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Caridade - Verdade
Escrito por: Padre João luis Paixão (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 16:21

Muito se tem falado neste Fórum de Modernidade, Pós-Modernidade, e ultimamente de Caridade. Pode parecer à primeira vista que nada tem uma coisa com a outra, mas na realidade os frutos estão a vista. Num mundo marcado pelos "Respeitos Humanos" transformou-se ou pretende-se transformar a virtude sobrenatural da Caridade - porque esta brota em primeiro lugar do Coração de Jesus - na virtude natural da Simpatia.
Vivemos num mundo com profundas fracturas, em que a Verdade - que é Cristo - deixa de importar, para dar lugar a várias verdades, isto é a verdade de cada um. Fruto do relativismo cultural, não é aceite a Verdade, mas várias verdades, tantas como os individuos.
Curiosamente voltámos culturalmente ao periodo pré-socrático, e ao predominio das opiniões em deterimento da Verdade única. Como consequencia de tudo isto, confunde-se Caridade com simpatia e com respeitos humanos. Cada pessoa é livre de ter as suas opiniões e ninguem neste mundo as pode pôr em causa. Transformamos as nossas opiniões - a que chamamos verdades - em campo de batalha, nao podemos questiona-las sob pena de não sermos "caridosos".
Cristo apresenta-se nos Evangelhos como Caridade Infinita de Deus.
E Cristo nos Evangelhos está longe de ser ou até de desejar ser uma pessoa siimpática. Não foi quando chamou hipócritas, sepulcros caiados de branco aos fariseus, não o foi quando lhe chamou raça de viboras, não o foi quando expulsou do templo os vendedores.
Porque a verdadeira caridade submete-se à verdade. Uma obra de misericórdia é corrigir os que estão errados.
Nos dias hoje este Cristo foi preterido em função de um Cristo delico-doce de olhos amendoados, muito simpatico que diz a cada pessoa "deixa-te estar que estás bem" O que interessa é seres uma boa pessoa.
No entanto no Evangelho Cristo diz ao Jovem rico que não basta ser boa pessoa, que há que deixar tudo e segui-Lo. Ser Cristão é acima de tudo ser discipulo de Jesus, mesmo quando não se é bem aceite, mesmo quando "mentindo disserrem todo o mal acerca de vós, alegrai-vos e exultai porque é grande a vossa recompensa".
Dizia o Cardeal Ratzinger num encontro de Catequistas, que o Reino de Deus é sempre semente, e que somos neste mundo sinal de contradição.
Mal será quando agradarmos a toda a gente. Quando a Igreja deixar de ser este sinal de contradição e passar a ser aceite e defendida por todos, significa que deixámos a radicalidade evangélica para agradarmos às pessoas.
A Caridade submete-se à verdade, e verdadeira caridade não é nem pode ser Simpatia humana, querer agradar a todos com palavras doces, mas apresentar Cristo Caminho, Verdade e Vida.
A Caridade é e tem sempre de ser Amor de Deus para com todos os homens, mas o desejo de Deus é que todos se salvem, que todos O encontrem, e não apenas que cada um fique com as suas opiniões e tentem ser boas pessoas.
A Igreja é sempre obra do Espirito Santo. Não pode ser vista como uma sociedade meramente humana, para onde importamos os ultimos avanços sociais. Não podemos transformar a Igreja naquilo que é a Sociedade Civil de hoje com os seus avanços e modas. A Igreja é construção do Espirito Santo, e em cada tempo e lugar procuramos que ela seja acima de tudo Imagem e Semelhança da Igreja Celeste. É esta o modelo, não a sociedade capitalista do sec XXI. Daí a necessidade da Fidelidade descoberta na oração.
Gostava de ouvir o que têm a dizer......

