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O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 03 de February de 2006 22:26

Tenho acompanhado com alguma preocupação este caso das caricaturas, que logo de início me pareceu que iria provocar graves tumultos e agravar velhas tensões.

Levantam-se, naturalmente, muitas questões, cujas respostas não são nada simples.

Mas antes de deixar uma opinião apressada, aqui deixo vários artigos do «Público» de hoje e o convite a que pensemos nesta questão.

Alef

Citação:
Aumentam protestos muçulmanos contra os "cartoons satânicos"


O mundo muçulmano está em alvoroço com manifestações, boicotes e ameaças por causa da publicação de caricaturas de Maomé em diversos jornais europeus. Numa primeira reacção oficial, a União Europeia considerou imprudente a publicação dos desenhos mas condenou totalmente as ameaças feitas aos autores dos desenhos e a países europeus.

Por Dulce Furtado

Os protestos das comunidades muçulmanas contra a publicação de um conjunto de cartoons de origem dinamarquesa satirizando o profeta Maomé aumentaram ontem de intensidade e assumiram tons de ameaça séria, ao mesmo tempo que mais jornais europeus reproduziam em parte ou no todo os desenhos originais, no que alguns deles descreveram como um "apelo às armas" de apoio à liberdade de imprensa.

A polémica ultrapassou as páginas dos jornais para ganhar dimensão televisiva: a BBC mostrou ontem os cartoons no telejornal das 13h00, apesar de a Associação Muçulmana da Grã-Bretanha ter considerado que os desenhos eram um "flagrante desrespeito dos sentimentos dos muçulmanos no mundo inteiro". A BBC explicou que pretendia "dar aos espectadores a percepção dos fortes sentimentos provocados pelo caso".

Tais argumentos não estão a ser acolhidos pela comunidade islâmica, que não quer abrir mão do dogma de não representação do profeta.

Nos territórios da Palestina, dois grupos armados ameaçaram ontem atacar cidadãos da Dinamarca, Noruega e França, que consideram "alvos do Comité Popular de Resistência e da Brigada de Mártires Al-Aqsa". Mais: a ameaça é, disse um porta-voz do comando conjunto das facções, extensível a todos os cidadãos de todos os países onde as caricaturas foram publicadas. O caso já tocou a Indonésia, país com a mais numerosa população muçulmana do mundo, onde manifestantes protestaram ontem durante uma visita do secretário-geral da Cruz Vermelha da Dinamarca.

Toda a agitação confirma o recrudescer, para um nível descontrolado, de uma polémica nascida em Setembro de 2005, quando o jornal popular dinamarquês Jyllands-Posten publicou doze cartoons que, em alguns casos, sugerem uma ligação de Maomé ao terrorismo. O profeta aparece numa caricatura com um turbante em forma de bomba, noutra a empunhar uma espada e de olhos vendados e ainda noutra avisa bombistas-suicidas acabados de chegar ao Paraíso que se esgotou o lote de virgens (em rodapé, três exemplos).

União Europeia reage

Numa primeira reacção ao caso, o vice-presidente da Comissão Europeia e responsável pela pasta da Justiça, Liberdade e Segurança, Franco Frattini, considerou "imprudente" a publicação dos desenhos e disse que isso "não facilita o diálogo entre religiões e culturas". Mas sublinhou que "a violência, a intimidação e os apelos ao boicote ou a limitações da liberdade de imprensa são completamente inaceitáveis".

A nota de Frattini foi publicada depois de a UE se ter visto obrigada a encerrar a sua sede em Gaza na sequência de manifestações de palestinianos.

Também a porta-voz dos Negócios Estrangeiros da Comissão Europeia, Emma Edwin, rejeitou todas as ameaças: "Continuamos a considerar a liberdade de expressão como um valor fundamental europeu, mas outro valor fundamental é o respeito por outros países. Opomo-nos à xenofobia sob todas as suas formas."

O caso só ganhou verdadeiro alento depois de a revista norueguesa Magazinet, de cunho conservador, ter já em Janeiro deste ano reproduzido os cartoons. E maior dimensão ganhou depois de, na terça-feira, o tablóide francês France Soir os ter publicado em nome da "defesa da liberdade de imprensa". Vários jornais de outros países fizeram o mesmo. Ontem (ver texto ao lado), o France Soir emendou a mão: apresentou desculpas e despediu o director interino.

Foi no dia em que os cartoons saíram no diário francês que a escalada de protestos disparou: anteontem e ontem houve bandeiras da Dinamarca queimadas em Gaza assim como fotografias do primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen. Ontem, a invasão das instalações da União Europeia no território foi feita para exigir um pedido de desculpas. A Arábia Saudita e a Síria retiraram os embaixadores em Copenhaga e a Líbia fechou mesmo a embaixada, enquanto produtos dinamarqueses de empresas como a Lego e a Bang & Olufsen estão a ser boicotados em todo o mundo islâmico.

Contra a corrente no mundo árabe, um jornal da Jordânia, o Al-Shihan, publicou três dos cartoons da discórdia, acompanhados de uma pergunta provocatória: "O que é que traz mais preconceito contra o Islão: estas caricaturas ou imagens de um raptor a cortar a garganta de um refém em directo para as câmaras ou um bombista suicida a explodir num casamento em Amã?" E um apelo: "Muçulmanos do mundo, sejam razoáveis." Ao longo do dia a empresa proprietária do jornal veio condenar a publicação dos desenhos de Maomé e tirou de circulação todos os exemplares que ainda se encontravam nas bancas.

A organização dos Repórteres Sem Fronteiras, com sede em Paris, veio ontem manifestar preocupação em relação à reacção do mundo islâmico. "Ameaçar pessoas e acusar países porque um jornal publicou imagens ou informações que podem ser interpretadas como ofensivas por um qualquer grupo é totalmente inapropriado", defendeu ontem a chefe da delegação daquela organização em Praga, Annabelle Arki.

Fonte: «Público», 2006-02-03


Director do France Soir demitido


A polémica sobre as caricaturas dinamarquesas de Maomé prossegue em França, na precisa altura em que Copenhaga procura acalmar a crise provocada inicialmente pela publicação dos cartoons controversos num jornal local,
o Jyllands-Posten

O proprietário do diário popular francês France Soir, o franco-egípcio Raymond Lakah, demitiu o director, Jacques Lefranc, numa sanção pela publicação das caricaturas do profeta Maomé.

O jornal insistiu na sua edição de ontem que publicara na véspera os 12 desenhos de Maomé - condenados pelo mundo muçulmano como um sacrilégio - por solidariedade com o jornal dinamarquês em dificuldade, e em virtude da liberdade de expressão. "O islão proíbe aos seus fiéis qualquer representação do profeta. Legitimamente, os muçulmanos podem ter-se sentido magoados nas suas convicções. Mas a questão que se levanta aqui é a seguinte: todos os que não são muçulmanos serão obrigados a conformar-se a este interdito?", pergunta o France Soir no seu editorial.

A questão suscita reacções e debates apaixonados em França, onde o islão é a segunda maior religião, depois do catolicismo, e praticada por uns cinco milhões de fiéis. Alguns observadores acusaram primeiro o France Soir de ter querido sobretudo aumentar as vendas, numa altura em que está ameaçado de falência. Mas a celeuma passou para segundo plano quando o director foi demitido.

As autoridades religiosas do país criticam a decisão do jornal e o Governo mostra-se prudente, mas a imprensa defende com ardor a liberdade de expressão. O diário de referência Le Monde decidiu publicar ontem, na primeira página, uma caricatura de Maomé assinada pelo seu desenhador vedeta, Plantu. Para a organização Repórteres sem Fronteiras, "é inquietante" ver as reacções do mundo árabe, "que ameaçam a noção de liberdade de imprensa".

O Conselho Francês do Culto Muçulmano condena estas publicações como uma "verdadeira provocação". O grande rabi de França, Joseph Sitruck, disse ontem "partilhar a ira" do mundo muçulmano: "Não se ganha nada em humilhar as religiões", frisou esta voz respeitada da comunidade judaica. Porta-vozes católicos e protestantes reclamam o "respeito" para todos os crentes.

No plano oficial, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Philippe Douste-Blazy, limitou-se a declarar: "O princípio de liberdade da imprensa, que as autoridades francesas defendem no mundo inteiro, não será posto em causa. Somente ele deve exercer-se num espírito de tolerância e no respeito das crenças e das religiões."

Mais jornais europeus publicaram os desenhos

Depois do francês France Soir, vários jornais europeus publicaram os desenhos dos cartoonistas dinamarqueses, na maior parte dos casos afirmando que os seus leitores deviam conhecer aquilo de que se estava a falar para terem uma opinião esclarecida sobre a polémica. No Reino Unido, foi a BBC, no seu noticiário televisivo de ontem ao almoço, que mostrou os cartoons da polémica. Em Espanha, os diários ABC e El Periódico de Catalunya, à direita e à esquerda do espectro político, inseriram alguns desenhos. O último juntou-lhe um editorial: "É lógico que as caricaturas irritem certos muçulmanos. Mas não é lógico que, em nome de uma leitura literal e desumana do Corão, se procure eliminar também no estrangeiro os críticos ou que se ameace aqueles que (...) exercem a sátira." No italiano La Stampa, dois dos desenhos são acompanhados de uma opinião do editorialista muçulmano Magdi Allam, que os considera "certamente discutíveis", mas sublinha: "Que espera o Ocidente para intervir? Adoptará a política da avestruz até que um outro Theo van Gogh seja assassinado em Copenhaga ou em Oslo?"

