedade que tende a esconder a dura realidade das coisas. Desde que seja "limpo" e não se veja tudo é permitido. O aborto é um acto brutal por essência e essa brutalidade não deve ser esquecida. Que seja com este vídeo ou com um poema ou um esquema ou uma "ficha técnica", isso é relativo, mas o essencial não deve ser esquecido. Não se vai lá com eufemismos...

Pergunto: como é que tanta gente acha inapropriado que se mostre um vídeo sobre o aborto, por ser violento, mas não se acha inapropriado que se repita o que o vídeo mostra vezes sem conta?

Não acredito que este vídeo leve à banalização do aborto. Bem pelo contrário. É discutível o seu uso -- não tenho dúvidas --, mas é sabido que muita gente fica a pensar duas vezes quando o vê.

Finalmente, diga-se que me referi a ele apenas porque o João se mostrou interessado no caso de Nathanson e por o vídeo ser apresentado por ele. E aproveitei um texto já escrito anteriormente, como explico. De qualquer forma, fico perplexo com essas tuas invectivas pessoais.

A aguardar melhores dias,

Alef

Re: Os Abortófilos
Escrito por: lucifer (IP registado)
Data: 12 de February de 2003 23:09

A minha reacção de indignação é porque acho inqualificável a exibição deste material.
È uma violência e uma ofensa ás mulheres que já tiverem um passar por um aborto, mesmo que seja um aborto espontâneo ou um aborto terapêutico.
Repito, os fins não justificam os meios.
O abuso sexual de menores deve ser combatido. Mas não é lícito, legal ou moralmente aceitável, a divulgação de imagens de filmes de crianças a serem torturadas ou abusadas sexualmente, numa campanha anti - pedofilia.
A mesma coisa em relação ao aborto.

Já percebi que te dizes antiaborto. Então objectivamente, explica-me como podes embarcar em campanhas destas?
Ou noutras, ainda mais incríveis, de ataque a métodos contraceptivoscomo a pílula ?
Ficaste escandalizado por questionar se és abortófilo?
Mas não é o que tu tens insinuado insidiosamente em relação a mim, DE FORMA REPETIDA?
E quanto á urbanidade, penso que tem sido mantida, embora estas questões suscitem uma natural indignação ...
Enfim ,se não quisere responder, não respondas.

Eu continuarei a escrever o que penso.

Não sei se me conheces - eu por mim não faço ideia de quem sejas. Mas de qualquer forma, todos merecem o meu respeitoDESDE QUE TAMBÉM RESPEITEM A MINHA LIBERDADE DE PENSAR E DE ME EXPRIMIR.



ana

ANA

Re: Os Abortófilos
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 13 de February de 2003 18:08




Na Igreja Católica não há uma única doutrina vigente sobre contracepção e aborto. No entanto, a mais conhecida é a doutrina conservadora defendida pelo Papa, por muitos membros da hierarquia e, também, por uma minoria significativa de teólogos católicos. Esta doutrina insiste em afirmar que todos os meios de contracepção artificial e o aborto são contra as leis de Deus. Para esta perspectiva conservadora métodos contraceptivos não podem sequer ser utilizados por uma pessoa cujo cônjuge está infectado com HIV. Certamente esta é uma leitura possível das tradições católicas e cristãs, porém muitas pessoas consideram-na extrema. Seria uma tragédia se essa doutrina ortodoxa fosse a única e legítima adotada pela Igreja Católica. Felizmente, não é este o caso.

Além deste ensinamento severo, há, na tradição e fé católicas, uma outra perspectiva em que métodos artificiais de contracepção não são apenas permitidos, mas uso é, em muitas situações, obrigatório do ponto de vista moral, por exemplo, para prevenir DSTs, principalmente a infecção por HIV. Sendo moralmente aceitável para regular a fecundidade. O planejamento familiar é tão essencial à vida humana como a razão.
O cientista Harold Dorn, a partir de uma lógica muito simples, explica que: “Nenhuma criação de Deus tem se multiplicado sem limite. Há dois impedimentos biológicos para o aumento acelerado da população: um alto índice de mortalidade e baixo de fecundidade. Diferente de outros organismos biológicos, os seres humanos têm o poder de escolher qual destas formas preferem, de qualquer modo há de existir alguma”. Se houver um crescimento excessivo da população, a natureza nos matará de fome, doença ou por uma destruição ambiental, como ocorre em muitas partes do mundo. A alternativa a estes males é o planejamento familiar.

Num mundo perfeito, onde os métodos contraceptivos estivessem à disposição de todas as pessoas; onde mulher e homem fossem educados e se respeitassem mutuamente; onde a pobreza não causasse danos à vida, neste tipo de utopia o aborto seria muito raro. Porém nosso mundo não é uma utopia.
Em meu último livro SACRED CHOICES: The Right to Contraception and Abortion in Ten World Religions (Fortress Press, 2001) (Escolhas Sagradas: o direito à contracepção e ao aborto em dez religiões do mundo) demonstro como todas as maiores religiões do mundo – incluindo o catolicismo – reconhecem a fecundidade como uma benção que pode ser também um castigo. Todas estas religiões têm perspectivas conservadoras sobre o planejamento familiar, tanto quanto a católica. Mas de mesmo modo convivem perspectivas mais moderadas que permitem a contracepção e o aborto quando necessário.