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Ana (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 17:01

Pe. Luis


E tao dificil corrigir os que tem defeitos. Aqui os psicologos dizem, so se corrigem se eles quiserem.
Como nos podemos aproximar de alguem e dizer-lhes: andas no mau caminho?
Aos nossos filhos podemos dizer, agora aos da rua, ficamos sujeitos a inimizades...
Tivemos aqui um padre, que com a sua bondade, humildade e ciencia, aproximava-se dos paroquianos e falava com eles. E preciso ter bons dons para que as pessoas aceitem...!!! E as pessoas ainda veem o padre como um conselheiro, um bom amigo!!!

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 17:41

Concordo com algumas proposições, mas chamo a atenção de alguns elementos, ao correr das teclas:

- normalmente quem usa este tipo de discurso de apelar ao lado mais "agressivo" de Jesus, fá-lo para justificar a "lei da moca", o autoritarismo e a antipatia; ora, Jesus combateu precisamente aqueles que se faziam donos da verdade, em nome de Deus, e que interpretavam a Lei em seu proveito;

- acho que os mesmos deviam apelar, antes de mais, para a coerência da vida de Jesus e actuar consoante. "Quem não tiver pecados, atire a primeira pedra";

- as minhas objecções vão mais directamente a certos pressupostos de tipo filosófico. A visão que o P. Luís apresenta de verdade não é, de modo nenhum, universal, mas tipicamente ocidental, etnocêntrica e datada; uma linguagem que hoje não colhe, não apenas por "culpa" do "pós-modernismo" (o que quer que isso seja, que é uma etiqueta de que se abusa), mas porque o mundo de hoje é mais plural e a velha linguagem da verdade como "adaequatio rei et intellectus" não é inteligível para todas as culturas. De resto, nem sequer é bíblica;

- é necessário ter a coragem de renovar a linguagem. A "Fides et Ratio" faz uma pequena tentativa (na primeira parte), mas acaba por afogar a tentativa começada, dando origem a um dos documentos mais confusos em termos de bases filosóficas, que tenta a "quadratura do círculo" com noções opostas de verdade (acaba por ganhar a visão de tipo dualista de sabor escolástico);

- na renovação da linguagem há que recorrer a importantes instrumentos que não são necessariamente ontologistas (ou essencialistas). Muitos queixam-se do pós-modernismo, e passam o tempo a chorar as cebolas do Egipto da "scientia perennis" enquanto perdem importantes oportunidades dadas pelo próprio ambiente dito pós-Moderno, concretamente uma abertura maior para o campo da metáfora, da contemplação, da afectividade; há que ter a coragem de passar da atitude defensiva e saudosista para uma atitude provocadora, que coloca os problemas da forma que a cultura do momento pode entender. Que adianta gritar uma mensagem se ela não é perceptível? Acaso, permaneceu Deus no inefável do Seu mistério? Não Se revelou humanamente e com palavras humanas? E se as palavras mudam, porque havemos de ficar presos ao atavismo? Porquê insistir em conceitos de verdade (e confronte-se com as habituais críticas de relativismo...) que estão presos a velhos dualismos? Se a Encarnação se desse nos nossos dias, teria Jesus usado a linguagem aristotélica?

- não quero ser mal interpretado. Não digo que tudo vale. Mas há que chamar a atenção que muitos que clamam por "verdades absolutas", na verdade, clamam pelas suas "verdades", à sua maneira e que tais verdades são na verdade "relativas" (=com relação a) à sua cultura, normalmente ocidental e (agora) de outros tempos. Como pode o destinatário receber a mensagem, se o mensageiro usa uma linguagem que o destinatário não compreende? Certo, a Igreja não tem que ser construída como uma mera cópia do modelo "pós-modernista" e capitalista do século XXI. Mas por que insistir num modelo que em alguns aspectos tem muito de feudal? [Não uso aqui "feudal" com o habitual sentido pejorativo, apenas o refiro como elemento do passado, facilmente localizável.] No passado, a Igreja, soube, graças ao trabalho de muitos teólogos, responder a importantes reptos da cultura, como foi o caso do existencialismo. Será que em relação ao "problema da pós-Modernidade" vamos ficar agarrados ao passado, à "philosophia perennis", limitando-nos ao chavão do relativismo? Não é tempo, antes, de pensar como pensar o Evangelho desde os problemas reais?

