Citação:Alef
Caro Francisco:
Embora julgue entender o que queres dizer, não me parece que a frase «o Diabo tem conhecimento pleno de Deus» tenha muito sentido no contexto bíblico. «Conhecer» tem na Bíblia o sentido de contacto íntimo e não simplesmente um acto intelectivo/gnoseológico. Obviamente, o diabo não tem um contacto íntimo com Deus. Se o Diabo é a negação absoluta do Amor, não «conhece» Deus.
Boa tarde, Alef.
Acho que dentro da discussão que se apresenta, não entra o problema semântico do verbo "conhecer" em contexto bíblico... Como cristãos, acho que é um pouco escusado estar a entrar por esse campo pois acreditamos que Deus nunca conheceu ninguém do ponto de vista bíblico. Mesmo o acto geracional de Jesus nunca teve, na tradição cristã, qualquer base de "conhecimento" em sentido bíblico. Ao contrário de outras tradições ditas pagãs, em que diversas divindades "conheceram" outras divindades e, inclusivamente, seres humanos.
Se o problema é semântico, eu diria que, da parte do Diabo, há sobretudo uma
recusa do amor de Deus.
Creio que esse vocábulo se aplicaria de forma mais correcta por oposição ao de "aceitação" enquanto sinónimo de "acreditar" no sentido de "dar crédito".
Eu errei ao dizer que o Diabo tem um conhecimento pleno de Deus. O Diabo não tem um conhecimento pleno de Deus porque, enquanto ser criado, tem um conhecimento limitado. Só Deus se pode conhecer a si mesmo de forma total. Contudo, a percepção (conhecimento) de Deus que tem o Diabo, porque é espírito, é muito superior àquela que nós temos, que somos corpo e espírito e, nesse sentido, mais limitados na percepção do que os espíritos puros.
E se tivéssemos conhecimento pleno de Deus rejeitá-lo-íamos? Tendo em conta o que disse antes, falando do conhecimento pleno possível para cada um dos seres criados, pois era essa a minha intenção, há pelo menos duas opiniões. Uma, defendida por alguns teólogos que, inclusivamente, se opõem há existência do Diabo, perante o conhecimento de Deus o Diabo não o poderia recusar nunca - ver a maravilha de Deus pressupõe aceitá-lo automaticamente. Outra, um pouco na esteira do Doutor Angélico, diz que a liberdade dos anjos funciona de maneira diferente da dos homens: pela sua maior perfeição de conhecimento de Deus, o seu acto de aceitação/recusa de Deus é único. Ou seja, a sua capacidade para amar a Deus, aceitando-o plenamente, é muito maior do que a nossa mas, por outro lado, o ódio que ganham a Deus e, sobretudo, a si mesmos, por terem recusado Deus também é muito maior do que o nosso.
Eu aceito mais facilmente a segunda opinião. Para mim, o inferno será aquele "lugar" onde viveremos eternamente sem poder ver a Deus (depois de o termos visto na sua plenitude durante o Juízo Final) e onde nos odiaremos a nós próprios eternamente por O termos recusado de livre vontade. O facto de a recusa ser livre, torna esse ódio muito maior.
Como exemplo, recordo uma vez que fui assaltado por um grupo de assaltantes enquanto eu passava por um sítio que sabia ser perigoso. Depois disso, passei uma semana a dizer a mim mesmo: devia ter ido pela outra rua, devia ter corrido quando os vi aproximar-se, devia ter batido no primeiro e começado a correr, nem devia ter saído de casa, etc. O Inferno será, do meu ponto de vista, passar a eternidade sem nos conseguirmos desculpar por, em vários momentos, ter optado por recusar a Deus em vez de O aceitar.