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Fé e razão
Escrito por: ana (IP registado)
Data: 22 de March de 2004 01:11

Esta questão é especialemente dirigida ao alef.
Poderá haver compatibilidade entre Fé e Razão?

Alguns dizem que a Fé tem de ser baseada puramente nas emoções . Ora uma fé meramente emotiva não será uma fé infantil e imatura?

Como acreditar se a nossa capacidade lógica nos dá a lucidez de perceber as fragilidades e incongruências da religião como um sistema de ideias, valores e formas de controlo social?

Haverá espaço para o transcendente?
Recentemente alguém me contou uma história de um padre que num momento de profunda dúvida existencial pediu uma audiência ao papa. Consternado, fez-lhe a confissão que era também um pedido de ajuda - - Não creio em Deus...
E o papa respondeu.
- E depois? Finja, meu filho, finja...
( Esta é apenas uma história), mas o que é fascinante é que, a não ser para os fanáticos religiosos, e, repito, o fanatismo religiosos está quase sempre relacionado com ignorância e falta de cultura (religiosa, inclusivamente), as certezas sobre a fé vacilam e são taão frágeis que a religião só é usada em situações limite, como amuleto mágico para manter a esperança.

SEm lucidez não há escolhas conscientes. Portanto a lucidez e a dimensão intelectiva têm de estar plasmadas na Fé. Mas, se são inconciliáveis, como ultrapassar esta clivagem?

Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 22 de March de 2004 05:31

Ana:

Embora muito antigo e muito batido, este tópico é muito pertinente e ainda bastante actual. Rios de tinta e bibliotecas inteiras se ergueram sobre o tema. Basta "visitar" Santo Agostinho, Santo Anselmo, S. Tomás de Aquino e os famosos aforismos medievais: "credo ut intelligam" (creio para entender) e "intelligo ut credam" (entendo [racionalmente] para crer). Este é um dos grandes temas da filosofia medieval. Pode-se dizer que toda a história da relação entre a Teologia e os demais saberes se pode ler sob este prisma.

Comecei a ler há pouco um interessante livro que pode ser considerada uma versão contemporânea do debate do problema. Trata-se do Em que crê quem não crê?, que é o resultado de um debate em forma de cartas (em jornais) entre o Cardeal Martini e Umberto Eco. É uma publicação da Gráfica de Coimbra, de 2000 (à venda na “Cultura e Fé”, antigo CADC). Curiosamente, tivemos também um "remake" português, que já foi publicado há umas semanas: o debate entre o Cardeal D. José Policarpo e Eduardo Prado Coelho (que decorreu no «Diário de Notícias») foi publicado sob o título Diálogos sobre a Fé (Editorial Notícias, 2004) (ver mais informações em [www.webboom.pt]. Segundo li, o livro é precedido de um excelente prefácio de Eduardo Lourenço. O ideal seria lermos estes livros e comentarmos em diálogo, mas de momento estou com algum aperto e ainda não tenho acesso aos "Diálogos Sobre a Fé". Mas nada impede que pegues em ambos e outras pessoas se metam à mesma tarefa e surja daqui um bom debate. Quem dera!... Se o interesse for grande, acelerarei o acesso ao livro e trabalharemos sobre ele!

Entretanto espero ter algum tempo para "alinhavar" algumas ideias do que penso sobre o assunto. É uma enorme "selva". Por agora deixo algumas ideias ao correr das teclas.

Começo por dizer que tenho algumas reservas quanto ao uso do binómio fé-razão, porque eles denunciam uma certa antropologia e filosofia que me parece correr riscos de dualismo... Haveria que investigar os pressupostos filosóficos implícitos quando estabelecemos uma tensão entre os dois termos. Podemos usar os conceitos, mas com o alerta de que estamos trabalhando sobre pressupostos não “analisados”.

Fazendo uso da terminologia comum, para mim, é claro que fé e razão são compatíveis. Sendo dois aspectos da mesma existência humana, podem distinguir-se metodologicamente, mas não se podem cindir ou eliminar da vida humana, sob pena de nada perceber do ser humano.

Por um lado, não acredito que alguém possa “funcionar” apenas pela razão. A maior parte da nossa vida escapa a essa presumível pura racionalidade da vida. A nossa vida pauta-se muito mais por elementos de uma “fé” básica, quero dizer, de elementos de “confiança”, que a nossa razão não pode controlar em contínuo. Seria o suicídio ou o manicómio! Quando decidiste vir ao computador ler algo, verificar o que dizem no fórum ou enviar um e-mail, sentaste-te na cadeira, sem ter verificado se ela estava ou não armadilhada, se o chão que a suporta não era falso, se a almofada não escondia algum alfinete, se o teclado não estava transformado em detonador de uma bomba que faria explodir o écrán na tua cara, etc., etc., etc. Pensemos nas nossas relações sociais mais básicas. Quando entro num autocarro confio que os degraus funcionam, que o motorista não é um suicida, que não estará uma serpente venenosa algures por debaixo de um banco, não vou verificar se as bolachas que entretanto como não foram envenenadas, etc., etc... A nossa vida baseia-se, por assim dizer, em “actos de fé muito básicos”, mesmo quando pensamos “racionalmente”. E o mesmo se passa em actividades ditas “racionais” ou puramente racionais. Aderimos a ideologias políticas e defendemo-las com unhas e dentes com argumentos “racionais”, mas muitas vezes as nossas escolhas são bem mais “actos de fé” ou “emocionais” e só a justificação é “racional”. Mesmo no campo da filosofia e da teologia isso se passa. E de que maneira. O mesmo acontece na ciência (e na medicina). O próprio método científico é muito menos racional do que se pensa. Basta ler a obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas ou o demolidor Contra o Método de Feyerabend e muitos outros filósofos das ciências para se perceber isso. Curiosamente em Portugal há muita gente que ainda vive no mundo do neopositivismo, como o provam alguns artigos de “divulgação”...