Ana Navarro Pedro, Paris
«Público, 2006-02-03


Religiões reclamam direito ao protesto


Bandeira e hino nacional "não estão disponíveis para qualquer uso", diz director da Faculdade de Teologia

"A liberdade de expressão implica também a liberdade de expressão de quem se sente ofendido", diz ao PÚBLICO o director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, Peter Stilwell, comentando a polémica relacionada com os cartoons caricaturando o profeta Maomé e o islão. "O problema é se a reacção excede os limites do aceitável."

Stilwell recorda que "a maneira de tratar a bandeira e o hino nacionais" prevê que estes símbolos "não estão disponíveis para qualquer uso". Tal como os indivíduos, diz, as comunidades também reagem quando se sentem insultadas ou atingidas em público. E se um indivíduo não pode ser insultado na praça pública, também uma comunidade pode reagir se se sente ultrajada.

Por vezes, essa reacção é "mais irracional e agressiva", admite Peter Stilwell. Mas "é muito difícil definir os limites para o que é liberdade ou abuso de expressão".

No judaísmo, no cristianismo e no islão, a representação de Deus não foi, ao longo dos tempos, um tema pacífico. No texto bíblico do livro do Êxodo (20, 2-5), lê-se: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egipto, da casa da servidão. Não haverá para ti outros deuses na minha presença. Não farás para ti imagem esculpida nem representação alguma do que está em cima, nos céus, do que está em baixo, na terra, e do que está debaixo da terra, nas águas. Não te prostrarás diante dessas coisas e não as servirás."

De tal modo a interpretação deste texto - e outros paralelos - não é pacífica que os cristãos protestantes se baseiam nele para recusar qualquer representação escultórica ou pictórica, comuns na cultura católica. E os ortodoxos aceitam a arte dos ícones - entendida também como forma de oração -, mas recusam a escultura.

Foi por causa dos ícones que se deu a crise iconoclasta: entre os séculos VIII e IX, violentos debates sobre a representação ou não da figura de Jesus Cristo levaram, em alguns casos, a perseguições. Dois imperadores condenaram o culto das imagens e os que valorizavam os ícones como sinais visíveis de santificação, como defendia S. João Damasceno. Em alguns casos, e durante algumas décadas, houve mesmo perseguições violentas dos que defendiam o valor dos ícones e das imagens.

No islão, a representação de Deus ou dos profetas (Maomé, mas também Abraão, Moisés ou Jesus) está proibida não pelo Alcorão, mas pelos preceitos de Maomé. O imã da Mesquita de Lisboa, xeque David Munir, explica que essa proibição abrange a representação de qualquer imagem de Deus.

"Pior ainda no caso da caricatura e mais grave quando se coloca Maomé com um turbante e uma bomba na cabeça [um dos cartoons que mais protestos levantaram]. Quem vê esta caricatura, não vê mais que a imagem do islão que põe bombas", afirma Munir. Mas esta é uma imagem do islão que não corresponde à realidade", defende.
O xeque recorda ainda: "A minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro." E, se a crítica é "propositada, numa situação tensa, isso vai deitar mais lenha para a fogueira". Peter Stilwell diz que a comunidade muçulmana tem direito a dizer que não gosta, a decidir não comprar determinado produto, a protestar pacificamente.

Mark Robertson, da Comunidade Judaica de Lisboa, relativiza o episódio, embora compreenda o sentimento dos muçulmanos. "Se eu estivesse no lugar deles, sentia-me ofendido", afirma.

No judaísmo, a representação escultórica ou de baixo-relevo também não é proibida, mas a pintura é admitida. A representação de Deus nem sequer se põe como hipótese, porque "não se sabe como é Deus". Mas a figuração do homem como "imagem de Deus" também não é admitida em plenitude. É vulgar, diz Robertson, ver figuras humanas em vitrais de sinagogas, em que não aparece o rosto.

"Mas estas são regras internas, não são para impor aos não judeus", diz Robertson. O próprio judaísmo está "cheio de anedotas" sobre si mesmo, sobre Deus e a religião. Quando há conflito - entre a liberdade do artista e os que se sentem ofendidos - há que ver "qual a mensagem do artista: se é racista" ou anti-semita, como em relação aos judeus, então "haveria problema".

Robertson diz que "se uma coisa tem força intrínseca, aguenta tudo isso". E Peter Stilwell acrescenta que, neste tipo de casos, ambos - artistas e comunidades atingidas - deverão reflectir sobre o sucedido. "Acabamos todos por aprender."


"A liberdade de expressão implica também a liberdade de expressão de quem se sente ofendido"
Peter Stilwell, teólogo católico

"As proibições internas não são para impor aos não judeus"
"Se uma coisa tem força intrínseca, aguenta todas as críticas"
Mark Robertson, Comunidade Judaica de Lisboa

"É mais grave quando se coloca Maomé com um turbante e uma bomba na cabeça"
David Munir, xeque muçulmano, imã da Mesquita de Lisboa

António Marujo
«Público», 2006-02-03


Por que não pode o profeta Maomé ser representado?


As escrituras sagradas dão razoáveis descrições do aspecto do profeta Maomé, recordava ontem o diário britânico The Guardian. Sabe-se que era de estatura média, tinha o rosto redondo, olhos negros, pestanas longas, cabelo espesso e encaracolado e barba. Sendo assim, por que não pode existir uma imagem dele? O Corão, notava o jornal, não contém uma proibição explícita, mas representá-lo seria uma apropriação do poder criativo de Deus e uma tentativa para mostrar o sublime. A ideia base é a de que nenhum mortal será capaz de mostrar a sua beleza e grandeza. The Guardian recordava ainda palavras de Malise Ruthven, autor do livro Islam: A Very Short Introduction: "A imagem do profeta, mais literária do que visual, espalha-se por todo o mundo muçulmano. Talvez a própria restrição da representação pictórica ajude a difusão cultural, permitindo a povos de diferentes raças e etnicidades que interiorizem as suas feições essenciais."

Fonte: «Público», 2006-02-03


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 03 de February de 2006 22:27

Citação:

O jornal dinamarquês "fez uma má opção editorial"


O director do diário de referência dinamarquês Politiken considera que os seus colegas do jornal popular Jyllands-Posten erraram por quererem "desafiar, blasfemar e humilhar".

Como começou a crise dos desenhos de Maomé?

No Verão de 2005, com as queixas de um polemista dinamarquês, Kaare Bluitgen, muito conhecido pela sua islamofobia. Bluitgen escreveu um livro sobre a vida de Maomé, destinado às crianças e à juventude dinamarquesa, que apresenta o Profeta como um pedófilo e um criminoso de guerra. O livro é provocante e, na minha opinião, vulgar. Mas isso era de esperar da parte de Kaare Bluitgen, que intervém para provocar, ao ponto de sugerir coisas como "pixar o Corão com sangue menstrual". Bluitgen queixou-se publicamente que um ou dois desenhadores tinham recusado ilustrar o seu livro. Até hoje, não sabemos se isso foi um facto - o que sabemos é que ele publicou o livro, e com ilustrações. Não obstante, o jornal Jyllands-Posten decidiu fazer manchete com esta história, considerando que era um acto de censura motivado pelo medo das pessoas em ofenderem os muçulmanos.

O Jyllands-Posten, que é o maior jornal da Dinamarca - popular e um pouco agressivo, mas o mais lido - convidou 40 caricaturistas dinamarqueses a fazerem cartoons de Maomé. Apenas 12 aceitaram. Mas o problema não foi tanto os desenhos, que em conjunto são muito diferentes, mas mais o editorial que os acompanhava: numa sociedade laica, os muçulmanos devem aprender que a liberdade de expressão implica "desafiar, blasfemar e humilhar" o islão, escreveu o Jyllands-Posten.

O Politiken vai publicar os desenhos?

Visto do exterior, e à distância, é uma reacção natural de solidariedade para com um jornal sob forte pressão. Mas não sei se é inteligente. O Jyllands-Posten pediu desculpa: como é que se reproduz algo que o próprio jornal lamenta ter publicado? O Politiken decidiu não publicar o conjunto dos desenhos num gesto simbólico de solidariedade, porque discordamos das razões editoriais originais. Na minha opinião, o Jyllands-Posten fez uma má opção editorial. Queria "desafiar, blasfemar e humilhar": consideramos que não são objectivos editoriais apropriados para lançar uma controvérsia. Por isso, publicámos apenas dois cartoons como ilustração. Mas atenção: o Jyllands-Posten não infringiu nenhuma lei dinamarquesa. E o maior erro não foi do jornal, que fez o que era o seu direito fazer, mas sim do nosso Governo.