Certamente, o Reino dos Céus será sinal de contradição e os critérios do Reino não são os do "mundo", mas não podemos querer encerrar o Reino dos Céus nas velhas categorias filosóficas extra-bíblicas, enquanto passamos o tempo a lamentarmo-nos do mundo. O Evangelho é também em muitos aspectos contra-cultural, mas isso acontece em relação a todas as culturas, incluindo a "nossa" ou aquela que "alguns" querem recuperar.

Alef

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Inês (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 19:14

Um bem-haja, Alef! :)

A mim "arrepia-me" um pouco a maneira como ouço certos católicos falar da Verdade...
A verdade é só uma e sempre a mesma, é certo, mas concerteza que há mais que uma maneira de a exprimir. E sim, eu sei que é este argumento que tem levado a muitos relativismos que pouco trazem de bom, é esta também a base da new-age, entre outras coisas, mas... parece ter-se criado uma "fobia" tão grande entre os cristãos ao relativismo que se cai no extremo contrário: à força de ser coerente, de não se deixar levar pelas pressões do mundo que nos querem "amolecer" e nos levam à tentação de "adoçar" a doutrina para agradarmos a gregos e troianos, opta-se por um discurso totalmente rígido. Não caímos no erro de fazer com que se torne um pouco "e quem não compreender que se lixe"? O que me faz confusão é que pareça haver quem ache que ter um discurso mais acessível - um que tenha em conta a nossa realidade do momento, como diz o Alef - corresponde automaticamente a distorcer a doutrina. Quer dizer, Cristo foi o primeiro a usar parábolas para ensinar as gentes...

Se Santo Agostinho tem razão quando diz "acredita e compreenderás", como poderemos esperar de um não crente, ou "não praticante", a mesma recepção a um determinado tipo de linguagem que terá um católico? Se a pessoa não está num contexto de fé, não vai compreender.

Podemos exigir a uma pessoa "pós-moderna", como vocês dizem, criada numa sociedade de consumo, de prazer facilista, etc, etc que compreenda assim sem mais nem menos o que se diz acerca do valor do sacrifício, por exemplo? Ou que compreenda o que leva alguém a abdicar da sua vida cá fora para se enfiar num convento de clausura sem contacto com o mundo exterior, a vida inteira? ...É o tipo de coisas que até um católico às vezes tem dificuldade em entender, quanto mais quem está "de fora". (Hoje tentei explicá-lo aos meus miudos da catequese, 10º volume... foi frutuoso mas "sofrido":-)
Negar uma explicação paciente e amorosa, *compreensível* a quem está de fora, optar pelo "e quem não compreender que se lixe" parece-me muito pouco caridoso, muito pouco cristão.

Desculpem o desabafo, mas não sei se em muitos casos esta "firmeza" não tem mais de arrogância que de verdadeira preocupação com a coerência daquilo em que acreditamos... afinal um discurso caridoso não nos faz sentir tão "doutores" e tão fortes quanto um discurso de força.


Inês C.

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: taliban (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 19:53

Se conseguires ser integralmente PESSOA, e para além disso ser uma PESSOA Boa, serás um cristâo autêntico.

Tornarmo-nos pessoas é o nosso desafio existencial.

(Os que pregam o contrário pregam a alienação do ser humano, apenas para afirmar o seu poder pessoal e institucional, nas suas várias formas, incluindo o poder sobre de manipular as consciências dos outros.)

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Padre João luis Paixão (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 22:12