No catolicismo, esta doutrina moderada e sensata tem sido escondida do público. Somente a doutrina extremamente conservadora tem sido apregoada mundo afora, principalmente pelo Vaticano. Esta perspectiva também é intensamente defendida no âmbito das Nações Unidas, onde o catolicismo é a única religião a ter direito à voz e ao voto como se fora uma nação. E apesar de haver perspectivas mais moderadas, e inclusive mais liberais, sobre planejamento familiar – que são completa e inteiramente católicas –, o Vaticano tem sido muito ativo na defesa da perspectiva de restrição absoluta com relação aos métodos contraceptivos. A partir da posição privilegiada que ocupa nas Nações Unidas e em conjunto com as nações “católicas”, o Vaticano estabeleceu alianças com nações conservadoras da religião islâmica, e juntos conseguiram proibir qualquer referência à contracepção e ao planejamento familiar na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992.
Por sua vez, esta aliança obstaculizou as negociações na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e impediu qualquer discussão racional sobre o aborto. Com muita ironia, a então Primeira Ministra da Noruega, Gro Brundtland, na Rio-92, afirmou: “Os estados que não têm problemas de população, e um em particular que nem tem nascimentos, estão fazendo todo o possível para impedir que as mulheres do mundo possam tomar decisões racionais com relação ao planejamento familiar”.

Além deste ensinamento severo, há, na tradição e fé católicas, uma outra perspectiva em que métodos artificias de contracepção não são apenas permitidos, mas também que o uso desses métodos é, em muitas situações, obrigatório do ponto de vista moral

Esta súbita harmonia entre o Vaticano e os estados islâmicos conservadores é interessante. Durante catorze séculos a relação entre eles foi tempestuosa a ponto de provocar guerras e perseguição. Nesta época, abortos eram realizados embora este fato não tenha produzido qualquer amizade ecumênica. Será que o assunto é realmente o feto? Ou será que estes dois baluartes patriarcais se uniram em face de um novo perigo: uma população de mulheres livres e autodeterminadas? Na minha opinião, é a misoginia que explica esta nova aliança.

A reforma católica

Uma das tragédias da vida humana é a separação entre o poder e as idéias. A doutrina católica está repleta de bom senso e flexibilidade, muito mais do que uma pessoa imaginaria ouvindo a hierarquia eclesiástica. Líderes religiosos católicos nem sempre estão preparados para serem os melhores porta-vozes da tradição que representam. No catolicismo, papas e bispos não são freqüentemente teólogos e, assim, não expressam os verdadeiros tesouros de sabedoria que o catolicismo tem para oferecer ao mundo. No entanto, a entrada de pessoas leigas no campo da teologia católica está provocando uma mudança neste cenário. Elas estão trazendo para o catolicismo suas experiências da vida cotidiana como trabalhadores, mães, pais e profissionais. A teologia católica já não é mais um clube de clérigos, e certamente isto é um progresso. Entre os teólogos leigos está a Professora Chiristine Gudorf, uma estudiosa reconhecida internacionalmente, que trabalha na Universidade Internacional, Miami. Ela também é casada e tem filhos.

A teologia católica foi, ao longo dos tempos, um campo do saber humano desenvolvido quase que exclusivamente por homens. Entretanto, em meados do século XX, as mulheres começaram a ingressar neste campo enriquecendo-o a partir de pesquisas e de suas próprias experiências proporcionando, assim, uma bem-vinda mudança.


Segundo Teilhard de Chardin, um erudito jesuíta, nada é inteligível fora de seu lugar histórico. Se perdêssemos nossa história pessoal através da amnésia, não poderíamos saber quem somos. Gudorf, e outros estudiosos, por sua vez também acreditam que não existe nada mais esclarecedor para as pessoas do que um passeio pela história.

A teóloga observa que quando o cristianismo surgiu, a contracepção e o aborto eram ambos conhecidos e praticados. Egípcios, judeus, gregos e romanos usavam vários métodos de contracepção, incluindo coito interrompido, pessários, poções e preservativos, e, ao que tudo indica, o aborto era um fenômeno muito comum. As pessoas tinham conhecimento destes métodos e ainda que muitos líderes religiosos tentassem impedi-los nunca obtiveram sucesso total.

Surpreendentemente o aborto e a contracepção não eram os métodos mais comuns para regular a fecundidade na Europa, mesmo antes da advinda do cristianismo. O infanticídio era o método mais usado (quase no mundo inteiro). Foi contra o infanticídio que o cristianismo reagiu fortemente, mas existem evidências que esta prática continuou sendo empregada. Informação das épocas medieval e moderna mostra uma alta incidência de mortes de crianças “por acidente”, causadas principalmente por asfixia pelo cordão umbilical. Também outras mortes de crianças foram reportadas como “morreu no trabalho de parto”. Como observa Gudorf “o nível de mortes por asfixia ocasionada pelo enlaçamento do cordão umbilical não podia ser somente acidente”.

Todas as grandes religiões do mundo, incluindo o catolicismo, reconhecem que a fecundidade é uma benção que pode ser também um castigo.