Por outro lado, a fé baseada puramente nas emoções não é verdadeiramente fé cristã -- creio eu. S. Tomás de Aquino define a fé como um "assentimento de razão", expressão que põe de parte o fideísmo, que foi rejeitado como heresia no Concílio Vaticano I.

Em campo oposto está o puro racionalismo (que assume muitas formas), que reduz Deus a uma ideia (ou aos correlatos de "Grande Arquitecto", "Energia"...), que "retira" a Deus todo o aspecto pessoal, que é, afinal, o que caracteriza mais o Deus cristão.

Parece-me que a fé está algures "no meio", na "região da vida"... É uma expressão ambígua que agora invento que pode ajudar a explicar o que quero dizer. A fé está próxima daquilo que se passa com o amor. O amor não é pura emoção ou emotividade nem pura racionalidade, mas ambos estão lá. É por isso que mantenho algumas reservas em relação ao binómio que dá o título ao tópico, porque vejo sempre a ameaça ou o pressuposto de um dualismo tipicamente ocidental.

Parece-me que a fé deve ser lúcida e a escolha consciente, para usar a tua terminologia. Perguntas: «Ora uma fé meramente emotiva não será uma fé infantil e imatura?» Para mim é claro que sim. É sempre perigoso julgar a fé dos outros, mas parece-me que alguns dos problemas que apontamos frequentemente em certas manifestações “irracionais” de fé (promessas e por aí fora) denotam esse estado porventura infantil. Mas aqui seria preciso matizar muita coisa e tenho um “recado” na manga que espero explicar mais tarde, a propósito do que escreveste sobre Fátima... Mas fica para depois. Interessa aqui realçar que um cristão adulto de preocupações culturais médias não pode contentar-se com as “explicações” religiosas que satisfazem uma criança de sete anos. Cada etapa de fé tem os seus problemas, que devem ter o tratamento adequado. A esquizofrenia espiritual de uma razão adulta com uma fé de criança é das coisas mais perigosas que há. O fanatismo é a outra face da moeda: uma razão raquítica e uma pseudo-fé com uma moca na mão.

Embora eu não seja teólogo, gosto muito da teologia (sobretudo da Teologia Fundamental e Dogmática), porque a teologia é precisamente este esforço de encontrar “inteligibilidade” naquilo que aparentemente pertence à “nuvem do não-conhecimento”. Porque a fé não é irracional. Talvez seja trans-racional. Podemos dizer que a teologia não nos dá respostas racionais absolutas para os problemas meta-racionais, mas oferece-nos instrumentos para melhor os situarmos. Por isso, a filosofia é um instrumento fundamental na reflexão teológica. Assim, quando tratamos do mistério de Deus, a teologia não nos explica o como é Deus, mas oferece-nos algumas categorias para considerarmos tal mistério (por exemplo, pelo recurso à analogia), sobretudo para sabermos o que não é (teologia negativa). O conceito de Trindade, por exemplo, não nos explica por a+b o mistério do Deus cristão, mas aponta-nos elementos de consideração desse mistério.


Perguntas: «Como acreditar se a nossa capacidade lógica nos dá a lucidez de perceber as fragilidades e incongruências da religião como um sistema de ideias, valores e formas de controlo social?» Aqui se toca outro problema, que creio ser uma das tuas principais preocupações, pois já manifestaste esta ideia de muitas formas. Espero poder desenvolver este ponto mais tarde. Há muitos elementos a ter em conta.

Por um lado, a nossa vida toca de muitos modos a “necessidade” de um transcendente. Tocamos continuamente a pergunta pelo sentido da vida, experimentamos a morte e os nossos limites e a contínua ânsia de mais (que são dois elementos que nos apontam a um infinito de sentido e “sem limite”)... Por outro lado, o transcendente ou a Revelação só nos podem chegar por uma mediação humana e cultural! Este é um problema que me fascina: Deus manifesta-Se, mas ao manifestar-Se tem que o fazer em palavras que nós possamos entender, num tempo e espaço concretos! A fé cristã diz-nos que o Verbo (palavra) eterno (fora do espaço e do tempo) de Deus Se manifestou (encarnou!) em Jesus Cristo, um homem que viveu num espaço e num tempo concretos, logo, sujeito ao limitado de uma cultura! Uma cultura que tinha características concretas: patriarcal, com uma determinada história, costumes, língua, etc... Não nos percamos em demasiadas divagações, mas basta pensar que se Jesus tivesse uma cultura como a chinesa certamente não teria usado como elementos eucarísticos o pão e o vinho, mas talvez o chá e o arroz... Mas é um facto que usou o pão e o vinho. A grande pergunta é, então: como pode o absoluto, o intemporal, “caber” no relativo, no temporalmente limitado? Isto mostra aspectos riquíssimos do mistério da Encarnação, sem paralelo nas outras religiões! Outra pergunta: o que é absoluto e o que é relativo na Revelação? Todas as grandes questões de hoje, como o sacerdócio das mulheres ou questões relacionadas com os ritos vêm bater aqui.