Aconselho a Leitura da Enciclica "Esplendor da Verdade". João Paulo II.
Ele volta a insistir neste ponto. A verdade é Cristo. ´Nem é a Igreja. Nem a Igreja possui a verdade. A Igreja procura descobrir a Verdade que tem em si em germen por Cristo ser a sua Cabeça. Os padres não tem a verdade, muito menos eu, que sou o ultimo a procurar tê-la. Procuro descobri-la na certeza de que não há várias verdades contraditórias.
Um bom Cristão é uma pessoa boa. Uma boa pessoa não necessáriamente um bom Cristão, A enciclica em questão parte precisamente deste encontro com o Jovem Rico. Que era boa pessoa mas faltava-lhe algo.
Por fim Alef, a questão de Cristo, volto a insistir - sem querer entrar na Lei da Moca - que é preciso ler os Evangelhos. A bondade natural de Cristo que acolhe nao só a pecadora mas todos os que a ele se dirigem porque nele vem a Verdade, vão num processo de mudança de vida, de conversão. Olhar para cristo como um desculpa tudo e tudo aceita é um erro. Ele conhece-nos, mas é exigente. Exige diáriamente de mim, que me converta.
O que me parece é que há a tendencia fruto de um quadro muito doce de Cristo de acentuar uma bondade que não exige nada, mas que tudo aceita sem querer mudar.
Sinto na minha vida, diáriamente o apelo à conversão que Cristo me faz ao ler a Biblia e o Magistério.
Não são os padres que exigem, é Cristo Ressuscitado que faz o apelo diário à conversão. A desinstalar-me das minhas certezas e opiniões e abrir-me ao que o Espirito Santo me diz.

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 22 de May de 2004 23:25

1 - "E Cristo nos Evangelhos está longe de ser ou até de desejar ser uma pessoa siimpática. Não foi quando chamou hipócritas, sepulcros caiados de branco aos fariseus, não o foi quando lhe chamou raça de viboras, não o foi quando expulsou do templo os vendedores. "

Totalmente em desacordo. Só me faltava agora um Deus caceteiro.

Aquilo que chamou aos fariseus foi num contexto de uma discussão, com as quais se impacientava, particularmente quando vinham de pessoas que tinham conhecimentos suficientes para entender a sua mensagem, que eram na sua essência pessoas boas, mas que por interesse fechavam o seu coração à mensagem Dele.

2 - "Uma obra de misericórdia é corrigir os que estão errados."
Teoria deste tipo deu origem às Cruzadas e à Inquisição, dois momentos negros da Igreja.
Obra de misericórdia será ensinar aqueles que não conhecem a Verdade, para que eles mesmo a descubram.

3 - "Nos dias hoje este Cristo foi preterido em função de um Cristo delico-doce de olhos amendoados, muito simpatico que diz a cada pessoa "deixa-te estar que estás bem"
Nunca ouvi tal ideia, dentro da Igreja. Entendendo Igreja como todos os baptizados. É completamente contra a mensagem de Cristo.
Já ouvi por outro lado, dizer que o caminho é muito difícil de percorrer, que as exigências para ser cristão são muito grandes. Essa é uma "queixa" frequente.

4 - "A Caridade submete-se à verdade"
Eu uso com alguma frequência a expressão Caridade. Que é exactamente sinónima de Amor.
E o Amor não se submete à verdade, mas é a Verdade.
Só existe Amor na Verdade; só há Verdade dentro do Amor.

5 - "Dizia o Cardeal Ratzinger num encontro de Catequistas, que o Reino de Deus é sempre semente, e que somos neste mundo sinal de contradição."
Com muita razão, como quase sempre. Ao tentarmos viver neste mundo o Reino de Deus, estamos sempre no mundo e para além do mundo. Mas é esse sinal de contradição que é igualmente sinal de salvação.

João (JMA)

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Padre João luis Paixão (IP registado)
Data: 23 de May de 2004 00:52