Deste modo, durante a idade média, o infanticídio era muito menos comum do que o abandono. Muitas vezes, pais sem possibilidade de sustentar seus filhos deixavam-nos em cruzamentos, na porta das casas, ou nas feiras livres, na esperança de que seriam adotados por alguém. No entanto, era mais comum que as crianças ficassem condenadas a uma vida de escravidão ou morte prematura. Para minimizar esta crise a Igreja, na idade média, providenciou a oblata. Isto é, uma criança podia ser oferecida à Igreja para ser criada num monastério religioso e levar uma vida eclesiástica. Muitas delas se tornavam freiras ou monges celibatários e, assim, esta também era uma maneira de conter a fecundidade.

Uma outra resposta católica ao excesso de fecundidade e as gravidezes não desejadas foi os hospitais de crianças abandonadas. Estes hospitais foram equipados com uma espécie de roda (conhecida como “Roda dos Expostos”), um mecanismo, onde se colocava a criança anonimamente na parte externa do hospital e, ao girar-se a roda, a criança era conduzida para a parte interna. Estas boas intenções não recebiam contrapartida em recursos e a grande maioria, às vezes 90 % delas, morria meses depois. Por causa da prevalência do infanticídio e do abandono não é surpreendente que não houvesse muita discussão sobre o aborto e a contracepção. Segundo Gudorf, “as grandes lutas pastorais do primeiro milênio foram contra o infanticídio, cuja proibição aumentou a incidência do abandono”. O alto índice de mortalidade de crianças devido a deficiências nutritivas, higiênicas e médicas, também, foi outra forma comum e cruel de controle populacional.

O ensinamento católico sobre contracepção

A doutrina católica sobre contracepção não se mantém constante ao longo da história. O que muitas pessoas —incluindo muitos católicos— pensam que seja “a doutrina católica” sobre este tema, na realidade, data da Encíclica de 1930, Casti Connubii, do Papa Pio XI. Antes disso, a doutrina era contraditória e de difícil compreensão. Pio XI decidiu, então, torná-la mais clara, no entanto, introduziu uma mudança sobre o tema ao afirmar que contracepção e esterilização se tratavam de pecados contra a natureza e aborto um pecado contra a vida. Segundo Gudorf, “a contracepção e o aborto, associados a feitiçaria e bruxaria, foram geralmente proibidos em ensinamentos anteriores”.

A atitude tradicional cristã com relação à sexualidade foi tão negativa que atividade tão imoral era apenas justificável para fins de reprodução. Para o Papa Gregório IX, nos Decretos de 1230, tanto a contracepção como o aborto eram homicídios. Alguns penitentes cristãos da idade média ordenavam o cumprimento de sete anos de jejum a pão e água para um leigo que cometesse homicídio; um ano para os casos de abortamento proposital; e sete anos para casos de esterilização.
Assim, a esterilização era considerada como algo muito pior do que o aborto porque enquanto este tratava-se de atitude contra à vida, aquele era um atitude anti-sexual e, portanto, impeditiva de futuras concepções.

O aborto impedia o prosseguimento da fecundidade ao passo que a esterilização podia anulá-la para sempre; portanto, era mais séria.

Também, até o momento em que o papel do óvulo não foi completamente entendido (século XIX) o esperma era considerado um homunculi, ou seja, uma pessoa em miniatura.
Por esta razão, se acusava de homicídio a masturbação masculina. É claro que a história da ética sexual cristã é um pouco contraditória. Para entendê-la completamente, e para formar uma opinião qualificada sobre as opções éticas da Igreja Católica, é preciso conhecer mais história.


A Bíblia não condena o aborto. Por exemplo, em Êxodo 21:22, que fala do aborto espontâneo causado por acidente, a lei impunha um castigo financeiro para o homem que, “durante uma briga”, causasse um aborto espontâneo por acidente. Este trecho trata do direito do homem a descendência. Ele pode receber uma multa como castigo, mas não pode sofrer a lei do “olho por olho” como se tivesse matado uma pessoa. Desta maneira, como disse o teólogo conservador John Connery S. J., “o feto não tinha a mesma categoria da mãe na lei hebraica”, quer dizer, não possuía o estado moral de uma pessoa. Isto é o que diz a Bíblia sobre este assunto.

A história dos primórdios da Igreja segue o exemplo das escrituras em relação ao aborto e fala disto apenas de forma acidental e esporádica. De fato, não existe um estudo sistemático desta questão até o século XV. Tertulião, escritor primevo da Igreja, escreveu sobre o aborto de emergência nos momentos finais de uma gravidez, quando um médico tinha que desmembrar o feto para removê-lo. Tertulião se refere a esta medida extrema como “crudelitas necessária”, ou seja, uma necessidade cruel. Evidentemente, isto equivale a uma aprovação moral daquilo que muitos chamam erradamente de um “aborto de nascimento parcial”.

Há uma doutrina dominante no cristianismo, que foi também desenvolvida nos primórdios da Igreja, é a teoria da “hominalização” tardia, ou seja o momento em que a alma anima o corpo. Emprestada dos gregos, esta teoria afirma que a alma humana só animava o feto por volta do terceiro mês de gravidez. Antes disso, qualquer forma de vida existente não era considerada humana. Desta forma afirmava-se que o embrião era habitado primeiramente por uma alma vegetal, depois pela alma animal, e só quando estava suficientemente formado é que a alma espiritual humana habitava o corpo (Ver, p.e., São Tomás de Aquino, Summa Theologiae 1, q. 118,2 ad 2). Apesar de alguns esforços de cunho claramente machista tentarem estabelecer uma diferenciação entre homens e mulheres, afirmando que a alma humana habitava mais cedo o corpo masculino do que o feminino – em torno de um mês e meio após a concepção –, no entanto, o que era comumente aceito é que o embrião atingia a etapa de conceptum humano (corpo e alma) por volta do terceiro mês (ou até mais tarde) de gravidez.

