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Os «anjos» da «boa morte»: a propósito do «caso Terri Schiavo»
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 01 de April de 2005 02:51

O caso da morte de Terri Schiavo provocou nos EUA e um pouco por todo o mundo discussões mais ou menos apaixonadas sobre o tema da eutanásia. E muita tinta correrá ainda.

Possivelmente alguns dirão que o êxito dos filmes «Mar Adentro» e «Million Dollar Baby» foi a melhor publicidade a favor da eutanásia agora praticada sobre Terri. De resto, várias sondagens feitas nos EUA sugerem que a opinião pública está de acordo com a decisão tomada... [Note-se, contudo, que apesar de «Mar Adentro» parecer favorecer a causa da eutanásia, não tem por tema a eutanásia, mas sim o suicídio assistido.]

Mas será que as pessoas estão exactamente ao corrente do que está em causa? Por aquilo que tenho lido em alguns «blogs» e até artigos de opinião em alguns jornais (incluindo um paupérrimo «Editorial» de um prestigiado jornal internacional), parece-me que anda muita confusão de termos, muitas «omissões estratégicas» e convenientes, muitas meias verdades.

Espero voltar a tratar aqui deste assunto. Para já deixo duas notícias do «DN».

Alef



- Notícia 1:

Citação:
Theresa Marie morre ao 13.º dia

Ao 13.º dia de fome e sede, Theresa Marie Schiavo morreu. Até ao último suspiro a meio da manhã de ontem na cama do hospício de Woodside, em Pinellas Park, Florida, onde há anos estava imobilizada, não conseguiu o que era talvez o seu maior desejo que houvesse entendimento entre a sua família natural e o marido.

Há versões contraditórias sobre os últimos momentos de vida de Terri Schiavo. David Gibbs, o advogado dos pais dela, os Schindlers, diz que estes e o seu conselheiro espiritual, o padre Frank Pavone, "estiveram com Terri até uns dez minutos antes de falecer". Saíram do pé da cama por minutos, mas quando quiseram para lá voltar, a entrada foi-lhes barrada pela polícia Michael Schiavo tinha comunicado que não os queria no quarto.

Minutos após ter sido anunciada a morte, Pavone comentava "E, assim, a crueldade dele (Michael) continuou até ao último momento. Isto não é uma morte, com toda a tristeza que traz, mas um assassínio, e por isso não somente lamentamos o falecimento de Terri como também a nossa nação, que permitiu uma atrocidade como esta, e rezamos para que nunca volte a acontecer."

Pavone sugeriu que Michael Schiavo não estava presente no momento da morte da mulher, anunciada publicamente pelo seu advogado, George Felos, mas John Centonze, irmão da companheira de Schiavo, desmentiu-o disse ter telefonado momentos depois para Michael "e ele não conseguia falar, estava a chorar".

Houve gritos e choro entre as muitas dezenas de manifestantes que continuavam à porta do hospício. As críticas mais veementes iam para "os irmãos Bush", o governador da Florida e o presidente dos Estados Unidos, por não se terem esforçado mais para salvar a vida de Terri.

Jeb Bush, que na realidade interveio várias vezes aos longo dos últimos anos para salvar a vida a Terri, menos de uma hora depois da morte "Muitos no nosso estado e em todo o mundo estão profundamente chocados pela forma como Terri morreu. Também eu me sinto profundamente chocado. Continuo convencido, contudo, de que a morte de Terri é uma janela através da qual podemos ver muitos dos assuntos não resolvidos nas nossas famílias e na nossa sociedade."

Mais tarde, George W. Bush expressava as suas condolências à família e acrescentava "Hoje, milhões de americanos estão tristes pela morte de Terri Schiavo. Peço a todos os que respeitam Terri que continuem a trabalhar na construção de uma cultura de vida onde todos os americanos são bem-vindos, considerados e protegidos."

As duas últimas semanas de vida de Terri Schiavo mostraram uma sociedade americana dividida para além das linhas políticas e religiosas. A esmagadora maioria dos americanos continua a ser contrária à forma como os políticos intervieram no caso e a defender que o assunto deveria ter sido resolvido unicamente pelo marido e pelos pais. E enquanto se diz que as posições contra a decisão dos tribunais de deixarem Terri morrer foi apoiada pelos cristãos conservadores, há provas do contrário.

O reverendo Jesse Jackson, considerado um campeão do liberalismo político, passou os últimos dias a esforçar-se por tentar que os legisladores da Florida e nacionais interviessem no caso. Ontem, antes da morte, dizia esperar por um milagre "Ela está a ser morta à fome, está a ser desidratada até à morte, isto é desumano." Depois do falecimento, acrescentava que "não podemos esconder-nos atrás da lei para não termos piedade".