Aí está João o problema, criamos uma Imagem de Jesus de acordo com os nossos critérios e desejos, com a tendencia para esquecer a outra parte. Deus não é caceteiro, mas também não é a sua antitese. Deus é Justo. E a Justiça verdadeira leva a que se insurja contra os desvios à Aliança. O Antigo Testamento está repleto disto mesmo, e o Deus do Antigo Testamento é o mesmo do Novo porque Cristo não veio para suprimir a Lei mas para a cumprir.
Não creio que as Obras de Misericórdia - que antes se ensinavam na catequese - tenhão sido retiradas do Catecismo. Para além de dar de comer a quem tem fome, visitar os presos etc, corrigir os que erram é uma obra de misericórdia. O que pode estar errado são as formas de correção, ninguem fala de cruzadas nem nada semelhante. Mas há que ser claro numa coisa, e nisso tem o Papa insistido muitas e muitas vezes, perante o relativismo cultural em que vivemos, ser-se cristão não é igual a ser-se muçulmano ou judeu, apesar de nestas religiões exitirem sementes de verdade e de bondade. Cristo é o unico salvador.
Eu sabia que o tema era polémico (hehhe) mas é uma questão crucial hoje no anuncio do Evangelho. Se acreditamos que basta ser bonzinho e não é necessário Cristo, se acreditamos que cada qual fique ateu, judeu etc, que eu não devo interferir, o Evangelho passa a ser anunciado apenas nas Igrejas e nada mais. É preciso levar Cristo para a rua.
Depois quanto mais leio os Evangelhos, mais me surpreendo com a pessoa de Cristo tal como ela é. Dizes que Cristo respondeu aos fariseus num dado contexto, correcto. Mas e hoje não haverão contextos em que Cristo responderia assim?
Faz-me bem ler os Evangelhos, fico sempre a descobrir algo de novo. Procuro sempre que não seja a minha ideia de Cristo que me leve a descobri-la no Evangelho, mas antes que o Evangelho me mostre Cristo tal qual Ele é.
Fico feliz pela nota de que te dizem que o caminho é dificil. Mas essa é a resposta de quem leva o discipulado a sério. Eu falo com muita gente, na rua, no café, na Igreja e quem anda por fora da Igreja, tem muito esta noção. Basta umas rezas em casa, uma velita em Fatima e já está.

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 23 de May de 2004 02:06

Caro P. João:

Registo uma leve mudança de tom da sua mudança, embora não tenha respondido aos vários itens que referi. Não faz mal. O problema está quando identificamos Cristo-Verdade com a ideia tradicional essencialista de verdade, que padece das mazelas que referi na minha mensagem e traz graves consequências pastorais e para a interpretação de vários textos, incluindo a Encíclica "O Esplendor da Verdade".

Não percebi até que ponto a minha suspeita tem fundo de verdade, mas o P. João parece recorrer a uma contraposição comum que Deus não é só amor e compreensão ("Olhar para cristo como um desculpa tudo e tudo aceita é um erro"), mas que também é justo, etc...

Não consegui perceber até que ponto subscreve tal contraposição comum e a verdade é que espero que a rejeite. Não se pode dizer "Deus é Amor mas é também Justiça", como se víssemos dois lados da mesma moeda, de sinal contrário, ou corrigindo-se mutuamente. Deus é Amor. Ponto. O Amor não é uma característica "mais" de Deus, uma espécie de predicado adicional, como são "predicados" de Deus ser infinito, eterno, justo, omnipotente, etc. Ao dizer que "Deus é Amor" falamos daquilo a que podemos chamar a essência de Deus. É o Amor que é justo, que é infinito, que é eterno, etc...

Sobre isto, aconselho (se me é permitido...) novamente François Varillon, que tem uns textos magníficos sobre isto, particularmente no livro Alegria de Crer e de Viver, logo nos primeiros capítulos. A Síntese da Fé Católica também trata do assunto, de leve.

Será isto um "adocicar" o Cristianismo? Não, de modo nenhum! É antes um prestar atenção ao próprio mecanismo que Deus escolheu para Se manifestar a nós. O amor começa quando me sinto amado. É na recepção do amor que eu me comprometo e me decido. Ou, no dizer de S. João, "Não fomos nós que amámos a Deus, mas Deus que nos amou primeiro". Reduzir a religião a um conjunto de normas e a um conjunto de "proposições de verdade" ou absolutas é uma visão muito limitada. O amor não é isso. Não podemos negar o lugar da afectividade, a relação com Deus engloba o homem todo. Levar a sério Deus como Amor compromete-nos a sério. Lidar com meros enunciados pode levar a um intelectualismo voluntarista. A relação com Deus não deve ser a relação com uma ideologia, mas uma relação de dois corações.