Porquê?

Houve umas primeiras reacções de protesto da comunidade muçulmana na Dinamarca, mas só recentemente a questão aumentou gradualmente no Médio Oriente até ficar fora de controlo. Uma maioria de dinamarqueses pensa que tudo isto teria sido evitado, se o primeiro-ministro, Anders Fogh Rasmussen, tivesse aceitado um encontro pedido por 11 embaixadores árabes, em Outubro. Eles queriam protestar e pedir sanções contra o Jyllands-Posten. Rasmussen recusou, argumentando que não podia ceder a um pedido que entrava a liberdade de expressão. Foi uma decisão de política interna: o Governo depende de um partido de extrema-direita, o Partido do Povo Dinamarquês, para conseguir a maioria parlamentar. Mas no plano diplomático foi desastrosa, porque bastava ter recebido os embaixadores e dizer-lhes que, em democracia, um governo não interfere, nem sanciona, a liberdade de expressão, mas que as opiniões dos jornais também não reflectem as posições de todo um povo, para a crise morrer ali e não poder ser explorada por extremistas de todos os quadrantes.

Ana Navarro Pedro, Paris
Fonte: «Público», 2006-02-03


António solidário com cartoonistas dinamarqueses


O artista aceitaria o convite para criar um desenho sobre Maomé, porque não gosta de dogmatismos nem fundamentalismos

Os "fundamentalismos religiosos levam a estas situações dogmáticas, que não são aceitáveis", afirmou ao PÚBLICO o cartoonista António a propósito da polémica gerada pela publicação na imprensa europeia de cartoons inspirados na figura de Maomé.

Mas tais reacções não surpreendem inteiramente o artista. Em 1992, ele também esteve no centro de violentas críticas de parte da sociedade portuguesa ao publicar, no Expresso, um desenho que apresentava o Papa João Paulo II com um preservativo no nariz, numa crítica explícita à posição da Igreja Católica sobre o uso daquele meio anticonceptivo.

António é de opinião que "estas situações são sempre lamentáveis", mas considera que o caso actual é "mais grave" do que aquele que o envolveu: "O ascendente do islamismo sobre a sociedade é maior do que o do catolicismo, pois não há naquelas sociedades uma separação entre a Igreja e o Estado, como no Ocidente."

Se fosse convidado a realizar um desenho de imprensa sobre o tema, António aceitaria o desafio. "Devo solidariedade aos meus colegas que criaram um incidente diplomático por delito de opinião e só por isso justificava-se a minha participação", explica. Acrescenta ainda que há outra razão de peso: "os dogmatismos e os fundamentalismos" não lhe inspiram a menor simpatia. O cartoonista acredita em "sociedades abertas e democráticas, onde tudo pode ser discutido" e sublinha que é "filho dessa cultura".

O fenómeno gerado pela publicação dos cartoons suscita, em seu entender, outras questões importantes: "As sociedades islâmicas podem coexistir com as democracias? O fundamentalismo pode coexistir no seio da União Europeia como parceiro de corpo inteiro? Eu tenho dúvidas."

Para António, o que se está a passar é importante tanto do ponto de vista religioso, como político e "dá uma ideia do peso que as imagens podem ter". "Apesar das eventuais consequências, as nossas sociedades não podem ceder a estas formas de chantagem", remata.

A comparação com a celeuma levantada pelo seu desenho do Papa é inevitável e António acha que há uma "realidade semelhante" - em ambos os casos, "os fundamentalismos funcionaram e tentaram influenciar o Estado". António considera que "todas religiões são essencialmente antidemocráticas, porque são a voz de Deus". Por isso, "se tiverem condições, o seu cariz teocrático vem ao de cima". A diferença relativamente ao mundo árabe é que "as sociedades ocidentais aceitam a dimensão religiosa com um enquadramento definido, mas têm relutância em as ver entrar pelo Estado dentro".

Carlos Pessoa
Fonte: «Público», 2006-02-03


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 03 de February de 2006 22:28

Citação:

O turbante de Maomé


Para lá da tempestade no mundo muçulmano, as caricaturas de Maomé são um assunto europeu, nosso. Em nome da liberdade de expressão, o jornal conservador dinamarquês Jyllands-Posten quis testar a resistência do islão à "blasfémia". Além de casos de mau gosto - apreciação subjectiva - os cartoons associam directa ou subliminarmente o profeta ao terrorismo. É legítimo? Uma parte dos editorialistas europeus defende o "direito à blafémia" como parte integrante da liberdade de expressão, que não pode ter limites senão na lei e no recurso aos tribunais. Excelente.

Amálgama racista

A Europa não tem de obedecer ao interdito muçulmano de representar o Profeta ou Allah. É uma questão teológica que não diz respeito ao mundo cristão. É outra a "nossa" questão: o insulto a uma comunidade religiosa ou civilizacional. "É difícil acreditar que os directores de um diário europeu não tenham sofisticação intelectual e cultura histórica para perceber que desenhar o Profeta como terrorista constitui um insulto maior", escreve o Jordan Times.

Esta mesma amálgama é feita, após o 11 de Setembro, por pregadores evangélicos americanos de extrema-direita, como Pat Robertson. Não é colocada a bomba no turbante dum chefe do Hamas, mas no do Profeta. Por isso todos os muçulmanos são visados - obscurantistas ou terroristas. O racismo começa aqui.

O direito à sátira "termina no ponto em que se torna provocação ou desprezo do outro", lembra o grande rabino de França, Joseph Sitruk. E, acrescenta Kofi Annan, deve respeitar a religião, um domínio explosivo.

Eis a primeira hipocrisia do Jyllands-Posten: se tivesse testado a comunidade judaica com idêntica provocação, mostrando por exemplo Moisés a maltratar um palestiniano, seria imediata e universalmente condenado por anti-semitismo. Os judeus têm "tolerância zero" nesta matéria.

A segunda hipocrisia é social: as sociedades ditas multiculturais do Norte da Europa pouco se incomodam com o facto de parte dos seus cidadãos ou imigrantes muçulmanos não cumprirem algumas leis básicas dos Estados em que vivem. É uma versão prática e racista da "tolerância".

Hipocrisia árabe

Que aconteceu? Imãs, ulemas e grupos islamistas radicais recuperaram o tema. A União Internacional dos Ulemas Muçulmanos apelou ao boicote dos produtos dinamarqueses e noruegueses. Outros ameaçam os militares dinamarqueses no Iraque. Os governos foram forçados a seguir o apelo da "rua árabe". A Arábia Saudita chamou o seu embaixador em Copenhaga e lidera a "indignação" dos crentes.

"Estas caricaturas são islamófobas. Elas dividem as pessoas e apenas consolidam os muçulmanos mais radicais", declara à AFP o analista árabe Malek Chebel. É isto, e apenas isto, o que os europeus devem reconhecer e denunciar. De resto, diz Chebel, a reacção dos dirigentes árabes é "hipócrita" e visa dissimular a sua própria "torpeza".

O mesmo se diga dos islamistas. Um dos mais virulentos denunciadores "da canalha que insulta o Profeta Maomé na Dinamarca" é o chefe do Hezbollah libanês, Hassan Nasrallah. Ora, a sua televisão, Al-Manar, notabiliza-se pelo mais execrável racismo, figurando os judeus com focinho de porco.

Há igualmente muçulmanos corajosos, como Jihad Momani, que publicou três dos cartoons no jornal al-Shihan, de Amã, para que os muçulmanos tenham noção da dimensão do caso. Pergunta em editorial: "Que fere mais o islão, estas caricaturas ou as imagens de um raptor de reféns que degola as vítimas perante as câmaras, ou ainda um kamikaze que se faz explodir durante um casamento em Amã?"

A 6 de Janeiro, o primeiro-ministro dinamarquês, Anders Rasmussen, teve de escrever à Liga Árabe dizendo que não podia interferir na liberdade de expressão, mas condenando "qualquer acção ou palavra que tentem diablilizar certos grupos em função da sua religião ou pertença étnica". Hoje, os dinamarqueses têm medo e perdem dinheiro. Esperemos que evitem o pior e não se ajoelhem perante os islamistas.

Irresponsabilidade

Ter moral para discutir com o islão exige que a Europa seja exemplar na sua crítica. Mas está algo doente. Tem tentado resolver a questão das opiniões "racistas" ou "negacionistas" por uma indefinida criminalização, que leva a casos absurdos, como o do orientalista Bernard Lewis, há anos simbolicamente condenado por um tribunal francês por pôr em causa a qualificação do massacre dos curdos em 1916 como genocídio.

O problema é outro. Cada vez mais os europeus conhecem direitos e ignoram a ética da responsabilidade, que manda pensar na consequência dos nossos actos, mesmo quando usamos as mais fundamentais liberdades.

O Jyllands-Posten quis educar os "seus" muçulmanos na liberdade de expressão. Prestou um serviço ao pior islamismo. Porque ele próprio foi, sem o saber, profundamente islamófobo.