Christine Gudorf afirma que a perspectiva pastoral comum considerava que “o momento em que a alma animava o corpo ocorria somente quando a mãe podia sentir o primeiro movimento do feto, normalmente durante o quinto mês. Antes disso, o feto não era considerado uma pessoa humana. Esta era a razão por que a Igreja Católica não batizava fetos de abortos espontâneos, nem crianças que morreram ao nascer.” Por isso, ao refletir sobre a crença de que todos os mortos ressuscitarão por ocasião do fim do mundo, Augustino ponderou se os fetos abortados ressuscitariam também. E conclui que não. Acrescentando que tampouco todos os espermas da história poderiam ressuscitar (Graças a Deus!) (lembremo-nos de neste momento acreditava-se que os espermas eram considerados homúnculos).

Teólogos católicos latino-americanos em estudo recente concluíram que: “Ao que tudo indica, os textos dos primórdios da Igreja que condenam o aborto se referem à prática realizada quando o feto já estava completamente formado”. (“Problemática religiosa de la mujer que aborta”, Universidad Externado de Colombia, 1994) O feto no início de seu desenvolvimento não possui o status de “pessoa”, portanto “matá-lo” não poderia ser considerado o mesmo que “assassinar”.

A idéia da “etapa hominal” tardia persistiu ao longo da tradição católica. Por exemplo, São Tomás de Aquino, o mais célebre teólogo da idade média, também defende este ponto de vista. Portanto, a doutrina mais tradicional e impregnada do cristianismo católico considera que abortos realizados no início da gravidez não podem ser homicídios. Posto que a maioria dos abortos, hoje em dia, são realizados no primeiro trimestre da gravidez, de acordo com essa doutrina católica, não podem ser chamados de assassinatos. Da mesma forma, uma gravidez interrompida através do uso da droga RU 486 não pode ser caracterizada como um ato de “matar uma pessoa”, de acordo com a perspectiva da “etapa hominal” tardia. O Padre Joseph Donceel, S. J., também está de acordo com esta perspectiva: “o embrião não é, certamente, uma pessoa humana durante os primeiros meses da gravidez, e conseqüentemente não é imoral interromper uma gravidez durante este período, contanto que haja razões sérias para a tal intervenção”.

O Padre Karl Rahner, S. J., a quem muitos consideram ser o primeiro teólogo católico do século XX, também acreditava na idéia de “hominalização” tardia. Ele escreveu em seu livro Dokumente der Paulusgesellschaft, de 1962, que “não se pode interpretar, através das definições dogmáticas da Igreja, que assumir que o conceptum humano (alma e corpo) ocorre somente durante o curso de desenvolvimento do embrião seja que contrário a fé. Nenhum teólogo pode pretender provar que a interrupção de uma gravidez, ou seja a realização do aborto, seria em toda e qualquer circunstância o assassinato de um ser humano”. Bernard Haring, o estimado teólogo de Redemptoria, também defende a idéia da “hominalização” tardia. Desta maneira, eles demonstram ser autênticos seguidores da doutrina católica tradicional.

No século XV, o santo arcebispo de Florença, Antoninus, dedicou-se muitíssimo ao estudo do aborto. Ele era favorável ao aborto realizado no início da gravidez para salvar a vida da mãe. Um posicionamento favorável em que estavam de acordo muitos outros membros no contexto da medicina do século XV. Isso se tornou um consenso comum na época. Inclusive não houve por parte do Vaticano nenhum tipo de crítica ou mesmo censura. De fato, Antoninus mais tarde foi canonizado como santo e se tornou um modelo a ser seguido por todos os católicos. Porém hoje em dia, muitos católicos não sabem que este santo, arcebispo e dominicano durante sua vida eclesiástica esteve a favor do livre arbítrio com relação ao aborto.

No catolicismo, Papas e bispos não são freqüentemente teólogos e, assim, não expressam os verdadeiros tesouros da sabedoria que o catolicismo pode oferecer ao mundo.

No século XVI, o influente Antoninus de Córdoba afirmava era possível lançar mão de um remédio que causasse aborto, mesmo durante uma gravidez adiantada, se isto fosse necessário para assegurar a boa saúde da mulher. A mãe, ele insistia, possuía jus prius, direito por antecedência. Interessante notar que algumas das doenças que ele menciona não são realmente escolhas entre vida ou morte para as mulheres, mesmo assim remédios abortivos eram moralmente permitidos. O teólogo jesuíta Tomás Sanchez, falecido no início do século XVII, afirmava que todos os teólogos contemporâneos seus aprovavam o aborto quando realizado no início da gravidez para salvar a vida da mulher. E nenhum destes teólogos ou bispos foram censurados por defender este ponto de vista. E como dissemos acima um deles, Sto. Antoninus, foi inclusive canonizado. Sua perspectiva doutrinária a favor do livre arbítrio com relação ao aborto foi considerada completamente ortodoxa e ainda pode ser considerada assim hoje em dia.