Às vezes suspeito que quem insiste num Cristianismo que se reduz a "proposições dogmáticas" nunca experimentou o Amor. Ou então tem tanto medo dele que prefere refugiar-se no legalismo dos "mínimos-que-não-me-incomodem-muito". O tal Cristianismo de que falava, de "umas rezas e já está".

A conversão passa também por cairmos dos nossos cavalos das seguranças racionalistas sobre Deus e nos deixarmos levar por um Deus que é Amor e que nos deixa desinstalados mas profundamente felizes. Temos é medo de arriscar!

Alef

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 23 de May de 2004 02:38

Errata:

Onde se lê: "Registo uma leve mudança de tom da sua mudança"
leia-se: "Registo uma leve mudança de tom da sua MENSAGEM".

Mea culpa...

Alef

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Taliban (IP registado)
Data: 23 de May de 2004 20:07

JMA:
Quero cumprimentar-te porque , neste forum, quem ler o que tu escreves reconhece em ti um cristão.
És sempre claro e profundo nas tuas intervenções e consegues manter uma postura que respeita a dignidade dos outrOs.
Obrigado.



"Aí está o problema, criamos uma Imagem de Jesus de acordo com os nossos critérios e desejos, com a tendência para esquecer a outra parte"
Não será esse o grande problema do João Luís?

Mais grave ainda, ele não só construiu uma ideia de Jesus de acordo com os seus critérios pessoais como considera que se deve impor essa Imagm aos outros...
Ele gosta do "Jesus caceteiro "... e afirma que é essa a imagem que a bíblia passa...

Mas em em todo o Evangelho, em todo, há apenas um único episódio, um único momento , em que jesus perdeu a paciência e reagiu com alguma violência - foi contra os que faziam negócio ( dinheirinho) com as coisas de Deus, precisamente os que vendiam animais para sacrificar nos templos e queriam comprar deus através de promessas e derramamento de sangue.

Este comércio da Fé , á custa de sangue e sacrifícios, foi a única coisa que indignou de tal maneira Jesus que o fez ter uma atitude temerária (e suicida, como se viu a seguir, porque afrontou o poder dos Sacerdotes, que é uma classe que nunca gostou de afrontas e o poder do dinheiro, )

Por isso tenho a certeza que Jesus não deve gostar nada de certos negócios da Fé que por aí andam ( basta ir a fátima, a lourdes, a santiago de compostela, á senhora da Aparecida, basta conhecer os negócios do banco do Vaticano, etc... ou dos que pregam sacrifícios e sangue para comprar Deus...ou um lugarzinho no céu)

O João Luís é partidário da lei da Moca... ( cuidado com as expressões , que a língua portuguesa é muito traiçoeira), mas a única lei que jesus crito deixou foi a Lei do Amor. Deixpo-vos um mandamento novo, disse Ele.

Ao contrário do que escreve o J.L, ser cristão, é antes de mais SER PESSOA, tORNAR-SE INTEGRALMENTE PESSOA. Sem alienações e com sentido reflexivo.
E isso pode ser feito mesmo não sendo formalemente católico, mesmo pertencendo a outra religião. ( Os cristãos anónimos)

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Padre João luis Paixão (IP registado)
Data: 23 de May de 2004 22:11