Jorge Almeida Fernandes
Fonte: «Público», 2006-02-03


Do cinema à literatura, artistas chocam quando trabalham sobre religião

São frequentes acusações de blasfémia a obras culturais, em várias áreas

A 14 de Fevereiro de 1989, através de um comunicado lido na rádio Teerão, o ayatollah Khomeini decretou uma fatwa na qual pedia a execução do escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie, autor de Os Versículos Satânicos. O livro, que saíra uns meses antes, foi descrito pelo líder iraniano como uma "blasfémia contra o islão", uma acusação sobretudo devida a um sonho de Gibreel, um dos protagonistas, durante o qual o profeta Maomé surge descrito de forma heterodoxa.

Os Versículos Satânicos foi banido em vários países, e a seguir houve manifestações de protesto, confrontos violentos e até mortes, como a do tradutor japonês do texto, Hitoshi Igarishi ou a dos líderes muçulmanos belgas Abdullah Al Ahdal e Salim Bahri, assassinados em Bruxelas no interior de uma mesquita.

A condenação de Rushdie, que obrigou o escritor a uma existência quase secreta, foi reafirmada no início de 2005, pelo actual líder espiritual do Irão, o ayatollah Ali Khamenei, numa mensagem enviada aos peregrinos que se encontravam em Meca - a rejeição do pedido de revogação da fatwa baseia-se no facto de esta só poder ser anulada pela pessoa que a emitiu, o entretanto falecido Khomeini (1900-1989).

"Blasfemos" e "racistas"

O caso Rushdie é dos mais célebres e graves, mas não é único. Nos últimos anos foram vários os autores acusados de blasfémia. A escritora Taslima Nasreen, do Bangladesh, teve de emigrar para a Suécia depois de um tribunal do seu país a ter condenado por ter "ferido maliciosamente os sentimentos religiosos muçulmanos", tendo também sido pronunciada uma fatwa conta si por causa do livro Lajja (1994).

Também o francês Michel Houellebecq, sobretudo depois das suas declarações à revista Lire] (Setembro 2001), nas quais afirmava que "a religião mais estúpida é, mesmo assim, o islão", foi levado a tribunal - e ilibado - por algumas organizações árabes e pela liga dos direitos humanos francesa, que acusavam o autor de Plataforma de ter incitado ao racismo com aquelas afirmações.

Recentemente, em 2004, o realizador holandês Theo van Gogh foi assassinado depois da estreia do seu filme Submission, no qual aborda situações de violência contra mulheres nas sociedades islâmicas - a autora do argumento, a somali Ayaan Hirsi Ali, que planeia um filme acerca da homossexualidade nos países muçulmanos, também foi ameaçada de morte. O medo de represálias por parte da comunidade árabe esteve também na origem da decisão dos responsáveis de um museu londrino, a Tate Britain, em retirar a escultura God is Great, de John Latham, de uma exposição.

A ira dos católicos

À Igreja Católica devem-se outros momentos deste vasto e difícil tema das relações entre cultura e religião. Recorde-se que, até 1948, o Index Librorum Prohibitorum (Lista de Livros Proibidos) foi regularmente actualizado - a primeira lista foi publicada na Holanda, em 1529.

Neste inventário com força de lei, abolido, em 1966, pelo Papa Paulo VI, encontravam-se títulos censurados por várias razões - da heresia ao conteúdo explicitamente sexual -, nele incluindo-se autores como Erasmo, Sterne, Balzac, Voltaire, Descartes, Kant, Nietzsche ou Satre.

Nos últimos anos têm sido várias as polémicas. Na área do cinema, lembre-se, por exemplo, em 1985, a manifestação liderada por Krus Abecasis para impedir a exibição de Je Vous Salue Marie, de Jean Luc-Godard, num cinema de Lisboa; ou ainda As Horas de Maria (1979), de António de Macedo, um filme que, nas palavras de Jorge Leitão Ramos, é dos mais polémicos da cinematografia portuguesa, uma situação "fruto de uma campanha histérica que a imprensa direitista e alguma hierarquia eclesial lhe moveu, aquando da estreia". A estas obras pode acrescentar-se A Última Tentação de Cristo (1988), do norte-americano Martin Scorcese.

Nas artes plásticas, depois da célebre imagem do surrealista francês Benjamin Péret a insultar um padre, várias são também as obras envolvidas em polémica, levando mesmo a manifestações públicas com carácter censório.

Três exemplos: Piss Christ, de Andreas Serrano, uma fotografia na qual se observa um crucifixo imerso na urina do artista; The Holy Virgin Mary (1998), de Chris Offli, uma representação da virgem Maria que inclui excrementos de elefante; e La Nona Ora, de Maurizio Cattelan, uma escultura do Papa João Paulo II, no chão, depois de ter sido atingido por um meteorito.

Óscar Faria
Fonte: «Público», 2006-02-03


O preço dos excessos e o preço dos limites


1. As sociedades europeias são cada vez mais sociedades multiculturais. Há a viver na Europa uma vasta minoria islâmica. A liberdade religiosa é uma liberdade fundamental e a tolerância religiosa o seu corolário. Mas o terrorismo desencadeou o debate sobre a integração das minorias islâmicas e a convivência inter-religiosa nas sociedades livres. Por onde passa a linha de demarcação entre aquilo que é intocável em matéria de liberdades e aquilo que é aceitável como prática cultural e religiosa?


2. A publicação de caricaturas de Maomé veio dar a este debate uma nova dimensão - a da liberdade de imprensa. Como conciliar a liberdade de imprensa com o respeito pelas crenças religiosas de cada um? E é legítimo que um jornal dinamarquês publique caricaturas que uma parte da população islâmica considera ofensivas? A resposta só pode ser afirmativa.

A liberdade de expressão é genética nas sociedades democráticas e abertas do Ocidente. A lei, cuja interpretação concreta cabe aos tribunais, é o único limite aceitável. As caricaturas de Maomé são uma forma de expressar uma opinião tão legítima como qualquer outra. Cada um é livre de considerar as caricaturas de Maomé excessivas, de mau gosto, gratuitas, ou, pelo contrário, de as considerar aceitáveis. Pode-se protestar contra elas e o jornal também poderia reconsiderar a sua decisão. Há sempre excessos nas sociedades livres. Que a lei e o bom senso corrigem.

Há um problema na Europa com a integração da população islâmica? Há. Mas as normas que garantem as liberdades não podem nunca resultar das circunstâncias e das conveniências políticas ou da chantagem extremista.


3. A reacção do mundo islâmico é conhecida e os europeus sabem que as opiniões públicas de muitos países islâmicos têm uma percepção negativa do Ocidente e tentam contrariá-la. Mas responder à histeria gerada pelos cartoons com pedidos de desculpa mais ou menos vagos e pueris é, no mínimo, contraproducente. Pedir desculpa é pactuar com uma concepção de sociedade que não é compatível com a liberdade das pessoas nem com o respeito pelos seus direitos mais elementares. Sabemos do que se trata. Salmon Rushdie passou mais de dez anos na clandestinidade por delito de opinião e as prisões de muitos países islâmicos estão cheias de gente que cometeu idêntico delito.A única resposta possível é explicar que, na Europa, a liberdade de imprensa é uma liberdade fundamental. Imune à chantagem, à ameaça física ou à pressão económica.

A tolerância e a compreensão que devemos ter em relação aos outros não significa que abdiquemos dos nossos próprios valores ou que os interpretemos ao sabor das circunstâncias.


4. Há fundamento para a acusação de "islamofobia"? Teria o mesmo jornal publicado de ânimo leve caricaturas ofensivas da religião judaica? É fácil imaginar o coro de críticas e de repulsa contra o anti-semitismo, mas a autocensura europeia em relação aos judeus é muito forte por razões que têm a ver com a culpa indelével pelo Holocausto. A crítica a Israel ou a caricatura dos líderes israelitas chega, no entanto, a ser feroz. Não se pode dizer que do ponto de vista da liberdade de imprensa haja dois pesos e duas medidas.

Há outras comparações possíveis. As caricaturas do Papa ferem a sensibilidade de milhões de católicos, mas que se saiba nenhum jornal europeu foi punido por elas nem nenhum governo pediu desculpas ao Vaticano ou este mandou retirar os seus representantes. Mesmo quando as críticas atingem, por vezes, o nível do insulto, ninguém é preso, molestado, silenciado.

Todas as opiniões são legítimas nas sociedades livres e a censura não é admissível. A liberdade de opinião destina-se, em primeiro lugar, àqueles que têm uma opinião diferente e minoritária. O resto resulta do debate, do bom senso e do bom gosto.

Teresa de Sousa
Fonte: «Público», 2006-02-03


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Luis Gonzaga (IP registado)
Data: 03 de February de 2006 23:04

Caro Alef,

Depois de uma bem sucedida pesquisa na Internet (Jyllands-Posten Muhammad drawings), encontrei as imagens num artigo da Wikipedia. Não vou colocar aqui o link não vá aparecer por aí algum mujahidin ou taliban...

Embora as imagens não tenham grande definição nem se consiga ler os comentários, a minha primeira conclusão é que se trata de uma tempestade num copo de água e um caso sério de falta de humor. Por ventura, revelando o espírito de tolerância que regra geral se vive no mundo islâmico. Que o diga Salman Rushdie.