No século XIX o Vaticano foi convidado a participar de um debate sobre um aborto no fim da gravidez, o qual requeria o desmembramento do feto (já formado) para salvar a vida da mãe. Em 2 de setembro de 1869, o Vaticano recusou-se a discutir o assunto e endereçou o requerente aos ensinamentos da teologia para obter resposta a sua consulta. Em outras palavras, era a responsabilidade dos teólogos discutir o assunto livremente e chegar a uma conclusão. A decisão não era do âmbito do Vaticano. Esta modéstia tão apropriada e a falta de inclinação para intervir tratavasse de um modelo antigo e sábio o qual poderia servir de exemplo para o Vaticano.

O que esta breve incursão pela história procura demonstrar a existência, de fato, de uma doutrina católica a favor do livre arbítrio em relação ao aborto, e outra contra. No entanto nenhuma delas pode ser considerada como a doutrina oficial, ou como sendo a doutrina mais católica ou a mais autêntica. A perspectiva favorável do direito moral ao aborto por razões sérias é, de fato, a que prevalece nas principais religiões do mundo incluindo-se o catolicismo. Ainda que esta perspectiva permaneça no mais das vezes subvertida pelos discursos religiosos conservadores.

Alguns estudiosos católicos, hoje em dia, dizem que todo o aborto é pecado, outros dizem que há exceções no caso de risco de vida da mulher, gravidez indesejada resultante de estupro, deformidades genéticas do feto e outras razões igualmente sérias. Com o que sensatamente conclui Gudorf, “A melhor evidência demonstra que a doutrina católica não está completamente estabelecida, ao contrário encontra-se em pleno desenvolvimento atualmente”.

O Probabilismo é um dos tesouros da tradição moral católica e se aplica nos casos relacionados ao aborto. Esta doutrina baseia-se na idéia de que uma “obrigação” que provoque dúvida – nas palavras de Gudorf que não fosse “completamente imutável” – não pode ser imposta como se fosse indiscutível. Ubi dubium, ibi libertas, onde há dúvida, há liberdade. A dúvida existe quando há argumentações baseadas numa probabilidade firme divergente de um ensinamento moral, porém apoiada em autoridades teológicas. Nesse caso a consciência católica é livre. O Probabilismo, desta maneira, foi um triunfo católico na defesa da consciência individual esclarecida. Dependia não da autoridade hierárquica, cuja maioria não é formada por teólogos, mas da perspicácia argumentativa – a nossa própria ou a de teólogos eruditos. Não dependia de permissão, mas da existência de pontos de vista diferentes defendidos por teólogos católicos de reputação moral consultados pelos fiéis. Em termos técnicos dentro da teologia moral católica, o direito de discordar da hierarqui eclesiástica em questões morais e poder escolher realizar um aborto por razões sérias é “possível quando baseada numa probabilidade firme”.

O sexo, a mulher e o Sensus Fidelium

O debate sobre a sexualidade e a reprodução tem sido sempre influenciado por certos costumes culturais. Normalmente implicam atitudes sobre as mulheres e o sexo. Uma cultura que considera a mulher origem do mal, como Pandora ou Eva, obviamente terá problemas em justificar relações sexuais com elas e pode muito bem concluir que somente a reprodução justifica a cópula sexual com as mulheres. É exatamente isto o que ocorre com o cristianismo.
Augustino afirmava que, se não fosse pela reprodução, a mulher não teria qualquer utilidade. Em suas palavras, “em qualquer outra tarefa um homem poderia ajudar a outro homem melhor do que uma mulher.”

O comportamento das primeiras comunidades com relação às mulheres era danoso. A lei mosaica descreve a mulher como uma possessão do homem. Escritores da Igreja nos primeiros tempos diziam que as mulheres careciam de razão e só possuíam a imagem de Deus por meio de uma conexão com os homens.
Para Lutero as mulheres eram como pregos na parede, cuja natureza lhes proibia sair de sua situação doméstica.
E São Tomás de Aquino dizia que as fêmeas eram o produto de embriões machos que haviam sofrido algum acidente ocorrido no ventre materno e se tornavam fêmeas.
A Professora Gudorf, afirma em seu livro Body, Sex, and Pleasure (Corpo, Sexo e Prazer) (Pilgrim Press) que a Igreja rejeitou todos estes desatinos mas “continua ensinando o código sexual moral fundado em tais pensamentos”.

Não é de se estranhar que haja uma nova forma de pensar sobre a ética sexual e reprodutiva. Como afirma Gudorf: “No último século, a Igreja Católica (e o cristianismo em geral) tem questionado drasticamente o significado do casamento, da dignidade e do valor da mulher, a relação entre o corpo e a alma, e o papel do prazer corporal na vida cristã, o que implicará uma revolução para as doutrinas da Igreja sobre sexualidade e reprodução. De fato, os alicerces das antigas proibições têm sido derrubados e os novos não irão suportar o peso das proibições tradicionais”.

Gudorf e outros/as teólogos/as católicos/as não estão sozinhos com relação a estas mudanças dramáticas. Em 1954, o Papa Pio XII preparou o caminho para uma mudança na doutrina católica quando permitiu o uso do método rítmico para contracepção. Apesar de fazer uma pequena objeção sobre o método a usar, abençoou a intenção de contracepção e, por extenso, o resultado dela. Inclusive chegou mesmo a dizer que um casal poderia ter mais de uma razão para recusar ter filhos por completo.


