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PRESOS À CONSCIÊNCIA
22-03-2002 20:19
Miguel Marujo
(Portugal Diário)
INVESTIGAÇÃO: Presos por não quererem fazer a tropa - nem o serviço cívico
Uma proibição de 50 anos valeu a prisão de muitos fiéis das testemunhas de Jeová, em todo o mundo. Em Portugal, também houve condenações. E dois ou três jovens terão passado pela prisão. A causa: recusa em cumprir o serviço cívico em alternativa ao serviço militar. Em nome de Jeová, que neste caso se pode traduzir em nome da intransigência dos homens.
Como José (os nomes são fictícios), membro das testemunhas de Jeová numa cidade do interior de Portugal. Esteve em tribunal por recusar prestar serviço cívico. Condenado com «uma pesada multa monetária» - ficou cadastrado, por uma doutrina que já não existe. Ou Manuel, filho de portugueses emigrantes nos arredores de Paris, que esteve preso um ano em 89/90. Em França, como noutros países, muitas Testemunhas passaram pelas cadeias.
Hoje, «o serviço militar é uma questão de decisão pessoal, de responsabilidade individual», disse ao PortugalDiário Pedro Candeias, da Associação de Testemunhas de Jeová em Portugal (ATJ). Mas nem sempre foi assim: da II Guerra Mundial até 1996, os responsáveis veicularam a proibição do cumprimento de serviço militar e cívico.
Também diferentes acórdãos de Tribunais de Relação e do Supremo Tribunal de Justiça dão conta de vários recursos apresentados por jovens condenados, por recusa de prestação de serviço cívico.
Uma Testemunha, nascida em Luanda, recenseada para efeitos militares no Laranjeiro, baptizada numa congregação de Almada da ATJ: «Ali serviu como publicador cristão [divulga porta a porta a sua doutrina]. Declarou não aceitar prestar qualquer outro serviço em substituição do serviço militar», lê-se no acórdão.
Já este ano uma publicação interna da ATJ - «Nosso Ministério do Reino» (Janeiro de 2002), a que o PortugalDiário teve acesso - anuncia o recenseamento militar para «varões» com 18 anos. Mais: trata-se de uma «obrigação cristã». Porque mudou a atitude? Por causa «da lei», dizem os "anciãos" da ATJ. Por «nada», respondem membros críticos da associação.
«As testemunhas de Jeová são profundamente cristãs», referiu Pedro Candeias. Por isso, seguindo «Jesus Cristo como ponto principal do ensino bíblico», devem recusar prestar serviço militar. A reserva é total, quando confrontado com as histórias individuais de "objectores ao serviço cívico": desconhece eventuais idas a tribunal, por não estar à época (finais dos anos 80 e inícios de 90) na direcção da ATJ. E a recusa da prestação de serviço cívico? «Teriam de ser os próprios a responder», diz Candeias.
Esta é a linha oficial desde 1 de Maio de 1996: a revista «A Sentinela» adverte que «o cristão dedicado e baptizado terá de fazer a sua própria decisão [em cumprir um "serviço civil compulsório"] à base da sua consciência treinada pela Bíblia». Mais: «Os anciãos designados devem respeitar plenamente a consciência deste irmão e continuar a considerá-lo como cristão de boa reputação».
«No passado, algumas Testemunhas sofreram por se terem negado a participar numa actividade que sua consciência agora talvez permita», escreve-se ainda. Os críticos garantem que nunca se trataram de decisões pessoais, mas sim imposições. E quem não acatasse a ordem era excomungado, desassociado, e ninguém podia falar com eles - estavam condenados ao ostracismo.
Em 1949, no livro «Seja Deus Verdadeiro», o Corpo Governante - órgão máximo dirigente mundial - condenou o «serviço militar combatente ou não». Proibição reafirmada em 55, em nova edição, e em publicações internas («Despertai!», de 8/5/1975, e «A Sentinela», de 1/9/1986).
Como se lê num dos textos, de 1955: «A actividade de pregação dos ministros de Jeová lhes confere o direito de solicitar isenção de prestar treinamento militar e serviço nas forças armadas. A condição de isenção das testemunhas de Jeová também as dispensa de prestar o serviço governamental que se requer dos objectores de consciência aos serviço militares, combatentes ou não». O ano de 1996 ainda estava longe.