Ora, aqui começam muitos problemas e algumas pistas. Um deles é a tentação céptica: se é assim, então porque dar crédito a uma religião “limitada”? A verdade é que não temos alternativa e o cepticismo é a pior das opções e nem é filosoficamente sustentável. Logo, não podemos fugir à “aposta”, para usar o termo de Blaise Pascal. Não apostar é já de si uma “aposta”, embora a pior de todas.

Ora, sendo externamente cultural, toda a religião traz consigo um problema típico das culturas: todas as culturas são contraditórias! De uma forma mais radical, podemos dizer que naquilo que afirmamos sobre Deus espreita sempre o perigo da idolatria, que é o querer aprisionar Deus nas nossas categorias mentais e culturais...

E aqui nos estenderíamos muito. Mais uma vez vejo como François Varillon acerta na “mouche” ao chamar a atenção para a necessidade de nos centramos no “essencial do essencial”. O Cristianismo oferece-nos um enorme instrumento contra a idolatria que é o discernimento e a analogia (por analogia entenda-se genericamente o modo de afirmar algo sobre Deus tendo a consciência de que quando afirmamos algo sobre Deus simultaneamente negamos a identidade da palavra; por exemplo, quando digo que Deus é Pai, tenho que dizer que é Pai, mas não exactamente Pai como os homens são pais...). E quando falamos dos atributos de Deus quase sempre nos limitamos a negar certas características humanas: é in-finito (=não finito), eterno (=não temporal), i-limitado, ab-soluto, etc.

Claro que ter consciência disto implica uma atitude que é de uma fé e de uma razão que se iluminam reciprocamente numa atitude de humildade. Não podemos abarcar Deus! Ser cristão é ter a coragem de viver o essencial do essencial com as inseguranças que isso implica. Discernir significa estar atento aos “sinais dos tempos” e à “voz do Espírito”, que “sopra onde quer”. O Cristianismo não é uma religião de respostas feitas, nem de seguranças fáceis. A menos que se queira viver no pachorrento “così fan tutte” ou no cinismo paralizante. Os fundamentalismos são sempre a recusa de viver o desafio do discernimento. São mostras também de grandes inseguranças.

Ora, a fé é, paradoxalmente, o elemento da suma fragilidade humana e também da máxima autodeterminação. Fragilidade, porque nos lançamos para algo que não vemos na totalidade; máxima autodeterminação, porque é o onde nos lançamos para além de nós mesmos e dos nossos limites (transcendemo-nos) e jogamos toda a vida.

Por isso, é importante dizer que ter fé não é o mesmo que não ter dúvidas. Podemos ter muitas dúvidas e simultaneamente ter muita fé...

É muito mais o que fica por dizer, mas pode ser que não esteja a responder à questão. Venham daí as primeiras reacções.

Alef

Re: Fé e razão
Escrito por: Maria Fernanda (IP registado)
Data: 25 de March de 2004 13:15

Pois é! Já li o seu texto imensas vezes, Alef. Até o copiei em suporte de papel para poder reler. E desde então que tenho vindo até aqui para dizer alguma coisa e acabo por desistir e deitar tudo fora.

É que é mesmo essa a ideia. Não mais voltar a escrever... Até tenho pensado por que raça de vida me havia de ter dado fazê-lo.

E resolvi ser honesta. Comigo mesma e convosco. Mas, apesar de tudo, valha-me Deus, creio que há menos humildade, mais hábito adquirido e também, têm de aceitar que sou capaz disso, uma educação de base que me faz mesmo assim. Não desaparecer, sem mais nem mesmo, face a um grupo de pessoas que se me revelaram de extrema gentileza, sobretudo sendo pessoas com muitas qualidades. E conhecimentos.

Vim aqui e mal lera os comentários. Creio que precisamente aqueles que poderiam rir-se não o farão... Porque, na verdade, limitei-me a ver os tópicos; num escrevi um texto que já escrevera há muito e que já me fora elogiado... Noutro escrevi no momento, só para me pronunciar sobre um tema cujo extremismo de opinião de parte a parte me tem enervado.

Ah! Mas em ambos eu considerava que «estes católicos», por certo iguais aos inúmeros «crentes» com que tenho deparado, iriam verificar que se pode ser boa pessoa e preocuparmo-nos com os valores espirituais sem sermos fingidos e andarmos a pregar o tal «faz como digo e não como eu faço».

Bom, a reacção à minha intromissão deixou-me um tanto admirada... E, de repente, comecei a falar de mim... E foi um caso sério este embrulhar-me emotivamente porque a reacção tornou-se mesmo ressonância, partilha até. Procurei recuar um pouco; não quereria desnudar-me assim. Claro que esta coisa do virtual nos faz ir ainda mais longe neste esquecer a racionalidade, Alef. Porque é contigo, sobretudo que estou a falar.