Em 1968, quando o Papa Paulo VI reafirmou a perspectiva de que toda a contracepção artificial ou química era pecaminosa, bispos católicos de catorze países diferentes respeitosamente discordaram e orientaram os fiéis no sentido de que não se tratava de pecado, e tampouco seriam pecadores, se não podiam concordar com o Papa.

A maioria dos leigos, obviamente, já havia tomado sua própria decisão. Os índices de natalidade nas nações chamadas “católicas” na Europa e América Latina são negativos. Gudorf com certa ironia afirma que “é difícil acreditar que a fecundidade foi reduzida a metade só por causa da abstinência sexual voluntária”. Discordar sobre um determinado ensinamento hierárquico para os leigos católicos é algo muito comum na história da Igreja. O sensus fidelium, ou seja, o senso dos fiéis é uma das fontes na busca da verdade na teologia católica. Quer dizer que a consciência e a experiência das pessoas servem inclusive de guia que até a hierarquia eclesiástica deveria consultar.

Historicamente o melhor do catolicismo não é tão rígido nem autoritário como muitos bispos, papas e conservadores querem fazer crer. Como disse o teólogo católico Charles Curran, existem discordâncias na doutrina por parte da hierarquia, por exemplo, durante muito tempo a hierarquia católica ensinou que cobrar juros de empréstimos era pecado de usura, inclusive mínimas somas. No entanto, os leigos ponderaram se isto não se trataria de um equívoco que, de fato, cobrar juros muito altos é que caracterizaria o pecado. Um ou dois séculos depois a hierarquia eclesiástica concordaria com tal ponto de vista... especialmente depois que o Vaticano abriu um banco e teve que lidar com a realidade da vida financeira.

Leigos e teólogos estão, de novo, guiando a Igreja no sentido da liberdade moral de escolha de métodos contraceptivos e, também, na tolerância do aborto quando este se faz necessário. Talvez se a hierarquia católica pudesse casar e ter filhos poderia compreender melhor a sabedoria da vida cotidiana. Será uma pena se levarmos um século ou mais para que eles possam respeitar a consciência dos leigos, uma vez que essa consciência tem seu alicerce e beleza na experiência vivida no casamento e na família.

A professora Christine Gudorf acredita que dentro de uma ou duas gerações, a doutrina católica “mudará seus pontos de vista para fomentar a contracepção pelo casal, além de aceitar o aborto no início de gravidez em determinadas circunstâncias. Esta mudança ocorrerá quando a Igreja Católica enfrentar a realidade de uma biosfera que tenta sobreviver em meio a uma população numerosíssima, pois concluirá que há vontade de Deus e presença do Espírito Santo nas escolhas de pessoas que decidam compartilhar a responsabilidade das vidas, da saúde e da prosperidade de futuras gerações, mesmo que sua escolha seja a contracepção artificial ou o aborto”.

Como teólogo católico não sou tão otimista como a Professora Gudorf em relação a uma mudança da hierarquia num futuro próximo. Mas para católicos bem informados isto não significa realmente nada. A Igreja está mudando ainda que a hierarquia no esteja feito nada a esse respeito. O sensus fidelium (senso dos fiéis) sofreu transformações. Os teólogos recuperaram os melhores ensinamentos da doutrina católica e exploraram as grandes contradições que distorceram a imagem do catolicismo moderno. Dois filósofos católicos, professores na Universidade de Seattle, uma universidade jesuíta, escreveram um livro chamado A Brief Liberal Catholic Defense of Abortion (Uma Breve e Liberal Defesa Católica do Aborto) (University of Illinois Press) em que concluem: “sustentamos que a maior parte da teologia católica do século XX sobre o aborto é uma caricatura da rica e variada tradição do catolicismo sobre o assunto.”

Não é um bom serviço à Igreja Católica (nem ao mundo) papaguear os pontos de vista mais extremos e conservadores sobre a ética da reprodução, como tem feito o Vaticano. Apresentar a perspectiva do Vaticano como a única perspectiva católica vigente obscurece e afronta a riqueza da tradicional doutrina moral católica.

Daniel C. Maguire

Professor de Teologia e Ética Marquette University, EUA

Re: Os Abortófilos
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 20:15


Ana, já tinha lido este artigo. O autor intitula-a de "Doutrina Católica Moderada sobre Contracepção e Aborto". Deves citar as fontes dos artigos que citas (e tens citado textos enormes)... Neste caso, encontramos o texto aqui.

Entre "progressistas", "liberais", "conservadores", "tradicionalistas", etc., temos ainda os "moderados"...

Causa-me estupefacção o ponto a que chegam pessoas que, sob a capa de "compreensão", "abrangência" e "actualidade" promovem doutrinas que escamoteiam os fiéis numa legitimação que não têm, pois em nada são católicas. Como todas as dissensões de hoje, até se chega ao cúmulo de exigir autoridade na matéria, e até se diz que não se pode reduzir o Catolicismo ao Vaticano... Pensa-se que um qualquer encornanço sobre a história da Igreja, procurando exemplos de "excepções" legitimaria as reivindicações liberais que se fazem hoje... No seu liberalismo, critica-se severamente a Igreja, dizendo que é "extremamente conservadora"... Ah! Mas não se diz isso da "Igreja" e sim do "Vaticano", como se se legitimasse as práticas de católicos que na sua generalidade são ignorantes do que a Igreja ensina, sobre fé e moral, cedendo às pressões quotidianas... E criando uma clara clivagem entre clero e leigos.