Aconselho vivamente a estudar Rahner em condições, porque se fala em abundancia em Cristãos Anónimos fora do contexto Rahneriano, desvirtuando o conceito. Saliento que o mesmo não foi bem recebido pelos vaários teologos e nem sequer é um termo comumente aceite. Rahner fala de Cristãos Anónimos no contexto do Sacrificio Redentor de Cristo na Cruz que redime todos os homens. Numa linguagem tomista, todos os homens estão em potencia redimidos, porque o unico sacrificio de Cristo todos salva, potencialmente todos estão abrangidos por esta redenção. Alguns aceitam Cristo nas suas vidas e actualizam esta redenção nas suas vidas. Outros não. Não aceitam, não conhecem, não querem saber. Mas são beneficiários da redenção porque ela é para todos - em linguagem Rahneriana são os Cristãos Anónimos. Anonimen que em Alemão significa sem nome. São Cristãos sem terem o nome de Cristãos.
Voltando ao tema do Alef, a questão fundamental do Cristianismo hoje e sempre radica na certeza de que Cristo é o unico salvador. Éssa é a Verdade. Todo o Novo Testamento radica nesta certeza. Ao falar de verdade, não estou a falar de verdades minhas, que são meras opiniões e quadros mentais por mim criados. A verdade é Cristo, como Ele nos ama, como Ele nos vê, como ele nos salva. A verdade é apenas Cristo. Mas Cristo todo. O Alef fala no adocicar o Cristianismo, a questão é que muita gente o que quer é uma religião light, à sua maneira, de acordo com os seus quadros mentais. Por isso a Igreja não interessa porque não é aquilo que eu gostaria que fosse.
A questão da verdade é fundamental para combater o relativismo cultural que herdamos do sec. XX. Cada qual tem as suas verdades, cada qual escolhe a Igreja que mais lhe agrada, o padre que mais lhe convém, a religião que mais se enquadra na minha maneira de ver o mundo etc. Tanto faz ser-se judeu como muçulmano - o que interessa é ser bonzinho.
E tudo isto está em perfeita oposição às verdades do Evangelho.
Não é por acaso, que a Enciclica "O Esplendor da Verdade" foi tão mal recebida, porque toca o cerne da questão. Principalmente porque entra nas questões morais e na relação verdade/moral.
Muita gente não gostou e continua a não gostar que se insista neste tema, porque devido aos respeitos humanos, anunciar o Evangelho, vamos com calma, porque cada qual tem a sua verdade.
Ao falar do Amor, como é obvio que o amor tem de ser justo, e a Justiça de Deus decorre da sua bondade, não há qualquer contraposição, talvez me tenha expressado mal.
Não esqueçamos que em Fatima Nossa Senhora disse aos pastorinhos, "Não ofendam mais a Deus que ja esta muito ofendido"."Quereis oferecer-vos como sacrificio pela conversão dos pecadores? Tendes muito que sofrer mas o meu Imaculado Coração será o vosso refugio". È interessante, porque foi afastado completamente da pregação a ofensa a Deus. Temos muito em conta as ofensas aos outros mas o ofender a Deus..... esta a desaparecer.
A minha preocupação é encontrar o equilibrio justo, entrar no mistério trinitário e compreender que só entendendo o Amor infinito de Deus se entende quanto sofre pelas nossas ofensas.
A minha questão funda-se essencialmente nisto, nem um Cristianismo Light , nem um Cristianismo Hard. Mas fiela à verdade que é Cristo.

Augusto
Não anda aí verdade nenhuma. Mentira e infedelidade. Fraqueza, fragilidade humana, somos vasos de barro que transportam um tesouro. O ministério é o tesouro porque é de Deus O vaso.......... Há que rezar pelos padres que pecam. Há que pedir a Deus por eles.

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Augusto (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 00:30

Prometo que vou investigar ou mandar investigar, depois lhe direi a verdade. Nem que me custe caro, mas...

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Padre João luis Paixão (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 00:34

Respondo o mesmo que respondi noutro topico.... menos que nos meter na vida dos outros há que rezar para que não caiam em tentação. Num forum onde é palavra corrente "quem entre de vos não tiver pecado que atire a primeira pedra (...) Nem Eu te condeno, vai e não voltes a pecar) parece um contrasenso.

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Augusto (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 01:14

Estes andam fartos de cair. Este tem alguns 30 anos de padre. Chegou ha coisa de meses a esta igreja/

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Taliban (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 01:18

parece que a versão hard está mais em voga aqui no forum,,,
e quanto a falta estudos teológicos....