E é por causa do teu texto. Vou guardá-lo; vai servir-me de leitura mais vezes...
Mas, por ora vou fugir. Orgulho insensato, não é? Mas... tudo o que ali dizes é mesmo e está dito de uma forma maravilhosamente simples e, simultaneamente, profunda... De repente pensei-me a não querer ir na onda, a preferir deixar-me neste permanecer tal como sou. Desculpa, mas sei que não estou preparada para essa Fé que dizes... posso invejar-te? E não quero, não posso pensar-me (se calhar, também pensarem-me... e isso é mau, eu sei) a ir a correr atrás de um caminho como se à procura de uma salvação, estilo chantagem, preparadinha para quando a morte vier.

Vamos ver se desta vez envio mesmo, à laia de uma despedida....

E também porque quero dizer que foi bom ter passado por aqui, mas que sou demasiado, demasiado... acho que entendes; eu não consigo dizer exactamente. Não me considero peneirenta, a sério, muito menos soberba, não! Também acho que sei o que valho, com verdadeira consciência de que valho menos, mais e igual a muitos... humilde é que não, raça de vida! Detesto! Tenho visto tanta gente a ser humilhada sem poder gritar a revolta dessa humilhação não merecida.

Estou mesmo a fugir, é isso. Será cobardia?

Bem haja pelo que escreveu, Alef . Eu que pensava que tinha o espírito aberto à mudança... mas... sou assim mesmo. Com o terrível desplante de pensar que, se calhar, Deus também tem de me suportar assim como sou, acusando-O de alguma distracção, perante um mundo de infâmias que vamos lendo e ouvindo, às vezes até, vendo. E não quero suportar mais ainda estas angústias todas.

Porque ainda ouço que ter Fé é aceitar o sacrifício e isso eu não quero; sacrificar-me tem de ser um acto voluntário e singular, mesmo que repetido até à exaustão as vezes que o quisermos, para poder ser acto de amor e não de sofrimento. A vida em Cristo, como vocês dizem, como vida de sofrimento, sacrifício, não quero.

Sempre vou enviar tal e qual como saiu. Parece-me que te tratei ora por tu, ora por você, Alef. Deixo ficar pois, provavelmente é também reflexo do estado de espírito e eu até gostaria de ser compreendida e não repudiada...

Vamos ver se não vou enviar texto desobedecendo às normas que o Luís disse e com que concordei. E, Luis, se me leres, a minha filha já lá tem a Bíblia (achou graça, a patifazinha....) para me dar no dia 27, quando lá formos passar o dia em casa dela.

Bem haja a todos que se me dirigiram
Maria Fernanda


Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 00:58

Ana Almeida:

É curioso que tenhas lançado este tópico, com uma interpelação pessoal a mim. Fiz questão de dedicar à questão algum tempo e energias... Entretanto, desdobras-te em "tias" e parece que o tópico que tanto te interessava perdeu todo o interesse...

Há coisas assim...

Alef

Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 01:39

Cara Maria Fernanda:

Agradeço as palavras amáveis. Confesso que "perdi um pouco o fio à meada", pelo que provavelmente não me inteirei de todo o alcance das tuas palavras. E isto por uma razão simples: notei que começou a escrever algumas mensagens de tom bastante pessoal, mas por essa altura eu andava bastante ocupado com questões pontuais por cá. Peço desculpa pela desatenção, mas a certa altura percebi que tinha perdido algo importante, mas tinha comentários a escrever, o centro de atenção estava noutros lados... E voltar atrás neste momento significaria adiar por mais tempo a minha resposta e parece-me que devo dar sinal de que li esta última mensagem, que me foi dirigida. Não queria deixar de comentar muito brevemente dois extractos do que escreveu.

Escreveste: «Desculpa, mas sei que não estou preparada para essa Fé que dizes... [...] E não quero, não posso pensar-me [...] a ir a correr atrás de um caminho como se à procura de uma salvação, estilo chantagem, preparadinha para quando a morte vier.»

Comento: De uma forma ou de outra, cada fala da fé a partir da sua experiência, mas não há duas experiências iguais. Da mesma forma, parece-me que não tem que haver uma forma única de falar da fé. A fé, como o amor, é vivida de uma forma muito pessoal e a sua expressão também é pessoal, a menos que se recorra a frases feitas ou estereótipos dos que se vêem nos livros. Mas, mesmo aí, por semelhança ou contraste, acabamos por sublinhar aquilo que vai mais de encontro à nossa experiência.

Isto significa que a minha formulação, por muito "feliz" que possa ser, não tem que corresponder ao modo como tu "tens que" viver a fé. Um dos piores inimigos do crescimento da vida espiritual é querermos "importar" modelos que achamos que são bons, mas que, de facto, não se ajustam ao nosso modo de viver. É o perigo de algumas "imitações dos santos". A bíblia diz-nos que Deus conhece-nos a cada um pelo seu nome e isso é grandioso. Eu não tenho que viver a fé da mesma forma que o santo A ou B, mas tenho que a viver da forma que me inspira a resposta generosa ao dom recebido. Diz S. João que "Ele nos amou primeiro" e aqui reside o núcleo da vida cristã: não somos nós que "inventamos" uma fé para "crer" ou "amar a Deus". A fé é essencialmente uma resposta reconhecida ao amor recebido. Se não tivermos a experiência de sermos amados nunca amaremos. Se não tivermos a "percepção" de sermos amados por Deus nunca amaremos a Deus, por muita teologia que saibamos ou muitas "rezas" que façamos...