Como cristão acho tudo isto muito curioso. Por exemplo, na Itália há um caso em tribunal acusando um padre de abusar da credulidade popular. O livro Código Da Vinci é top de vendas mundial e onde a Igreja Católica mais parece uma rede de mafiosos que uma Igreja de Cristo. Alguém se lembra de um filme Jesus Christ Superstar?

Sinceramente, mesmo concordando com alguma imprudência do reino da Dinamarca, o mundo árabe precisa de mais riso e menos armas.

Luís Gonzaga

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: (IP registado)
Data: 04 de February de 2006 11:44

De facto, é difícil saber onde deve acabar a nossa liberdade de expressão e começar o sentido de humor dos outros...

O caso das caricaturas teve o condão de nos colocar a discutir sobre o assunto!

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 06 de February de 2006 00:01

Liga Árabe Europeia responde com desenhos anti-semitas


A organização Liga Árabe Europeia reagiu às caricaturas do profeta Maomé com a publicação, via Internet, de desenhos anti-semitas, que, considera o movimento, «romperá com muitos tabus na Europa».

A iniciativa faz parte de uma «campanha» lançada na sexta- feira, dia em que anunciou a «publicação sistemática de desenhos atrevidos» para «romper tabus e cruzar todas as linhas vermelhas», numa referência às caricaturas de Maomé.

Na sua página na Internet, a organização publica um desenho de Hitler deitado na cama com Anne Frank, um símbolo judaico do Holocausto, e uma segunda imagem que questiona o extermínio de judeus.

«Depois da lição que árabes e muçulmanos receberam dos europeus sobre liberdade de expressão e tolerância e depois de muitos diários europeus voltarem a publicar as caricaturas dinamarquesas do profeta Maomé, a Liga decidiu entrar no negócio das imagens e fazer uso do seu direito à expressão artística», refere a organização.

«Tal como os diários europeus asseguram que apenas querem defender a liberdade de expressão e estigmatizar os muçulmanos, nós também destacamos que os nossos desenhos não pretendem ser uma ofensa a ninguém e não devem ser encarados como uma declaração contra nenhum grupo, comunidade ou acontecimento histórico», acrescenta.

A Liga Árabe Europeia auto-denomina-se como «um movimento social e político para a defesa dos direitos das comunidades árabes e muçulmanas na Europa e, em geral, das causas árabes».

A organização foi fundada por Dyad Abu Jahjah e conta com cerca de 5.000 associados na Bélgica.

«Diário Digital» / Lusa, 05-02-2006 18:16:00

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 06 de February de 2006 21:42


Resposta a "cartoons" sobre Maomé

Jornal iraniano lança concurso de caricaturas sobre holocausto



O mais importante jornal iraniano lançou hoje um concurso de caricaturas sobre o holocausto, em resposta à publicação de “cartoons” sobre o profeta Maomé, em diversas publicações europeias, que foram mal recebidos em todo o mundo islâmico.

“Este será um concurso internacional de desenhos sobre o holocausto”, afirmou Farid Mortazavi, um responsável pelo diário “Hamshahri”, publicado pelo município de Teearão.

De acordo com Mortazavi, citado pela AFP, a iniciativa é uma resposta às caricaturas de Maomé, publicadas em diversos títulos europeus, e em nome da liberdade de expressão.

“Os jornais ocidentais publicaram estes desenhos sacrílegos sob o pretexto da liberdade de expressão. Vamos ver se fazem o que dizem e se publicam também desenhos sobre o holocausto”, acrescentou o responsável.

Segundo o jornal, serão distinguidos com uma moeda em ouro 12 cartoonistas, o mesmo número dos que publicaram desenhos sobre Maomé no jornal dinamarquês “Jyllands-Posten”, que está na origem da polémica.

Em Dezembro, Mahmoud Ahmadinejad qualificou como um “mito” o massacre de judeus durante II Guerra Mundial pelos nazis, depois de em Outubro haver considerado que Israel deveria “ser riscado do mapa”.

Distúrbios nas embaixadas da Dinamarca e da Áustria em Teerão

A indignação que tem feito sair à rua milhares de pessoas nos países islâmicos, em protesto pelo ultraje que consideram ser o tratamento caricatural do profeta Maomé, tem gerado também actos de violência juntos às embaixadas da Dinamarca, e de outras nações europeias, nesses países.

Hoje em Teerão a polícia teve de dispersar com gás lacrimogéneo centenas de manifestantes que atacaram o edifício diplomático dinamarquês.

De acordo com a AP, o cordão policial formado foi insuficiente para suster a ira de cerca de 400 pessoas, que atiravam pedras e “cocktails molotov” contra o edifício.

Depois de ultrapassada a barreira de segurança, a multidão conseguiu incendiar a porta da embaixada e uma cabine da polícia, que protegia o edifício. A bandeira da Dinamarca também foi reduzida a cinzas, entre palavras de ordem como “Deus é grande”.

As forças de segurança apenas conseguiram dispersar a multidão uma hora depois do início dos distúrbios, recorrendo ao lançamento de gás lacrimogéneo.

Os confrontos, de acordo com a polícia, provocaram pelo menos nove feridos entre os manifestantes.

Horas antes, cerca de 200 pessoas, já haviam atacado a embaixada da Áustria na cidade, atirando pedras contra o edifício, que ficou com diversas janelas partidas.

Suspensão de relações comerciais com a Dinamarca

A controvérsia das caricaturas de Maomé já atingiu também às relações comerciais entre Teerão e Copenhaga, com o anúncio de hoje do Governo iraniano da decisão de suspender todas relações comerciais com a Dinamarca.

“A partir de amanhã, não poderá mais haver importação de produtos de consumo da Dinamarca”, anunciou o ministro do Comércio do Irão, Masoud Mir-Kazemim, citado pela televisão estatal do país.

“Todas as negociações ou acordos comerciais com a Dinamarca estão suspensos desde hoje. Todos os acordos susceptíveis de ser anulados serão anulados”, acrescentou o governante.

Masoud Mir-Kazemim afirmou ainda que “o envio de delegações comerciais iranianas à Dinamarca ou a chegada de delegações comerciais dinamarquesas [ao Irão] serão interrompidos até novas ordens”.

De acordo com o ministro, as trocas comerciais entre os dois países rondam os 235 milhões de euros por ano.

O governante frisou que pelo facto da “balança comercial ser muito negativa” para o Irão, o seu país não será afectado pela decisão, com excepção dos importadores de equipamentos médicos dinamarqueses que dispõem de um prazo de "três meses para encontrar outros fornecedores", afirmou.

Mir-Kazemim acrescentou também que outros países poderão ser visados com suspensões semelhantes.

«Público Última Hora», 06.02.2006 - 20h00 AFP, PUBLICO.PT, AP


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: (IP registado)
Data: 06 de February de 2006 21:48

Parece birra de crianças, de parte a parte...

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Maria José Ribeiro (IP registado)
Data: 06 de February de 2006 23:41

Não à superficialidade!!! Habituemo-nos a pensar!!! Será que reflectimos???

Eu acho que isto das caricaturas é sinal de superficialidade, mais um!!!

Para alguns liberdade de pensamento e expressão leva a que se difunda o que lhes passa pela cabeça... se, porventura a têm (a dita cabeça) ...duvido...

Acho que a nossa imaginação pode ser prodigiosa, mas há que saber usá-la.

Imaginem que eu acho que devo difamar a mãe de vocês. Posso pensar nisso, mas daí até o fazer... Vocês não gostavam, pois não?
Mas eu acho que vocês estão a coartar o direito que eu tenho à liberdade de pensamento e expressão... Não é assim que pensam alguns pseudo- jornalistas( mesmo que toda a gente diga que eles sabem o que fazem, o que eu duvido).

A publicação das caricaturas é um atentado à tolerância!!!

Dizemos que o Islão é de uma grande intolerância e eu também concordo.

Mas serão tolerantes quem ofende os outros?

Mas esses, que se sentem ofendidos e que usam de violência são fanáticos. Realmente, muitos, têm manifestações de grande fanatismo.

Para mim também são fanáticos, intolerantes, etc ... os tais jornalistas.

Penso que pertencendo a uma sociedade dita avançada têm ainda uma maior responsabilidade.

São meninos que andam a brincar às guerras, como quando eram crianças brincavam aos polícias e ladrões.

Não devem ter crescido. São infantis!!!
São irresponsáveis !!! . Não medem as consequências dos seus actos.

E, depois, nós os parvos da Europa até os defendemos. Coitadinhos...

Que façam caricaturas das mães deles... que as ridicularizem...sabem onde quero chegar.

Não concordo com a reacção mas, eles já previam a reacção... se é que pensam....

Em vez de serem homens, mulheres que assumem as consequências dos seus actos procuram diluir-se, na multidão...

Há uma pseudo-solidariedade que leva a que sejam muitos e de muitos países a estarem envolvidos na publicação. Assim já se podem esconder... são tantos... e, todos acham muito bem...