O Prof. Dr. Daniel C. Maguire, é uma espécie de "velha guarda" dos desertores pós-Humanae Vitae. Realmente, está a ficar velhinho; já defende estas coisas há demasiado tempo e cada vez mais se torce o nariz a estas doutrinas ilícitas, de conluio com feminismos de liberalização sexual cada vez mais fora de moda, por ter perdido a glória de tempos passados... Percebe-se que tais doutrinas parciais e tendenciosas não conduzem a coisas boas, além de perderem sustentação quando se compreende a plenitude e coerência dos argumentos morais usados na observância à lei natural. Além disso, a falta de entendimento de Maguire sobre o que a Igreja ensina sobre planeamento familiar (a Igreja é a favor do planeamento familiar - entendido como uso casto da sexualidade no matrimónio, sustentando responsavelmente a família), mas sempre condenou os contraceptivos. Não entende ainda outras coisas: que não se trata de misogenia, que o acesso à Teologia da parte de leigos e leigas não provocará necessariamente um afastamento da doutrina da Igreja, mas até uma sua confirmação prática e uma harmonização entre clero e leigos, que o facto de só no século passado a Igreja ter definido claramente a sua posição contrária em relação à contracepção deve-se ao advento da sua generalização e admissão que exigiu orientações claras (não que houvessem dúvidas antes disso), que as orientações contrárias à contracepção ao longo da história apenas confirmam a doutrina, não que fossem adulteradas com uma forma errada de encarar o sexo (até porque hoje continuamos a alterar essa visão - curiosamente isso também foi clarificado na Casti Connubii - e ainda assim a considerar totalmente ilícito o uso de contraceptivos), que "tradições" de interpretação da doutrina da Igreja são comuns mas não ganham legitimidade pela sua antiguidade, mas pela sua legitimização e aceitação concreta por parte da Igreja, que o Vaticano pode ser ouvido como Estado e não como religião, etc.. É um homem muito confuso este Maguire... Teria pena dele, não fossem as divisões estúpidas que gera no seio da Igreja. E ele estar a criar organizações e a fazer os seus negócios e pactos com movimentos homossexuais e abortistas. Chama-lhes "escolhas sagradas" (http://www.sacredchoices.org)...

Ora, coisas destas só enganam os incautos e os que nelas querem acreditar, por estarem comprometidos com as suas práticas inveteradas contrárias à doutrina da Igreja, ou por coisas que os sensibilizaram irracionalmente. Nada têm de legítimo; não passam de teologias paralelas e sem sentido próprio. É necessário entender que não são os teólogos que "fazem" o Catolicismo: não é um conjunto de saberes e de crenças que o compõem. Mas isto justifica-se plenamente que esta actividade em relação à "diversidade" (ainda por cima apresentando-a como "riqueza" - as heresias, também são acarinhadas como diversidade?) na moral sexual inclui-se na forma de Maguire considerar a autoridade da Igreja, com as suas interpretações bíblicas e históricas próprias... De facto, é isso que está na origem desta obstinação em relação aos contraceptivos e aborto...

Além disso, é curioso que gente desta índole (trata-se de partilhar a mesma ideologia) considere que a doutrina foi mudando, mas que chegando a certo ponto, se tornou na "doutrina católica tradicional" autêntica, naquilo que querem acreditar e segundo os autores que preferem, e pronto... Mas não dá mesmo para ser honesto nestas coisas; tem de se pegar em tanto argumento mal alivanhado que a honestidade tem sempre de ceder...

Já agora, estamos a falar apenas de contracepção; porque é que não se refere o autor somente à contracepção e não também do aborto? Porque é que ambas as práticas andam sempre lado a lado, uma legitimando a outra?

Sinceramente, será preciso ser condescendente com estes "Pe. Mários" que deambulam pelo mundo procurando demonstrar uma ridícula pactuação com movimentos que nada querem saber de santidade? Ou devemos repudiá-los, exigindo que se retractem? Onde é que isto vai parar? "Sola sensus fidelium"???

«Todas as grandes religiões do mundo, incluindo o catolicismo, reconhecem que a fecundidade é uma benção que pode ser também um castigo.» - QUE IMBECILIDADE!! Castigo?? Deus "castiga-nos" com a fecundação?? A vida alguma vez vem de Deus como um castigo para os homens?? O coitadinho do Maguire que se cuide, que ganhe juízo... Já tem idade para isso.

Leiam também o seguinte artigo: Um teólogo na contramão da Igreja - Americano defende uso de contraceptivos, união entre gays, masturbação e aborto

Ficamos na mesma. A Igreja considera o uso de contraceptivos como algo de objectivamente mau, em si mesmo.

E acabo com uma justa formatação do parágrafo com que Maguire acaba:

«Não é um bom serviço à Igreja Católica (nem ao mundo) papaguear os pontos de vista mais extremos e liberais sobre a ética da reprodução, como têm feito os dissidentes. Apresentar a perspectiva do Vaticano como a única perspectiva católica aceite ilumina e afronta a mentalidade mundana, interpretando os novos desafios que coloca, com a riqueza da cada vez mais edificada doutrina moral católica.»