E de novo, a ameaça de me estender por este tema, que muito estimo. Adiante...


Dizes ainda: «Porque ainda ouço que ter Fé é aceitar o sacrifício e isso eu não quero; sacrificar-me tem de ser um acto voluntário e singular, mesmo que repetido até à exaustão as vezes que o quisermos, para poder ser acto de amor e não de sofrimento. A vida em Cristo, como vocês dizem, como vida de sofrimento, sacrifício, não quero.»

Comento: Suspeito que entendas "sacrifício" como sinónimo de "fazer o que custa". Ora, não é esse o sentido primigénio da palavra e a fé não é primariamente isso. "Sacrifício" vem do latim "sacrum + facere" (=fazer sagrado), é uma acção santa. Sim, tem que ser um "acto voluntário e singular", como dizes, e a Bíblia também nos diz isso. A meu ver, sacrifício é outra palavra para o AMOR. Este é que é o centro. É a grande acção sagrada. Porque sem amor não há acção sagrada, mas ritualismo, rotina ou maquinalismo (fazer porque é costume, porque está mandado, etc). Ora, o amor vence todas estas acções não sagradas. Ninguém pode obrigar ninguém a amar e amar é realmente uma acção sagrada, porque nela saímos de nós mesmos e quando amamos mostramos realmente que acreditamos em Deus (=fé). Aqui podia citar-te muitos textos do Novo Testamento, mas sugiro-te que leias com calma o capítulo 15 do Evangelho de S. João e a Primeira Carta de S. João.

Desta forma, se faz luz também sobre a última frase do teu texto citado: vida em Cristo, como vocês dizem, como vida de sofrimento, sacrifício, não quero». A vida em Cristo não é vida de sofrimento, como se o sofrimento fosse um bem em si mesmo. Deus não é sádico nem nos quer masoquistas. A vida em Cristo é a assunção do Seu próprio estilo ("Cristo vive em mim", dizia S. Paulo), é amar. Mas não, não se trata de uma visão romântica do Cristo "porreirinho". É que o amor pode comportar (e normalmente comporta) sofrimento. Cristo amou sempre, até às últimas consequências e por isso sofreu. O sofrimento e a cruz de Jesus são salvíficos porque são resultado do amor. Não avaliemos a nossa vida ou a dos outros pelo sofrimento, mas pela "qualidade" desse sofrimento, isto é, pelo amor.

Imagino que muitas questões tenham ficado sem resposta e que este texto tenha suscitado outras questões. Se não as quiseres tratar no fórum, podes usar o e-mail e terei todo o gosto em continuar o diálogo.

Alef

Re: Fé e razão
Escrito por: Maria Fernanda (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 02:04

Afinal, pedira compreensão e não repúdio... Parece que é incompatível com a espera, a fuga por uma não preparação, por uma longa vivência de sentido do dever cumprido apesar de fora da Igreja, por uma dificuldade de cumprir sacramentos sem os sentir com toda a força da minha consciência, por uma forma de orgulho que me impele a temer que eu própria e os outros pensem que «a fé (...) a religião só é usada em situações limite, como amuleto mágico para manter a esperança.»

É claro que, no dia em que eu não tivesse dúvidas, que me importariam os pensamentos dos outros... até porque o amor que os meus me retribuem é amor confiança e liberdade pessoal... desses, sei eu, nunca existirá a incompreensão e sim a aceitação sem questionar.

E depois do que escrevi, resta-me este desconsolo de nem sequer ter conseguido fazer-me compreender, nas tréguas necessárias...

Então, achas mesmo que a tua dedicação, tempo e energias foram um desperdício porque só tocaram alguém que ainda não está preparado mas continua à espera e a tentar... no silêncio do seu espírito, a sós consigo mesma e, apesar de tudo, garantindo a renovada e constante leitura do teu texto, provavelmente de outros? E que sabes tu dos mais que te leram, como eu, e não deram o seu testemunho dessa leitura?


Por mim, nunca me comprometo seja com o que for, só por o fazer; em tudo o que adiro entrego-me totalmente ou não assumo. E não contesto o que não tem contestação, no meu ponto de vista. Nem sequer compreendeste que foi isso que me assustou!

Pensei que o filho pródigo era uma parábola significativa... Só que eu ainda não atingi o momento do regresso; nem sei se atingirei, claro. Serei, então, repudiada por isso? Ah! Aí vence o lado do orgulho e não da humildade, de certeza. Costumo pensar que é triste os tantos que perdemos, mas que só a esperança de um é já uma conquiste tão grande...

Vim só para saber a reacção. Soube-a, portanto!

Foi melhor assim; se me chamassem, continuaria a fugir no medo de regressar. A fuga mantem-se; perdeu-se o receio.

Há, realmente, coisas assim... E há pessoas simples, complicadas e as que não merecem a pena, não é? Vou reequilibrar a minha auto-estima. se me deres licença.


Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 02:15

Bom, Maria Fernanda, desta vez é parece que não compreendi mesmo. Se atirei para o escuro, peço desculpa e tentarei mais prudência.