Também o insuspeito Village Voice de Nova Iorque titulava na capa "Terri Schiavo assassínio judicial", e o lead do artigo principal era "O seu crime foi estar deficiente, sem voz, e à disposição dos nossos media. Para que todo o mundo veja, uma mulher de 41 anos, que não cometeu qualquer crime, vai morrer de desidratação e fome na mais longa execução pública da história da América."

Duas horas depois da morte, o corpo de Terri Schiavo foi levado numa furgoneta branca para o instituto de medicina legal, onde vai ser autopsiado. Embora pais e marido tenham concordado com a autópsia (os resultados serão mais uma arma para tentarem provar a razão das suas posições), começou já a nova luta pelo destino dos restos mortais de Terri o marido, apoiado pelo tribunal, quer que o corpo seja imediatamente cremado e as cinzas enterradas no lote que a família Schiavo tem na Pensilvânia; os pais querem que o corpo seja preservado, que haja uma missa de corpo presente e um funeral na Florida.

Manuel Ricardo Ferreira
Correspondente em Nova Iorque


- Notícia 2:

Citação:
Reacção
A alimentação "não seria suspensa em Portugal"

"Em nenhum hospital português seria retirada a alimentação. O caso da Terri Schiavo não seria possível em Portugal, só no sistema americano, em que é decidido pelos tribunais." É a leitura de Walter Oswald, especialista em bioética, perante um caso que assumiu visibilidade mundial. Segundo explica, a decisão em Portugal seria tomada em conjunto pelos "cuidadores, ou seja, médicos e família. E os hospitais portugueses, que têm também "alguns casos semelhantes a este", não suspenderiam a alimentação, garante.

Esta ideia, aliás, corresponde ao sentido do parecer aprovado recentemente pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, que entendeu a alimentação e a hidratação como "cuidados básicos" a que a "pessoa em estado vegetativo persistente tem direito". Estabelecendo que cada situação deverá ser alvo de uma análise "extremamente cautelosa e a partir de um diagnóstico rigoroso sobre o seu estado clínico", este documento defende ainda que as decisões devem "respeitar a vontade do próprio".

Walter Oswald, que subscreve a manutenção da alimentação e hidratação em casos como o de Terri Schiavo, lembra que existe a possibilidade, "ainda que muito remota e cada vez menos provável à medida que o tempo passa", de recuperação. "Existem casos clássicos", salienta, afirmando, contudo, "compreender a tentação de acabar com este estado porque é extremamente difícil viver com uma situação destas". Mas em Portugal, garante ainda, não vê forma de a questão ser resolvida judicialmente "Não vejo nenhuma lei que pudesse ser usada para levar o tribunal a aceitar o caso."

Elsa Costa e Silva

Re: Os «anjos» da «boa morte»: a propósito do «caso Terri Schiavo»
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 04 de April de 2005 06:07

Três situações aparentemente desconexas voltam a trazer para a primeira página neste início de milénio a questão da morte digna e da necessidade de elevar à categoria de direito humano fundamental o Direito a morrer dignamente.

A primeira situação foi a protagonizada por uma mulher norte americana, Terri Shiavo, que, após quinze anos de estado vegetativo morreu após a polémica suspensão de tratamentos que a mantinham "viva".

O segundo caso é o do Príncipe Rainier do Mónaco – ligado ao ventilador e sem qualquer hipótese de recuperação possível, mas submetido às mais agressivas tecnologias que permitem prolongar-lhe a vida por tempo indeterminado. Não sabemos por quanto tempo será mantido assim.

A terceira situação em tudo similar a esta situação clínica , foi a evolução da situação clínica do Papa, que, após uma septicemia, entrou em situação de falência multissistémica (quer dizer que os vários órgãos vitais começaram a deixar de funcionar, rins, coração, sistema respiratório), incapaz de falar ou deglutir, ligado ao ventilador para respirar e provavelmente sujeito a hemodiálise para sobreviver mais umas horas, alimentado por sonda nasogástrica e que, mesmo numa situação de fase final da vida, quando já não existia qualquer hipótese de recuperação de uma doença em estado terminal, foi reanimado de uma falência cardio-respiratória, de forma a agonizar durante mais dois dias.

Mais estranho ainda foi a forma como os porta vozes do Vaticano foram afirmando até quase ao desfecho, que o papa se encontrava lúcido e a comunicar, o que é uma situação altamente improvável face ao quadro clínico que ia sendo fornecido.

A necessidade quase compulsiva de evitar a morte inevitável até ao limite, prolongando a agonia, mesmo sabendo que com estas técnicas invasivas apenas se protela o inevitável, sem que com isso se consiga mais Vida digna para o doente agonizante é uma tentação irresistível da Medicina moderna.