Procuram passar a mensagem de que assim é que deve ser. Pobres cobardes.

Tenho pena que haja gente, como eles, que não entendem nada do que é liberdade.

Condeno a reacção, os ataque.

Os "meninos jornalistas" querem uma guerra santa?

Alistem-se nela!!! Ou será que só vão dar cobertura e estar escondidos no hotel mais seguro?

Coitado do Zé Povinho!!!

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 07 de February de 2006 08:37

Parece-me uma reacçção excessiva, a sua....
A dos fubdamentalistas islãmicos ainda mais.

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Maria João Garcia (IP registado)
Data: 07 de February de 2006 09:25



Também já vi as imagens e é um exagero. O problema é meramente político.
Será melhor andarem a matar pessoas por causa das caricaturas? Esses é que são fanáticos!
Claro, podiam ter-se sentido chocados com as imagens, afinal também não gosto de ver certas caricaturas de Jesus Cristo, mas não é isso que vai acabar com a minha fé ou que me vai levar a ser radical e provocar uma guerra. Havia de ser bonito! A ofensa não passa apenas por imagens, mas também por palavras! Quantas vezes já não falaram mal de Maomé, de Jesus Cristo ou qualquer outra pessoa?
Então e os políticos? Já tinham acabado com os cartoonistas - e não jornalistas - há muito tempo!

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 07 de February de 2006 11:02

Tal como infelizmente se previu, abriu-se uma perigosíssima caixa de Pandora, com sequelas que não sabemos ainda até onde irão.

Entretanto, parece-me muito proveitoso ler calmamente a entrevista que a seguir se reproduz (sublinhados meus). Uma oportunidade a «ouvir» o «outro lado». Algumas ideias saltam à vista, uma das quais é a acusação (creio que com alguma razão) de que os europeus na sua «superioridade civilizacional» tendem a olhar os muçulmanos com bastante desprezo, isso, caricaturescamente.

Alef


Citação:
Ekrima Al Sabri: «¿Acepta acaso Europa que se cuestione el Holocausto?»


Nunca elude el cara a cara. Ni siquiera con la Policía de Israel, que ya le ha detenido en más de una ocasión. Cree que la violenta reacción por las viñetas de Mahoma obedece a la política de EE.UU. en Oriente Próximo, más que a otra cosa

JERUSALÉN. Su oficina, modesta, oscura, cerrada, triste, se encuentra en la Explanada de las Mezquitas, uno de los lugares más emblemáticos y bellos de la Ciudad Vieja de Jerusalén. Desde que estallara la Segunda Intifada, los cristianos y los judíos necesitan de un permiso especial de las autoridades religiosas musulmanas, de un visto bueno policial para pisar el tercer lugar más sagrado del Islam, después de La Meca y Medina en Arabia Saudí. No sea que a alguno de los fieles que rondan por aquí se le escape una piedra.

-Europa no acaba de entender la reacción tan violenta de los países musulmanes a las caricaturas sobre Mahoma. ¿Cómo podría usted explicarla?

-Lo extraño es que Occidente se pregunte por qué los musulmanes estamos furiosos con estas caricaturas, pero ya estamos acostumbrados. Hace demasiado tiempo que Occidente nos mira por encima del hombro sin darse cuenta de que nosotros también tenemos nuestra dignidad, nuestro orgullo. En Europa se ha hecho causa común en torno a la libertad de expresión, pero la libertad de unos acaba donde empieza la de los otros. La libertad de expresión no se ejerce a golpe de ofensas y de insultos, sino de un diálogo académico, de intercambios culturales, de entendimiento mutuo. Los musulmanes nos hemos sentido insultados gravemente. Algunos hemos reaccionado de manera dura aunque pacífica, otros han optado por una respuesta violenta, que condeno, pero entiendo.


-¿Entiende que se quemen Embajadas, se amenace de muerte, se secuestre a extranjeros?

-No comparto la violencia, nunca lo he hecho y ahí están mis palabras de cada viernes desde 1973 a los fieles en la mezquita de Al Aqsa. La reacción de la calle musulmana tiene su origen más allá de las viñetas ofensivas. Ésta ha sido la gota que ha colmado el vaso pero ha habido otras, como la suficiencia occidental respecto de Oriente Próximo; la política proisraelí de Estados Unidos en la región; la criminalización del Islam; las distintas varas de medir en las Naciones Unidas... ¿Por qué se ataca de manera gratuita al profeta Mahoma? ¿Por qué se defiende y se justifica ese ataque? ¿Por la libertad de expresión? ¿Acepta acaso Europa que se cuestione el Holocausto? Existen leyes en Francia o en Alemania que castigan con la cárcel el mero hecho de poner en duda el Holocausto. Para los judíos, el Holocausto es un tema sagrado, para nosotros en cambio lo es el profeta Mahoma. ¿Resulta tan difícil de entender?


-¿No es más ofensivo para el Islam matar a inocentes en nombre de Alá que unas caricaturas sobre Mahoma?

-Matar inocentes en nombre de Alá es un crimen, pero también matan inocentes los Estados Unidos en Irak y Afganistán, y no se cuestiona el cristianismo.


-En Europa se echan de menos voces como la suya o la de otros doctores del Islam denunciando el terrorismo justificado en la religión musulmana.

-Ustedes los europeos igualan sin disimulo el Islam al terrorismo. No es justo. En Estados Unidos, por ejemplo, las mafias han sido siempre muy poderosas y no por ello se consideraba mafiosos a todos los cristianos. Hay más de 1.500 millones de musulmanes, entre ellos una minoría inaceptable que mata en nombre de la religión. ¿Es justo que nos consideren a todos terroristas?


-Da la sensación de que viajamos al pasado, donde las guerras de religiones eran el pan nuestro de cada día. ¿Existe el riesgo de volver a repetir aquellos episodios?

-Parece que lo estén deseando. Ha sido Occidente la que se ha inventado ahora esa expresión tan profundamente desafortunada de conflicto de civilizaciones. Basta con detener el colonialismo; con poner freno al saqueo de nuestros recursos naturales; con hacer cumplir a Israel las resoluciones de las Naciones Unidas, como se le obligó en su día a Irak...


-¿Quizás sea entonces necesaria la firma de un tratado de paz confesional?

-No hace falta firmar ningún tratado de paz entre las religiones monoteístas porque, sencillamente, no existe una guerra entre nosotros. En cambio tenemos que trabajar todos juntos a favor de la coexistencia, del respeto mutuo, de la igualdad de condiciones. Porque no se olvide de una cosa: el Islam respeta mucho más a Occidente de lo que Occidente respeta al Islam.

JUAN CIERCO
«ABC», 2006-02-07


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Anam (IP registado)
Data: 07 de February de 2006 11:28

Concordo com a posição do Papa Bento XVI quando afirma que a liberdade de expressão não pode legitimar abusos no que toca a assuntos religiosos.

O Jornal Dinamarquês acabou de dar (mais) um motivo, e de bandeja, ao Irão (especialmente o Irão) para acender ainda mais o sentimento anti-semita e anti-ocidental. E nós todos sabemos como eles se "picam" com qualquer coisa...É que não foram propriamente as caricaturas que provocaram a ira das comunidades muçulmanas mais radicais: foi, sobretudo, o sentimento anti-ocidente e anti-semita que é cada vez maior! As caricaturas foram apenas a pedra de toque para as manifestações de hostilidade.

Meus amigos, não tenhamos ilusões: este é o ano em que a situação no Médio Oriente vai explodir...é só aguardar!
Com o HAMAS a vencer eleições na Palestina e com o Irão na corrida à energia nuclear...


Anna

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 07 de February de 2006 11:35

Sobre este assunto, também gostava de deixar algumas considerações breves:

1. Para mim, o problema aqui é uma questão de liberdade: é ou não é livre um caricaturista de fazer um cartoon sobre o que bem entende? Podemos questionar se tem ou não tem bom gosto; podemos questionar se foi ou não foi respeituoso; podemos considerar se foi ou não prudente... mas não o podemos proibir de o fazer. Num Estado livre as coisas são assim. Se houver exageros, ofensas, falta de gosto ou provocação (ou acho que também foi esta última, porque o próprio editorial do tal jornal dinamarquês não está inocente), há tribunais que permitem resolver as coias.

2. Têm ou não direito os muçulmanos de se sentirem indignados? Têm eventualmente razão de se entirem atingidos na sua fé e nos seus símbolos. Compreendo, sem estar de acordo. Mas não têm o direito, tal como os católicos não têm, de quererem impor as suas crenças e as suas proibições ao resto da sociedade, para lá de todas as considerações legais. Os Estados ocidentais são laicos. Reparem que ninguém foi para um país muçulmano publicar nada: foi publicado na Dinamarca, por um jornal com alvará legal e que obedece apenas às leis dinamarquesas. Se estas forem violadas em alguma coisa, então as coisas resolvem-se em tribunal.

3. Não julgo que as caricaturas sobre Maomé relevem necessariamente de uma atitude de sobranceria cultural para com o Islão... quanto muito de sobranceria cultural para com a religião, tout court... São ou não são estas caricaturas do mesmo domínio dos que caricaturam o próprio Cristo, o papa, a Igreja, Maria, etc etc etc etc etc???