Alef

Re: Fé e razão
Escrito por: Maria Fernanda (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 02:41

Alef
Eu só vi aquele teu curto comentário, logo a seguir ao meu texto; não percebo como foi, até porque a hora do meu é mais tardia... Tenho, todavia, de escrever já este de seguida, só para dizer que, perante o que me dizes, deixa de ter sentido a resposta que usei em face das palavras que escreveste à Ana. E que reflecte o que me ía na alma, de certeza.

Ainda não li muito bem tudo o que vem no que me diriges, mas, afinal, não mereces o que escrevi. Desculpa.

Não ligues pois ao que disse, mas permite-me que leia mais demoradamente tudo o que escreves e também o que me aconselhas a ler... sim? Eu hei-de responder, mais tarde ou mais cedo, seja com que disposição de espírito estiver, desde que me apeteça mesmo responder. Não o quero fazer só por fazer, em nome de um compromisso de delicadeza. Esperas, não esperas? E usarei, de acordo com o meu estado de espírito, o local de destino que me deste a escolher.

Mas... por favor, compreende toda esta minha hesitação, toda esta minha relutância, sim... E eu, mesmo que te pareça que escrevo coisas que estão em livros... nunca o faço parafraseando; quando muito ficaram-me de leituras, mais ou menos antigas, e acabarm por tornar-se minhas ao intui-las e a elas aderir. Quando escrevo é mesmo sobre o que sinto, o que penso, o que acho. Claro que o que pensamos, sentimos e achamos é sempre o produto de tudo o que vamos ouvindo e lendo, não é? Seja pela recusa seja pela aceitação.
Bem hajas
Maria Fernanda

Percebes isto, não percebes? Vai assim um tanto à toa, não é? É que fiquei um tanto atrapalhada com este meu mau feitio de ficar fula com o que escreveste à Ana, pensando que indirectamente estavas a pensar no meu texto...


Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 02:48

Ok, Maria Fernanda, "no problem".

Alef

Re: Fé e razão
Escrito por: Ana (IP registado)
Data: 27 de March de 2004 15:27

Piece! Piece! :)

Re: Fé e razão
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 29 de March de 2004 23:33

A Fé e Razão implicam-se mutuamente. Não possível ter Fé sem a fazer passar pelo crivo da razão. Ficaríamos num fideísmo estéril, sem sentido, acerebrado. "É assim, porque é assim, e não se discute"

Por outro lado, não é possível explicar a Fé exclusivamente pela Razão: não se trata de uma ciência demonstrável no laboratório.

Mas a Fé é essencialmente racional: acreditamos naquilo que faz sentido. Acreditamos naquilo que a nossa razão nos apresenta como bom, naquilo que os nossos sentidos nos apresentam como real.

Quando nos questionamos sobre a nossa própria existência acabamos por concluir que a lógica, a razão nos impelem num sentido: as palavras e a vida de uma personagem histórica que viveu há 2000 anos, numa sociedade determinada do Médio Oriente, e que hoje numa cultura citadina europeia continuam a fazer sentido.

Aliás, são as únicas que fazem sentido. Sobretudo se as passarmos pelo crivo da razão.

João (JMA)

Re: Fé e razão
Escrito por: VM (IP registado)
Data: 30 de March de 2004 10:13

Maria Fernanda:

Posso recomendar-te a leitura de "Regresso a Casa" da Susana Tamaro?
Parece-me que as duas têm uma sensibilidade muito semelhante. Eu pessoalmente achei curiosa esta coincidência de estilos nalgumas interrogações e afirmações de ambas.

Abraço Fraterno.

Re: Fé e razão
Escrito por: Maria Fernanda (IP registado)
Data: 30 de March de 2004 19:36

VM

Podes, sim e vou fazê-lo. Primeiro comprar, claro.

Bem hajas

Maria Fernanda


Re: Fé e razão
Escrito por: Inês (IP registado)
Data: 31 de March de 2004 18:36

Assim que me deparei com este tópico, lembrei-me de uma conversa cibernética que tive com um amigo meu em plena crise de fé, nomeadamente à volta de conciliar Fé e razão, e dessa tal "lucidez" de que a Ana fala, e que por vezes parece tornar impossível um contexto de Fé.
Ainda tenho muito que pensar, e gostava de reler tudo o que já aqui foi dito acerca do tema, principalmente pelo Alef, antes de me alongar mais, mas para já aqui fica a resposta que dei ao meu amigo. Foram as palavras que me saíram na altura, assim sem grande tempo para pensar no que estava a dizer (por isso desculpem se parecer incongruente ou confuso).