Se temos a tecnologia para protelar a morte, nem que seja por 24 horas, o
nosso "instinto" imediato é protelá-la o mais possível, é usar todos os recursos ao nosso dispor para a evitar, é no fundo fazer aquilo para que estamos mais formatados para fazer e os técnicos de saúde preparados e treinados para o fazer da melhor maneira – sobreviver o mais possível, adiar a morte a todo o custo.

Isto é extremamente complexo. Há doentes a agonizar, mas que ainda continuam submetidos a quimioterapias ou técnicas de prolongamento de vida. Há doentes em estado terminal, (como aconteceu com o Papa) que, nas últimas horas de vida, se fizerem uma paragem cardiorespiratória são reanimados. Há doentes de noventa e dois anos em estado terminal, que após falência renal, são submetidos a hemodiálise.

Paradoxalmente, não são os mais pobres ou mais desfavorecidos que podem ser alvo preferencial destes comportamentos que por vezes raiam a obstinação terapêutica que a própria Igreja católica condena – a distanásia, como forma de prolongar dolorosamente a vida de um ser humano, adiando, com um sofrimento injustificável a morte é um acto bárbaro.

Mas que tende a tornar-se banal sobretudo se o seu alvo forem figuras públicas, com peso político ou cuja morte implique grandes repercussões socioeconómicas.

Os grandes líderes espirituais ou políticos tendem a ser alvo de todo o tipo de procedimentos, legítimos ou não, para prolongar o seu estatuto de ícones vivos, mesmo se não passam de fantoches ou já estão em estado de absoluta degradação física e mental... por trás desta necessidade podem estar também a gestão de questões políticas ou a manipulação do processo de ruptura ou necessidades meramente estratégicas de preparar a opinião pública para o desaparecimento de alguém. Estou a lembrar-me de da morte de Arafat, por exemplo.

È certo que morte acaba sempre por vencer. Mas há uma progressiva tendência para agonias longas, em ambientes tecnologicamente agressivos. È ridículo quando se fala em "morte natural".
A partir do momento em que as tecnologias da saúde medicalizaram a morte, tal como o fizeram com ao nascimento e o parto, morrer nada tem e de natural nas sociedades tecnologicamente desenvolvidas.

Mas ter uma morte digna e sem sofrimento ( e isso, o desenvolvimento da medicina já o permite em muitas circunstâncias), actuando de acordo com a vontade do doente, pode permitir ás pessoas que vivam esta etapa final da sua vida com dignidade, sem dor física e com um mínimo de lucidez e autonomia e até com algum tipo de controle sobre esta situação limite.

Se o século XX foi o século da sexualidade, e do amor, do conhecimento, descoberta e controle dos limites da sexualidade humana, o que permitiu por exemplo, que fosse também o século da paternidade consciente e o século da criança, o século XXI será o século em da Morte, o grande tabu.


Re: Os «anjos» da «boa morte»: a propósito do «caso Terri Schiavo»
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 04 de April de 2005 16:51

Outro fenómeno bizarro relacionado com este é a da mediatização da morte, numa espécie de retrocesso medieval da "morte pública"...
Há qualquer coisa de mórbido no voyeurismo da Comunicação Social sobre a agonia e rituais de morte á volta de figuras públicas como a do Papa... Com a agravante deste voyeurismo mediático guloso se ter globalizado, numa espécie de ritual necrófilo.
( Já foi assim com a morte de Diana Spencer)

A mesma humanidade que estigmatiza os moribundos e os seres imperfeitos ou mutilados, consome avidamente pormenores grotescos de agonias numa espécie de Crucificação em directo.

O Filme Paixão de Mel Gibson já alimentou em parte esta avidez de sangue.

A exposição pública da degradação física final do papa não foi inocente.

Como escreveu Vital Moreira em 3/4/05 no seu blogue,

"A agonia e morte do Papa quse em directo e em tempo real para as cadeias televisivas proporcionou uma formidável exploração mediática "urbi et orbi" do seu prolongado sofrimento e passamento. Como ouvi alguém observar, a exposição pública do sacrifício e da obstinada entrega ao seu múnus até ao pungente desenlace final só pode ser vista como expressão da visão "purificadora" e sacrificial própria de grupos fundamentalistas católicos como a Opus Dei e a Libertação e Comunhão, que encontraram no intransigente conservadorismo moral do Papa polaco um inequívoco apoio. Numa metáfora feliz, Nuno Júdice viu em todo o episódio a representação de «uma nova crucificação». Exactamente."

Que tempos estes.



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