Ora aqui está um bom tópico provocador e interessante, mas parece-me incorrecto o tom da última mensagem do Pinto. Numa discussão que se pretende minimamente séria e responsável fica mal atirar afirmações gratuitas como a de que a alegada falta de democracia na Igreja é “verdadeiro fascismo no coração da Igreja de Cristo”. Ou se desconhece o que é o fascismo (e isso é uma forma de o banalizar) ou se pretende apenas atirar pedras à Igreja (e nesse caso a tónica do debate muda muito). Há que evitar fundamentalismos, também na forma.
Penso o seguinte: a Igreja não deve ser uma democracia (“tout-court”), mas deve ser mais “democrática”, isto é, tem que ser maior a PARTICIPAÇÃO de todos.
A grande questão é, de facto, a da participação. Com o andamento dos séculos a Igreja tornou-se, no seu modo de funcionar, demasiado clerical. O Vaticano II foi uma grande lufada de ar fresco, não para trazer coisas novas, mas para recuperar o que já existia no princípio. Há ainda muito a fazer.
É preciso manter os dois pólos da questão, sem nunca esquecer nenhum deles: 1) a Igreja não é uma democracia (tal como dizem o Luís e o João), mas 2) é necessário haver mais espaço à participação de todos os baptizados. Tendo isto em mente, prossigamos. A Igreja não é, não pode ser uma democracia, já que o fundamento da Igreja não é o mesmo que o de um estado. Nem a relação entre os líderes da Igreja pode ser a mesma que as de um estado ou de uma empresa. Os padres não são os empregados dos bispos, nem estes os agentes do Papa.
De resto, pensemos na importância do aspecto doutrinal. O facto de a maioria pensar uma determinada coisa em matéria de religião não faz dessa coisa que seja verdadeira. Não é o número que dá autoridade. A autoridade vem de Jesus Cristo e do seu evangelho transmitido pelos Apóstolos. Nada me garante que a opinião da maioria é a verdade, até porque numa sociedade tão volátil como a nossa, onde o peso das sondagens e da publicidade tudo tende a ser “relativo” e opinável. E sabemos que a maioria não está necessariamente certa. Será um líder mais popular necessariamente o melhor?
[Um aparte: De resto, mesmo no campo político a democracia “pura” é um mito. Como dizia há dias numa conferência o Dr. Pacheco Pereira, a democracia funciona porque contém no seio dela elementos não democráticos. Certo. Nem tudo se pode referendar ou colocar sob o voto, sob o risco de nada se fazer. Não podemos eleger os nossos políticos cada mês e um governo não pode ser demitido por cada medida impopular que publicar.]
Mas é preciso que haja maior PARTICIPAÇÃO dentro da Igreja. Como baptizados somos em Cristo uma família de irmãos, não uma sociedade de castas ou de classes onde uns são nobres e outros plebeus. Com isto limito-me a parafrasear S. Paulo. Creio que hoje há de facto um défice de participação, sobretudo por parte dos leigos, em importantes decisões nas comunidades cristãs (paróquias e dioceses). Não é necessário que a condução dos destinos da paróquia seja decidida por voto, mas é importante que o Conselho Pastoral Paroquial (quantos existem?) funcione. Não é necessário que sejam os leigos a eleger os bispos, mas isso não tira que eles não tenham uma palavra importante a dizer sobre os bispos que querem. Nos primeiros tempos da Igreja muitos bispos foram eleitos pelo povo. Basta lembrar que Santo Ambrósio (século IV), o grande bispo de Milão, foi eleito bispo, por aclamação do povo, quando ainda era apenas catecúmeno! Com o tempo e por causa de abusos aqui e ali as coisas tenderam a centralizar-se, demasiado. A participação dos leigos deverá ser mais do que dizer em coro um mais ou menos solene “Amén”.
A Igreja não tem medo da democracia (não deve ter), até porque os princípios de uma sã democracia não se contrapõem aos valores cristãos. Ou será?
Finalmente, a propósito de “saber” se na era e no país de Jesus se praticava a democracia, para não carmos em anacronismos, convém notar que a sociedade onde Jesus viveu é o resultado de cruzamentos de grandes “ondas” civilizacionais. Destaquem-se duas: por um lado temos uma sociedade claramente patriarcal e, por outro, a influência greco-romana. “Oficialmente” a democracia começou na Grécia de Péricles, uns séculos antes de Cristo. Uma democracia onde curiosamente havia uns mais iguais que outros (mudámos um “pouquinho”), pois era uma sociedade esclavagista. O Cristianismo traz a novidade de todos sermos filhos no Filho, pelo que já não há homem nem mulher, judeu ou grego, escravo ou homem livre. O que falta é fazer o Cristianismo acontecer, não esquecendo a tensão que mencionei.
Alef
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