****
“Acho que a grande questão mesmo é questionar ou não questionar, se calhar a felicidade baseia-se nisso”

Sem verdade, nunca te vais deixar de questionar, e nós não temos a verdade.
Eu só te posso responder por mim… vou sempre questionar-me, sempre. É isso que faz de mim quem sou, é-me inato, define-me não só enquanto Inês que está aqui a dar a sua opinião (embora também assim, e de uma maneira muito especial) mas enquanto ser humano.
Tendo em conta isto, não posso deixar de formar ou pelo menos procurar uma posição - nem eu, nem tu nem ninguém.
Aqui mais uma vez só te posso falar por mim: tenho fé. É mais forte que eu (mas é também uma escolha minha, perfeitamente livre). Dá sentido a toda a existência, responde a todas as perguntas, guia (mas dá liberdade!!) a todas as minhas acções. E sim, sou feliz. Mesmo com todas as infelicidades, sou feliz sim senhor.
....Se não há um “bichinho” que rói, a tentar-me para ver se esta felicidade e as premissas em que assenta se mantêm para lá do sistema que tenho (o da fé), se se mantêm na lucidez? Há pois…Já lhe dei ouvidos, já vi como ficam as coisas “lá fora”. (De certo modo, continuo a dar-lhe um pouco de ouvidos todos e cada dia…). “Lá fora”, posso dizer-te que as coisas ficam feias, que fica um mundo perfeitamente perdido de qualquer contexto, significado, valor.
Posso também dizer-te que de todos os outros "contextos" que possa ter experimentado, o da fé é o mais completo de TODOS. Se calhar vês o escolher sequer um contexto como cobardia, como má-fé e tentar evitar a lucidez… Sinceramente, já passei pela falta de contexto e posso-te dizer que não há nela lucidez nenhuma. Não há lucidez, não há coerência, não há “eficácia [de vida]", como tu dizes.
…Então escolho ter fé porque é uma solução mais fácil que viver sem contexto? Fujo da tal "lucidez"?
…Aí só posso responder uma resposta de fé…

Responder que escolhi assim não porque ache que a fé é um "contexto" (uma resposta facilitista mas mais confortável que a desesperada mas "oh-tão-valorosa!” lucidez, no fundo), mas sim porque acho que é a Verdade e a Vida.

****

Ficam para depois o resto das considerações. (Este tema sempre me deu trabalho, tenho sempre a mania de achar que a Fé traz "armadilhas" e tento impôr o crivo da razão só por si, sem me lembrar que se Fé sem razão é "perigosa", razão sem Fé também pouco de bom traz...)

IC

Re: Fé e razão
Escrito por: Inês (IP registado)
Data: 31 de March de 2004 18:49

Ah, já agora, conhecem a história do funil?
Um amigo meu uma vez disse-me que a Fé e a razão são como um funil através do qual passamos todas os nossos pensamentos, sentimentos, experiências, etc.
Ambas as bocas do funil têm um filtro; a boca mais pequena é a da razão, a mais larga é a da Fé. São inseparáveis, onde está uma está a outra, e só assim está correcto; efectivamente, precisamos das duas. Mas, se pusermos a Fé em cima, estamos abertos a tudo, não deixamos nada de fora. É claro que assim entra muita "treta", mas depois podemos contar com o "filtro" da razão para coar tudo o que recebemos, para só ficarmos com o bom. Pôr o filtro da razão em cima é excluir tanta coisa à partida, deixar tanto de fora...

Esta conversa acerca do funil deu-me uma boa ajuda quando andava meio "obcecada" com a tal lucidez de que falei na minha primeira resposta.
(Tal como Santo Agostinho: "crer para compreender")

Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 18 de April de 2004 14:43

Um bom artigo, que vem bem a propósito do tema deste tópico.
Alef

Eu Cá Sou como S. Tomé


1. S. Tomé é um dos santos mais famosos da Igreja e o único que é invocado por causa da sua "incredulidade". Este II Domingo da Páscoa está marcado pela dramatização do IV Evangelho.

Conta S. João (20,19-31) que numa tarde de domingo - no "primeiro dia da semana" -, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, colocou-se no meio deles e disse-lhes: "A paz esteja convosco."

Dito isto, Jesus passou a uma exibição inesperada: "mostrou-lhes as mãos e o lado", isto é, as marcas de um corpo crucificado num corpo "imaterial": para ele não há portas.

A enorme alegria de terem visto o Senhor dispôs os discípulos a receber, de forma rápida e insólita, a missão que o próprio Cristo recebera de Deus. Soprou sobre eles e disse-lhes: "Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes, os pecados ser-lhes-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes, serão retidos."

Este final ainda hoje divide protestantes e católicos.

2. Tomé ou S. Tomé, chamado Dídimo, um dos doze Apóstolos, não estava presente quando tudo isto aconteceu. Os discípulos disseram-lhe: "Vimos o Senhor."

Ele não se deixou impressionar. O testemunho dos outros não venceu o seu cepticismo: "Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei."

Será que Tomé desejava combater as alucinações recorrendo às exigências do método experimental?

Eu não iria tão longe. De qualquer modo, ficou cunhada uma fórmula eficaz sobretudo para uso daqueles que nunca abriram o Quarto Evangelho: "Eu cá sou como S. Tomé; só acredito depois de ter visto."

Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, assentou-se no meio deles e disse: "A Paz esteja convosco." E dirigiu-se a Tomé: "Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente."

Tomé respondeu-lhe: "Meu senhor e meu Deus!"

Disse-lhe Jesus: "Porque me viste, acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto."

Será que Tomé se rendeu antes do combate e que Jesus tomou o partido do obscurantismo?

3. Vamos por partes. As narrativas e fórmulas do Novo Testamento que proclamam a ressurreição de Cristo são de uma impressionante variedade. Nunca pretendem descrever o acto nem mostrar o processo da ressurreição de Cristo. São afirmações situadas na história acerca de uma realidade que está para além das possibilidades do conhecimento histórico.

A crucifixão, pelo contrário, poderia ter sido fotografada, gravada e filmada, se, na altura, existissem os meios técnicos de que dispomos hoje. A morte é a fronteira de qualquer afirmação histórica.