4. É óbvio que há uma mau-estar crescente entre o mundo ocidental e o islâmico, tanto baseado num sentimento de inferioridade por parte deles, como de um sentimento de superioridade por parte dos Ocidentais, com raízes na Grécia Antiga, pelo menos. MAS não acho que a Europa tenha de ceder os seus valores às ameaças ou ao medo da onda muçulmana. Cito aqui, via ABrupto, uma parte do artigo de Teresa de Sousa, hoje no Público: "ceder à chantagem e à ameaça, contemporizar e justificar a demência fundamentalista antiocidental ou o arbítrio e a brutalidade de alguns regimes árabes será sempre a melhor forma de alimentar as suas ideologias e de manter aprisionadas as sociedades que dominam. Haverá uma forma de racismo mais ultrajante do que a nossa complacência? A aceitação de que os valores que entendemos como universais são afinal fruto exclusivo da nossa cultura e da nossa riqueza, não são valores a que podem aspirar e pelos quais têm o direito de lutar todos os povos do mundo? Haverá melhor forma de alimentar a islamofobia no Ocidente do que considerar justificáveis os actos dementes e de violência contra o Ocidente? É preciso mudar os termos da discussão e pôr fim de uma vez por todas ao politicamente correcto."

5. É óbvia a instrumentalização do problema pelos sectores mais radicais do mundo islâmico: estas caricaturas foram publicadas em Outubro. Por que razão o problema só surge com esta dimensão no momento da crise do Irão e da vitória do Hamas?? Só agora é que as caricaturas se tornaram importantes para estes movimentos islâmicos. Porque lhes convém. Há uma utilização óbvia e estratégica de algo que, sem o contexto político de Fevereiro de 2006, não teria importância: é uma forma de pressionar a Europa e os EUA, assustá-los um pouco, dividi-los, para aliviar as pressões fortes sobre o Irão, a Síria e o Hamas... Não há aqui ofensa nenhuma: é um aproveitamento político.

6. Irritam-me profundamente alguns posicionamentos políticos que, em tudo, sempre que a Igreja católcia vem a terreiro defender ou criticar alguma coisa, caem sobre ela e recusam a sua intromissão, e depois divertem-se a justificar e a dar razão às atitudes muçulmanas. Alguém acha que determinados políticos da nossa praça, se a Igreja catíolica se indignasse com caricaturas sobre Cristo, não teriam opiniões totalmente opostas às que têm agora a propósito dos muçulmanos?


7. É o sagrado caricaturável e risível? É um tema porventura demasiado complicado. Uma resposta rápida - eu julgo que sim, porque a caricatura que faremos nunca é do sagrado em si, mas das suas representações, das imagens que nós temos dele. Essa caricatura e esse riso permite compreender tantas vezes o quanto a nossa imagem do sagrado está deturpada por nós próprios, pelo menos aos olhos dos outros, e a relativizar a imagem tão absoluta que por vezes fazemos das imagens foscas que temos do sagrado em si... Nesse sentido, a caricatura do sagrado pode até ser pedagógica...

Abraço fraterno

Miguel

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Maria José Ribeiro (IP registado)
Data: 07 de February de 2006 22:00

Toda a pessoa tem direito à indignação, os muçulmanos também.
Ou será que são de 2ª e os pseudo-jornalistas e cartonistas os de 1ª? Posso fazer um cartoon e guardá-lo, duvido do gosto, se isso ofende alguém. Mas guardado mesmo, não divulgado.

Será que o DIREITO`A INDIGNAÇÃO é um direito que deixou de dar jeito e, alguns, acham que deve ser banido?
Claro, eles têm esse direito, mas os outros não!!!
Somos todos iguais, mas uns tudo podem fazer, pois pensam como nós... e os outros ...esses ...não contam...É assim que pensam e actuam os ditadores.

O mundo ocidental, dito democrático, atropela os outros, as suas convicções... Até tem graça... Ridicularizar é bom, dizem.... Que grandes democratas...

Não há que impor crenças mas todos devemos ser tolerantes.
A tolerância passa por respeitar as convicções dos outros.

Sejamos racionais, não nos deixemos enganar por preconceitos.

E, o respeito pela dignidade humana? Está esquecida... não se tem em conta...

Por favor, caros amigos, pensem.
Não se habituem a viver numa sociedade que se pauta pela mediocridade.
Que não tem convicções. Que aceita tudo... e não reage...

Se reage é reaccionário, é fundamentalista, e não sei que mais,... e quem é que quer ser considerado mal?

Ah, a gente gosta tanto que os outros digam bem de nós!!!..., não importa o preço....
Grandes homens, grandes mulheres. Ofendem mas querem ser respeitados...

Abaixo os ditadores da Europa dita democrática.
Já chega.

Discordo absolutamente da violência. Que fique bem claro.

Viva o direito à indignação.

Todos temos o direito a ser respeitados. Maomé e os muçulmanos também o têm.


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 08 de February de 2006 02:27

Subscrevo o que a Maria José disse. Penso que tens razão em praticamente tudo quanto escreves. Como eu próprio disse no meu post anterior, eu acho mesmo que os muçulmanos têm tanto direito à indignação como todos... MAS não têm direito a expressar essa indignação de forma violenta. E penso que nem é preciso desenvolver mais.

De qualquer modo, acho uma ingenuidade dizer-se que se está só a falar de gente indignada: há um nítido aproveitamento político. Se não, cara Maria José, por que razão só agora a indignação, com as crises na Palestina e no Irão, se os cartoons foram publicados já há 4 meses, em Outubro? E sabias que o imã que, na Dinamarca, está a liderar os protestos, se chama Abu Laban e que foi tradutor e assistente do líder dos integristas egípcios da Gamaa Islamiya, só a organização que esteve por trás ao atentado do World Trade Center, em 1993? Eu não digo que o Ocidente tenha sempre ou continue a agir sempre de boa fé... Mas muitos muçulmanos mais fundamentalistas também não.

Abraço fraterno,

Miguel


Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 08 de February de 2006 03:19

Sobre este assunto, gostei especialmente do texto do Vasco Graça Moura retirado daqui.




Na Divina Comédia, Dante começa a descrever assim um encontro no círculo oitavo do Inferno "E qual mais decepado ou desastroso / / mostrasse o corpo, nada iguala a suja / bolsa em seu fosso nono e horroroso. / Nem pipa a que aduela e fundo fuja, / como um que vi, assim se desmedula, / oco do mento até onde se ruja: / entre as pernas a tripa pende e pula;/ a fressura se vê e o triste saco / que merda faz daquilo que se engula./ Enquanto tudo nele a olhar estaco, / olhou-me e com as mãos se abriu o peito / dizendo: 'Vê como eu me desempaco! / vê como Maomé está desfeito! / À minha frente vai chorando Ali, / fendido, do toutiço ao mento, o aspeito. / E os outros que tu vês todos aqui, / que hão semeado escândalos e cisma / lá na vida, fendidos vês assi.'" (Inferno, XXVIII, 19-36, trad. minha).

Maomé e o genro, Ali, são colocados entre os semeadores de escândalo e de cisma, de acordo com a mentalidade cristã da época, e tratados com o maior desprezo numa linguagem violenta e de estilo intencionalmente desconjuntado como a própria pipa a desmanchar-se a que alude. Por implicados numa "cisão", há um diabo que os vai abrindo ao meio a talhe de espada, à medida que eles vão passando e voltando a passar. E de Maomé, o florentino chega a ver as tripas numa metáfora de sórdida abjecção fecal "il tristo sacco / che merda fa di quel che si trangugia".

Esta é provavelmente a primeira grande representação grotesca de Maomé que a cultura europeia produziu. Integra-se no genial conjunto de horrores que povoam os quadros do Inferno dantesco e, como tal, faz parte de uma das obras máximas do património cultural europeu. Não há gesto ou atitude que possam suprimi-la em nome do politicamente correcto ou de uma complacência hipócrita e borrada de medo.

Vai-se deixar de ler e admirar Dante por causa disso? Vai-se censurar o poema em futuras edições a pretexto de que, assim, ele ofende o Islão? Vai-se fazer um auto-de-fé das edições existentes? Vai-se pedir desculpa ao Islão por a cultura europeia ter produzido destas coisas? A avaliar por algumas cautelosas reacções, já não falta muito. A estupidez e o medo às vezes dão-se circunspectamente as mãos.

O escândalo religioso é uma questão com a qual a Europa e o Ocidente têm convivido desde sempre, através de ortodoxias e heresias, cismas, guerras de religião, seitas, anátemas, laicidades e irreverências. Na Igreja Católica não teria havido o Index expurgatorum librorum se não fosse assim. Mas passou há muito o tempo da famigerada confusão entre o poder eclesiástico e o poder temporal que tornou possíveis as fogueiras e a eliminação física dos dissidentes. Deus, Cristo, o Espírito Santo, Maria, os anjos, os santos, o Diabo, todas as figuras que povoam o universo da crença cristã, têm sido um constante objecto de representações tanto veneradoras como irónicas, em todas as áreas da expressão humana (e até ao nível de anedotas chocarreiras), e não veio nenhum mal ao mundo por causa disso.

