Li o livro colocado on-line e a minha apreciação global é bastante positiva. Talvez a partir daqui nos entusiasmemos um pouco em falar de coisas sérias ;o)
Naturalmente, há alguns matizes mais caros a uns ou a outros.
Uma das dificuldades deste texto vem da sua «facilidade»: é um livro muito breve, pelo que fica muito por dizer. Aproveito para chamar a atenção para alguns pontos que considero importantes, mesmo que «ao correr das teclas».
1. O comentário da Maria José faz-me pensar que muitas vezes a literatura deste tipo é vista com grande desconfiança por muitos cristãos. Ou porque conhecem apenas «um modelo» ou porque temem levar «gato por lebre» ou serem enganados para algo que não é genuíno. A sua preocupação de que isto não seja propriamente oração cristã ilustra bem o problema.
2. É verdade que no campo da espiritualidade em geral e das «ajudas para a oração» em particular há «muita coisa», nem sempre genuína. Há que ter prudência, mas que isso não signifique não ousar conhecer algo mais da nossa própria Tradição… Colocando um exemplo extremo, se eu considerar que a única forma válida de oração cristã é o terço, ao rezá-lo faço bem, mas se pretender que os outros cumpram a mesma regra talvez esteja a fechar-me a formas de oração riquíssimas devidamente valorizadas pela Tradição e a impedir que outros conheçam a fundo esses tesouros.
3. Ao contrário do que alguns pensam, a Tradição da Igreja é muito vasta e bastante plural no que diz respeito à espiritualidade. Neste aspecto, o que fez John Main e muitos outros foi «resgatar» alguns de entre tantos outros elementos «meio esquecidos» mas genuinamente cristãos.
4. Neste texto expõe-se grosso modo um método de oração. Há muitos outros. «Método» significa «caminho». É importante saber que o «método» não é tudo, muito embora nos ajude e devamos seguir algum. Este, em concreto, tem vários pontos de contacto com a «oração de Jesus», a que aludi no tópico
livro «“Relatos de um Peregrino Russo”» e a “Oração de Jesus”», sendo que no caso da «Meditação Cristã» pela «mão» de John Main se realçam algumas «técnicas»…
5. Ao ler livros como este de Laurence Freeman pode haver um risco, numa leitura superficial: o de nos fixarmos nas «técnicas», ficando-se com a impressão de que a oração e o que se consegue com ela é resultado «devido» de um certo conjunto de técnicas, uma espécie de caminho seguro e rápido de ter o sagrado nas mãos e usufruir dele, com paz, quietude, etc… O risco é, em primeiro lugar, repito, do leitor apressado e não tanto da intenção de quem escreve, que, se prestarmos atenção, veremos que diz coisas completamente diferentes e até em sentido oposto. De qualquer forma, a tentação utilitarista está sempre à espreita… E se tivermos um «deus» que nos faça umas massagens grátis, ficamos mais «crentes» (carentes)…
6. Ora bem, a oração não é uma mera questão de técnicas, mas é importante dispor-se convenientemente para que a oração seja verdadeira e melhor vivida. E nisto as «técnicas» podem ajudar. Mas uma coisa é que sejam ajudas, outra é que confundamos a oração com as técnicas… Entre as «técnicas» ou modos de nos predispormos melhor para a oração há alguns elementos fundamentais. Um deles está devidamente sublinhado: o silêncio. Várias coisas podem ajudar ao silêncio: o espaço para a oração, a posição do corpo, luz, ruídos exteriores… O silêncio mais difícil e determinante é o silêncio interior. Sobre a posição do corpo, de facto uma das coisas mais importantes é a respiração: costas bem direitas! O corpo também reza. Mas, de novo, que não nos fixemos exclusivamente nas «técnicas», da mesma forma que num bom jantar o determinante não são os talheres, mesmo que estes sejam importantes.
7. Por isso, e aqui entram já questões de matizes, apesar de compreender o que se diz sobre o não instrumentalizar a oração, o não esperar nada, etc., creio que é fundamental que a oração seja referida a Deus. Há por aí muita «escola» de «meditação» «a-teia», ou de referência a Deus bastante difusa ou confusa, quando não exclusivamente auto-referente. Podem ser de grande ajuda em muitos aspectos, incluindo o psicológico, mas creio que não é ainda «oração cristã». O texto de Laurence Freeman parece conhecer bem essa objecção, pois dedica-lhe um apartado. Aí diz explicitamente: «Estas várias formas de oração são cristãs porque se centram em Cristo». Talvez nesse apartado se pudessem dizer ainda mais coisas. De qualquer forma, o essencial é isso: oração é cristã quando tem Cristo e a oração de Cristo como referência. Eu diria mais: a oração cristã é trinitária e reza a cada uma das Pessoas da Ssma. Trindade. Quando assumimos isto, a nossa oração muda.
8. Um dos aspectos mais importantes do texto (e também mais difícil) é que a oração não tem que ser um tempo absolutamente discursivo, palavroso. Cuidar o «estar», o «silêncio total», sem descuidar o «com Quem» estamos em silêncio. O que se diz no texto sobre a pobreza é muito importante.
9. Pequenos pontos de divergência.
- Embora compreenda a escolha, não aprecio muito o uso do termo «mantra», porque originalmente implica algo que é alheio e contrário à oração e tradição cristã, que é o elemento mágico (*). Dizer que os Padres do Deserto pronunciavam «mantras» precisa de alguma «precisão»…
- O texto parece usar indistintamente as palavras «meditação» e «contemplação», que na Tradição Cristã e católica não são exactamente a mesma coisa.
- Embora compreenda o que se quer dizer quando se recomenda que não se avalie a meditação, tenho uma visão diferente do assunto, porque a oração deve estar ligada ao discernimento e este não se faz sem avaliação, também da oração; não propriamente para «medir», mas para «recolher» e «afinar»… Não levo, pois, muito a sério a frase que diz: «O que acontece enquanto meditamos não é relevante». Porque é relevante. E muito. Mas, claro, pode-se aceitar se com isto se quiser dizer que não se vai à oração para trazer isto ou aquilo ou que queremos que Deus se encaixe nos nossos esquemas, ou, lembrando Santa Teresa de Jesus, mais importante que as consolações de Deus é o Deus das consolações. De qualquer forma, mesmo não «medindo» o «espiritual» é importante avaliar. Digo eu.
10. O mais importante de tudo isto é a
prática da oração.
Alef
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(*) Nota: diz do «mantra» a «New Catholic Encyclopedia»: «MANTRA. A sacred formula believed to have a magic power. The term was used originally of the verses of the VEDAS, the sacred books of the Hindus, chanted at the time of sacrifice. However, certain verses were believed to have a special power, of which the most famous is the Ga¯yatr¯ı, the invocation of the Sun-God, used on all the most solemn occasions. The most sacred word of all is the syllable Om, which is held to contain in itself all sounds and to symbolize the universe, so that by its repetition it is possible to realize one’s identity with the Absolute. The theory of the mantra, developed in later times, is that the sacred word or sound makes present what it signifies. Thus, by repetition of a mantra under proper conditions it is possible to obtain all power. A mantra can absolve from sin, avert danger, secure success, and confer sanctity. In certain mantras, it is believed, all wisdom is contained».