Quando os cristãos confessam que Cristo está vivo - "estive morto, mas eis-me vivo pelos séculos dos séculos" - não proclamam apenas que a morte não é o nosso último destino. Acreditam que a vida eterna, como fruto do Espírito de Cristo, começa já neste mundo.

Mas ao contrário do que uma leitura apressada ou apologética das narrativas da ressurreição pode fazer supor, o acesso à fé em Cristo ressuscitado foi um pedregoso caminho.

Havia uma dificuldade intransponível. No contexto do judaísmo de há dois mil anos, era inimaginável que Deus tivesse ressuscitado um miserável crucificado, condenado como inimigo de Deus e do seu povo.

Quando as mulheres começaram a assustar os homens com esse rumor, a reacção não se fez esperar: estão doidas!

4. Voltemos então à aventura de S. Tomé deixada em suspenso. João, no capítulo 20 do seu Evangelho, apresenta vários itinerários da fé: o de Maria Madalena, o do discípulo amado, o de Pedro, o dos discípulos em geral e, finalmente, o mais enigmático de todos, o do céptico S. Tomé. Ele concentra, de forma simbólica, as "dificuldade de crer", tanto das primeiras gerações cristãs como dos crentes de todos os tempos, lugares e culturas.

Nós precisamos do testemunho que recebemos, das visões e convicções dos outros crentes. Mas eles não existem para substituir as nossas dúvidas, perplexidades e interrogações. Cada um tem de percorrer o seu próprio caminho. Pensar, por outro lado, que tudo se poderia resolver com provas e manifestações irrecusáveis do divino é tentar um salto mortal do cepticismo para o delírio.

S. Tomé passou por várias fases até chegar à evidência interior que o conduziu à conversão, e ao mais comovente e sublime reconhecimento de Cristo que existe no Evangelho de S. João: "Meu Senhor e meu Deus."

E quando Jesus acrescenta: "Felizes os que acreditam sem terem visto", não está a fazer a apologia de um crença cega.

Denuncia apenas a febre de visões que afastam as pessoas religiosas do seu mundo interior, onde se operam as radicais mudanças da vida pelo sopro do Espírito.

Por FREI BENTO DOMINGUES, O.P.
«Público», Domingo, 18 de Abril de 2004
[jornal.publico.pt]

Re: Fé e razão
Escrito por: taliban (IP registado)
Data: 19 de April de 2004 00:07

ser como s.tomé pode ser uma benção

Re: Fé e razão
Escrito por: Andréia (IP registado)
Data: 22 de April de 2004 19:13

A fé não deve ser emotivia. Deve ter fundamento no Conhecimento. A própria Palavra diz: "como terão fé, se não há quem ensine?"; "A fé vem pelo ouvir e o ouvir a Palavra de Deus"; "O meu povo pereceu porque lhes faltou conhecimento"; "Renovai-vos pela renovação do vosso conhecimento".

São várias as passagens que dizem que precisamos nos encher da Palavra, que é alimento para nossa fé. Acontece, que a fé, também é crer naquilo que não se tem provas científicas, que não pode ser provado pela razão humana. Aí as coisas se confundem, pois aqueles que se recusam a crer em algo que não se vê, e não se pode tocar, ou provar, rejeitarão a verdade da Palavra. "bem aventurados aqueles que creram, mas não viram", Jesus estava falando de nós.

Ao dizer que a Bíblia não é para ser lida literalmente, assim como diz a Teologia Liberal, caímos em um profundo engano, nos contaminando com filosofias de homem. Para eles é melhor quer que o homem veio do macaco (coisa que nunca foi provada cientificamente) do que crer que Deus fez Adao e Eva. Para eles é preferível crer que o universo foi feito de um big-ban (sei lá como escreve) do que Deus ter criado o atomo, a molécula e ter feito juntado todas elas como Ele bem quis, durante um processo que só Ele sabe dizer como foi.

Tudo isso acontece porque as mentes estão contaminadas com filosofias humanas. Mas se nós buscássemos renovar nosso entendimento, abrir nossos corações para ouvir o que Deus fala através de Sua Palavra, as coisas poderiam ser bem mais fáceis de serem compreendidas.

Deus abençoe a todos.
Andréia.

Re: Fé e razão
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 22 de April de 2004 22:44

Mais uma vez, Andréia, vives no meio dos teus "demónios", que não passam de fantasmas criados por ti e pelos do teu grupo... Calma, não é preciso ser contra a ciência para se poder crer!... Ninguém afirma que o homem veio do macaco e a teoria da evolução das espécies, purificada do seu materialismo inicial, não se opõe à verdade bíblica de que o homem foi e é criado por Deus...

Relaxa um pouco, os fantasmas não têm dentes! ;-)

Alef

Re: Fé e razão
Escrito por: paula (IP registado)
Data: 23 de April de 2004 16:30

mas ó andreia, tu própria já aqui escreveste que a bíblia não deve ser lida lietralmEnte MAS DEVE SER INTERPRTETADA..Serás uma liberal?


ou ACHAS QUE SE DEVE
LAPIDAR AS MULHERES ADÚLTERAS
ARRANCAR OS ALHOS E AS MÃOS DOSA QUE PECAREM,

E MAIS UMA SÉRIE DE PARVOÍCES E BARBARIDADES QUE ESTÃO ESCRITAS NA BÍBLIA?

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