O Islão só pode pretender proibir a representação de Maomé a quem o segue. E mesmo assim, face aos direitos humanos, não pode aplicar outras sanções aos infractores que não sejam as do foro espiritual. Uma reprovação religiosa é assunto ligado ao grémio dos crentes e a sanção pode ocorrer apenas nesse foro espiritual, não havendo que discutir-lhe a legitimidade nesse plano. Mas não pode extravasar dele para qualquer outro e muito menos pode acarretar quaisquer consequências penais ou civis.

Se a liberdade de pensamento e de expressão envolve a questão da responsabilidade pelas consequências do respectivo exercício, a área da crença ou da descrença é uma daquelas em que isso não se aplica. Ninguém pode ser discriminado ou perseguido por causa delas. E por isso é perfeitamente ridícula a reacção de alguma gente deveras acagaçada com as ameaças fundamentalistas só porque um caricaturista se lembrou de representar o profeta e um jornal publicou essas caricaturas.

O Ocidente não pode deixar que se insinue nas suas sociedades esta nova modalidade de terrorismo religioso sob a forma de uma canalha em fúria, acicatada em nome de Alá e do seu profeta, ou sob a forma de chantagem económica.

A mesma Europa que tanto diz defender os direitos humanos e aprovou ainda há pouco uma Carta deles, não pode agora perder a face só porque tem medo. Não pode ter medo. Lutar contra a intimidação também é respeitar um direito fundamental.




Os sublinhados são meus

Abraço fraterno,

Miguel

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 09 de February de 2006 23:37

O que está aqui em causa?

1) A Liberdade de Expressão. Dito de outra forma deve ser permitido exprimir livremente opiniões através de caricaturas, mesmo que corrosivas, seja sob a forma de palavras, textos palavra seja através da Imagem ( cartoons??, filmes, fotografia???? ) , seja através de produções artísticas??
Sim, definitivamente, sim.
Mesmo que essas caricaturas sejam abusivas, violentas, estritamente ideológicas e distorçam, completamente realidade sobre as quais incidem? ( Veja-se por exemplo o post da ovelha tresmalhada a propósito ddos preservativso)
Sim concerteza que sim, definitivamente que sim.

Mesmo que essas caricaturas sejam violentas para quem as lê, porque são abusivas e caluniosas ? Sim definitivamente sim.
È esse o âmago a Liberdade de Expressão - a plena Liberdade para exprimir e publicar opiniões, quaisquer que sejam o seu âmbito, o seu conteúdo e a sua forma.

Nos Estados de Direito Democráticos ( todos laicos) existem limites à liberdade de expressão? Sim existem . São muito restritos estão taxativamente previstos na Lei.

Ou seja, apesar da Liberdade de Expressão ser um princípio soberano, são passíveis de punição quem a utilizar para a difamação ou a calúnia de outras pessoas ( ou instituições/organizações com tutela jurídica) ou em outras situações muito específicas (como a revelação de segredos de estado ou do segredo de Justiça).

Mas a grande diferença entre um regime democrático e uma Ditadura é que o controle à Liberdade de Expressão não é feito antes da publicação – através da censura, da proibição ou de mecanismos de auto-regulação controlados pelo politicamente correcto ou por pressões económicas – mas é feito a posteriori e pelos Tribunais.

Ou seja não pode depender de nenhum mecanismo prévio de avaliação do que pode ou deve ou não ser publicado, do que pode ou não ser dito, do que pode ou não ser caricaturada em suma – do que pode ou não ser pensado e sentido.

Mas, se dessa publicação decorrer um crime – por exemplo a difamação de uma Pessoa ou de uma Associação, ou uma injúria para com outra pessoa, então o próprio Estado de Direito deve agir mediante instâncias judiciais, para atribuir as responsabilidades civis ou criminais a quem utilizou de forma ilegal a liberdade de expressão.

Abdicar da liberdade de Expressão em nome do medo da violência ou de retaliações fundamentalistas é um grave atentado à Democracia.
Parece-me simples.
E é isso que está no cerne da discussão: uma questão política e uma questão de valores essenciais nas democracias ocidentais.


2) O direito à indignação. Quem se sentir indignado com determinado tipo de as caricaturas pode manifestar a sua indignação?

Se viver num Estado de Direito Democrático Laico, seguramente que sim.

Claro que se viver num Estado confessional/religiosos/ditatorial não pode manisfestar livremente a sua indignação , pois a essência destas formas de organização social é a ausência de Liberdade.

Mas só há um único tipo de indignação permitida num Estado de Direito Democrático e Laico.

A indignação pacífica, livremente expressa e a indignação mediada por instâncias judiciais se estivermos na presença de um crime. Ponto final.

A indignação não pode ser violenta nem violentar as regras jurídicas nem a paz social.

Em suma, não há aqui nenhum dilema entre a liberdade de expressão e o direito à indignação - pelo contrário - são indissociáveis.

3) Deus é caricaturàvel? A caricatura sobre temáticas religiosas é admissível?

Definitivamente sim, quaisquer que sejam a as consequências em termos de sensibilidades feridas...

Colocar um parêntesis à liberdade de expressão para as temáticas religiosas legitimaria que a censura se alargasse às sensibilidades políticas, estéticas, sociais, culturais, etc, etce , e pouco a pouco, o leque do que se poderia efectivamente falar e publicar em liberdade crítica estaria reduzido a … nada.

Ora a ditadura política é também a ditadura do pensamento reflexivo e da capacidade autoreflexiva, sobre si mesmo, sobre o outro e sobre a realidade.

Podemos caricaturar Deus? Concerteza que sim. Ainda podemos.
Pelo menos nos Estados Democráticos e Laicos.

ESte é a minha opinião em www.muralidades.blogspot.com

Considero ainda que a opinião de Pacheco Periera publicada no público de hoje e acessível em www.abrupto.blogspot.com é uma análise lúcida e corajosa do que se está a passar...





Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: rmcf (IP registado)
Data: 10 de February de 2006 00:05

Concordo 100%. E está tudo dito. E parabéns pelo blog que já está nos favoritos. Espero é que não nos tire o prazer da tua companhia 'por aqui'.

Abraço fraterno, com muita amizade

Miguel

Re: O sagrado, os sentimentos religiosos e a liberdade de expressão
Escrito por: Maria José Ribeiro (IP registado)
Data: 11 de February de 2006 00:47

Sabem, gostaria de escrever aqui, com naturalidade e sem ter que pensar que os outros vão pensar que... Sinto-me, desculpem, como se existisse alguém que não permite que eu exercite a liberdade de expressão.
Demoro mais tempo a escrever um texto, por isso acontecer. Felizmente não me acontece quando escrevo noutros sítios. Estou a começar a sentir-me mal.

Há as pessoas que sabem a verdade toda e outros, pobres ignorantes que a desconhecem (não digam que é ironia!!!! é apenas a constatação de um facto. O Miguel sabe exactamente como as coisas são e a catolicapraticante também. Está tudo dito- afirma o Miguel. Acho que nesse caso não teria sentido continuar este tópico. Encontrou-se a chave que abre a porta da verdade, do correcto (ou do politicamente correcto???)

Miguel faz-me impressão a subserviência que, às vezes, pareces ter em relação a certas pessoas. Isto de concordares a 100% é apenas um dos indicadores. Eu acho que te enganaste...Tira, pelo menos, 1% e ficas nos 99% (somos todos diferentes e é , por isso, que não acredito que coincidas em tudo com o que escreve a CP).

Considero que a liberdade de expressão não pode ir contra o respeito de outros.

Para mim não há mundos ocidentais e outros islâmicos, etc. Claro, os ocidentais são os superiores... Não e não!!! Somos todos pessoas e todos temos direito a ser respeitados. A liberdade de expressão não é "o topo". Para os ditadores é-o. Nesse caso chamam "liberdade de expressão" a "que se escreva o que eles pensam".
Como a mesma expressão pode dizer coisas tão diferentes... É preciso ler "as expressões" no seu contexto. Apenas um exemplo: "democracia"...o que significava para Estaline???

O que está a acontecer com a publicação das caricaturas não é manifestação da dita liberdade (discordo do que disse hoje o Durão Barroso) Imaginem eu até acho que o tal homem tem cabeça e o que disse não era o que pensava. Neste caso ele actuou como porta-voz., não como Presidente... Coitado, ao que se sujeita...se é que se sujeita...para mim isso é fazer figura de ... Se digo o que penso vens tu e a CP e cortam-me a cabeça, que felizmente tenho.

Não alinho no politicamente correcto. Penso e actuo.

Actuação respeitosa. Digo NÃo, NÃO e NÂO À VIOLÊNCIA

O Secretário Geral das Nações Unidas teve uma actuação dele, e não de porta-voz: ouvia-o, hoje, dizer que a publicação das caricaturas é um acto de provocação, irresponsabilidade. Falava de como era ofensivo e provocador.

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