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 05:03

Caro P. João:

Duas notas:

Estudei bastante a questão dos "cristãos anónimos" e não me parece que seja exactamente assim o cerne da questão, embora o seja por consequência. Uma das críticas comuns a Rahner é precisamente a de ter subvalorizado o mistério da Redenção em detrimento da Encarnação. Sobre este problema já escrevi algo, numa mensagem em que fazia uma espécie de introdução genérica a Rahner (sobretudo o ponto 2 da mensagem em questão).

O ponto de partida rahneriano é a perspectiva antropológico-transcendental (que em parte coincide com a perspectiva subscrita pela Ana "taliban" de que ser cristão consiste em desenvolver plenamente o ser pessoa) e a expressão "cristãos anónimos" só secundariamente foi usada para a questão das outras religiões.

O conceito (que tem antecedentes noutros autores) é primariamente usado por Rahner para os chamados ateus e não-crentes, o grande problema para Rahner. Posteriormente Rahner aplicou o conceito ao campo do pluralismo religioso (que é diferente de "diálogo inter-religioso"), originando um dos maiores mal-entendidos da teologia de Rahner.

A meu ver, na segunda acepção que lhe atribui Rahner, o conceito deve ser usado unicamente "ad intra", ou melhor, dentro da perspectiva do cristão que coloca o problema da salvação dos seguidores de outras religiões. Não funciona para o diálogo inter-religioso e tentar fazê-lo traz mais problemas que soluções. O âmbito da questão é prévio.

Quanto ao problema do relativismo vs. "Esplendor da verdade", reitero o que disse anteriormente: o grande problema é querermos identificar o conceito extra-bíblico de verdade (essencialista) como adequação como se ele se identificasse com a noção neotestamentária de a Verdade ser Jesus Cristo.

Alef

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 12:43

Taliban,

Obrigado pelo elogio, mas neste fórum, há muitos outros cristãos. Se considerarmos então os cristãos anónimos, teremos, estou certo, a totalidade.

Temos que entender e aceitar as diferenças e partir do princípio que qualquer um que se mantém a participar neste fórum tem interesse em dialogar.

E está interessado em aprofundar a sua Fé. E conhecer melhor Deus, consequentemente.

Os caminhos para lá chegar é que divergem e cada um segue o seu. Se alguém quer seguir um caminho mais afastado do essencial, o problema será só dele que irá viver "pedaços de inferno" na sua existência terrena.

Por exemplo, há os que vivem atormentados com imagens tenebrosas do inferno como um local físico para onde vão as almas (nem vale a pena explicar-lhes a contradição dos próprios termos deste entendimento); outros acham que é bom sofrer; outros que Deus é vingador e está lá em cima com uma lista de mercearia onde aponta os pecados numa mão e uma espada na outra para castigar.

Estes já vivem um inferno em vida, mas são escolhas...

Para outros Deus é "aquilo"que lhes convém: o inferno permanece numa vida sem sentido, sem valores, num vale tudo em que tudo é relativo e igual, não existindo verdade mas mero subjectivismo.

Construir uma estrutura dessas é um exercício de dissipação. Em que o inferno reside naquela centelha de "divino" que partilhamos e que nesse caso nos indica que há ali algo que não bate certo. E que inquieta quem age dessa forma e pensa.

Nós escolhemos o caminho e somos responsáveis pelas nossas escolhas. Mas se cá as fazemos, cá as pagamos...

Ser cristão é afirmar as nossas convicções dando espaço aos outros. Respeitando-os e acolhendo todos como nossos irmãos que o são. Mesmo se nos custa - e principalmente se nos custa - aceitar as razões que os outros nos apresentam.

João (JMA)

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Albino O M Soares (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 14:19

A caridade obedece à lei do tudo ou nada. A verdade vem em crescendo, mas é uma aquisição sem a qual o amor definha. Jesus diz a Pilatos: Eu vim para dar testemunho da Verdade. A Verdade e o Amor andam unidos. Por amor sejamos adeptos da verdade.
\O/
AOMSoares

Re: Caridade - Verdade
Escrito por: Padre João luis Paixão (IP registado)
Data: 24 de May de 2004 23:00

Alef... concordo com tudo.
Não desdiz nada do que afirmei.

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