"Filhinhos, acautelai-vos dos ídolos"...

João

Re: Os Abortófilos
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 20:23


Bem, quando disse que estávamos a falar apenas de contracepção, equivoquei-me. Queria realmente apontar a liberalização de ambas e a forma como sempre partilham da mesma ideologia, se a entendermos coerentemente.

Mas este louco, Maguire, ainda vai mais longe na sua coerência: é claro que também se deve defender a homossexualidade e a masturbação (e porque não o sexo com animais, objectos, etc.) já que o objectivo mor é o prazer... Nos nossos tempos, ventila-se em ambientes católicos a ideia de que estas coisas não fazem mal: chegou-se ao cúmulo do descaramento. Talvez por isso as consciências fiquem alarmadas e comecem a dar mais ouvidos à Igreja.

João

Re: Os Abortófilos
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 20:33


Ainda em resposta a mensagens anteriores...

Ana, há que promover a edificação sexual! Há que acompanhar os jovens na sua abstinência, ajudando-os a edificar os seus valores e a entender o amor! Há que ensinar os métodos naturais! Sabes porquê? Porque estatisticamente o contrário não funciona!! Já para não falar na felicidade pessoal, na resiliência das relações humanas que assim se edificam, a economia do Estado, etc..

Eu reprovo absolutamente todo o homicídio querido ou procurado como fim ou como meio - salvo excepções de fronteira (o que em si mesmo não anula a regra, mas aplica-a em situações em que existem várias vidas em jogo).

Quanto à violência, cara Ana, alguém te espetou com isto na cara? Vês se quiseres! Mas é esta a REALIDADE das coisas, e deve ser aqui focada a nossa atenção, não no "direito"!!

Além disso, acho irreal dizeres que apresentar este vídeo é "uma violência e uma ofensa às mulheres que já tiveram de passar por um aborto" - ISTO É TOTALMENTE SUPERFICIAL! Na realidade, isso só se passa dependendo da forma como isto for distribuído! E assim é devido à incitação de ódios populares. Não fosse por isso, cada pessoa entenderia melhor a realidade de quem SOFRE o aborto, e a imoralidade de quem o quer liberalizar. Defendo portanto que estes materiais sejam disponibilizados com pudor. Mas não me vou envolver, tal como o Alef, na sua promoção.

A violência e ofensa que se passa aqui é o silenciamento da mortandade que se realiza em clínicas de aborto. Isso sim, é uma violência absolutamente grotesca e uma ofensa inqualificável à Humanidade e a Deus.

Quando dizes que os fins não justificam os meios, concordo. Mas quem é que determina a objectividade moral dos meios e dos fins, e sua interacção?? Para mim, isso vai muito além do que é permitido ou reconhecido pelo Estado.

A divulgação de imagens deste tipo é muito diferente das de pedofilia, por exemplo, por duas razões: devido ao completo anonimato, e devido à criança ter morrido. Além disso, a gravidade é maior - trata-se de homicídio generalizado e consentido.

Quanto à liberdade de pensamento e expressão, tenhamos consideração para com a verdade. Estou em total solidariedade e comunhão de pensamento com o Alef nesta questão...

João

Re: Os Abortófilos
Escrito por: tripeiro (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 20:38

Acho muito bem que adolescentes e jovens imaturos pratiquem a abstinência.....

Re: Os Abortófilos
Escrito por: João Oliveira (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 20:52


A castidade, que é a vivência da sexualidade apoiada em Deus e na perspectiva do matrimónio santo, reservando a genitalidade para então, é ainda mais que abstinência, que tende a focar-se nas mensagens negativas das DSTs e das gravidezes indesejadas.

Acho muito bem que todo o ser humano seja casto, e isso inclui reservar a genitalidade para o seu cônjuge.

Parece-me que isto contraria a afirmação que fizeste, "tripeiro", já que sinto que quererias dizer que para os jovens "maduros" ou até adultos viver a genitalidade já é admissível, ainda que fora do casamento (e não esqueçamos da ilegitimidade do divórcio, por isso não adianta casar, "descasar" e "recasar" como se isso correspondesse à castidade).

João

Re: Os Abortófilos
Escrito por: tripeiro (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 20:58

A iliteracia é uma coisa chata, par
não dizer pior...
Expus um texto de um importante teólogo e professor de ética, católico.

Analisemos alguns argumentos suscitados pela leitura do texto:

"Mas este louco, Maguire, ainda vai mais longe na sua coerência: é claro que também se deve defender a homossexualidade e a masturbação (e porque não o sexo com animais, objectos, etc.) já que o objectivo mor é o prazer.."

Estas afirmações são preocupantes...
Dizer que a masturbação é perfeitamente normal e saudável , torna as pessoas defensoras de certas parafilias, como o sexo com animais?

Não me parece, mas a iliteracia conduz a estas possíveis interpretações, essas, sim aberrantes e perversas... EStás a ver o que quero dizer quando digo que a ignorância, a cupidez e a má fé são pornográficas?

Aki está a prova

Re: Os Abortófilos
Escrito por: tripeiro (IP registado)
Data: 14 de February de 2003 21:08

ana

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