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As vantagens de ser crente...
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 15 de October de 2008 03:10

0. Recentemente apareceram várias notícias sobre algumas «vantagens» dos crentes. Uma notícia dizia: «Crer em Deus faz bem à saúde»; outra: «Cientistas de Oxford demonstram que a fé ajuda a aliviar a dor física»; e outra acrescentava como subtítulo: «Investigadores descobrem que a fé activa uma zona do cérebro relacionada com a regulação da dor». Naturalmente, estas notícias tanto servem para que alguns as usem como «justificação» das vantagens dos crentes, como para aqueles que usam estes dados para falarem da religião como o velho «ópio do povo».

De qualquer forma, outras notícias ou comentários poderiam surgir. Por exemplo: «As pessoas com fé têm mais/menos sucesso na vida social no país A, mas não assim no país B»; «As pessoas com fé têm mais/menos esperança no futuro», etc.

Ouvimos também frequentemente testemunhos de pessoas que falam do quanto a sua vida mudou desde que passaram a ter fé ou se converteram: «A minha vida mudou 180 graus; agora sou feliz», etc.

Isto vem ao encontro de uma velha questão sobre a qual já alguma vez pensei escrever aqui: o problema das vantagens de ser crente. [Também se pode falar das desvantagens..] É um problema mais complexo do que parece.


1. A primeira parte do problema pode ser formulada assim: Há vantagens em ser crente? Quais são tais vantagens?

Por um lado, os crentes convictos falam habitualmente do muito que recebem enquanto crentes: paz, consolação, esperança, sentido para a vida… Por outro lado, às vezes vem ao de cima até uma certa ideia de superioridade em relação aos outros, sobretudo em pessoas afins a grupos mais fundamentalistas.


2.
Isto poderá fazer surgir a ideia de que a fé se justifica porque nos traz vantagens, quaisquer que elas sejam. Mas então, vem a segunda parte do problema: uma fé que «assenta» na obtenção de vantagens é uma fé verdadeira? De outra forma, se crer me traz vantagens, é pelas vantagens que eu creio?

Isto pode ser formulado de outra forma: porque creio?

Aqui «creio» não se refere a um vago «acreditar» que Deus «existe», ou ao dizer-se «crente», enquanto «adepto» de umas quantas «crenças», mas a algo mais profundo, como a prática religiosa, especialmente a oração. Por que razão/razões rezamos? Por que razões deixamos de rezar?

Não é fácil abordar a complexa questão das «motivações» da nossa fé. Muitas vezes não temos consciência plena do que nos move no campo da fé. E nisto misturam-se às vezes problemas muito pouco verbalizados como o da imagem de Deus com que cada um de nós funciona… E também pode acontecer que tenhamos uma fé genuína, mas que não a saibamos «explicar» ou «justificar». Como quando dois apaixonados são incapazes de dizer porque se amam… Porque sim!


3. Talvez uma forma de ajudar a focar correctamente a questão seja a de comparar com outros tipos de «relações», como a de amizade ou de amor. Naturalmente, à pergunta por que razão amamos ou somos amigos de alguém, a justificação de uma amizade ou de um amor genuínos não virão pelas vantagens que daí possamos usufruir, mesmo que elas existam. Ou seja, não amamos pelas vantagens, mas pela pessoa em si mesma. Esse será o verdadeiro amor «desinteressado». As vantagens advêm como corolário, mas não são a razão…

Então, analogamente poderemos dizer (que bom será!) que não amamos a Deus pelas vantagens que nos dá ou pelo medo que nos inspira, mas por Ele mesmo, por ser Quem é. É fácil dizê-lo... Mas também é o caminho desejável.

Isto faz-me pensar num famosíssimo soneto, de autoria incerta, que, diante de Cristo na cruz, máxima expressão de amor, exprime um amor analogamente desinteressado. Parafraseando, já não me move nem a ideia de que crendo/amando, recebo o Céu como prémio, nem me move o medo do Inferno, mas o próprio Senhor, o seu amor, de modo que nada peço. Então, a lógica já não é a do «dou para que dês», mas «dou por que sim, por Ti»... E quando se chega a este nível, o título do «post» deixa de fazer sentido...


4. Aqui fica o soneto:

Citação:
Anónimo

NO ME MUEVE, MI DIOS, PARA QUERERTE

No me mueve, mi Dios, para quererte
el cielo que me tienes prometido,
ni me mueve el infierno tan temido
para dejar por eso de ofenderte.

Tú me mueves, Señor, muéveme el verte
clavado en una cruz y escarnecido,
muéveme ver tu cuerpo tan herido,
muévenme tus afrentas y tu muerte.

Muéveme, en fin, tu amor, y en tal manera,
que aunque no hubiera cielo, yo te amara,
y aunque no hubiera infierno, te temiera.

No me tienes que dar porque te quiera,
pues aunque lo que espero no esperara,
lo mismo que te quiero te quisiera.

(Anónimo)

Alef

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Cassima (IP registado)
Data: 15 de October de 2008 15:03

Caro Alef

Vantagens de ser crente...

Não sei. Na realidade, a minha fé é bastante imperfeita e não está no nível que descreves pouco antes do ponto 4. Gostava muito que estivesse, mas não está.

É verdade que a fé (mesmo fraca) dá consolo e por isso acredito piamente que os crentes possam ter maior amparo na dor e no sofrimento, mas também pode conduzir a uma rejeição e raiva, em casos extremos. Já me aconteceu em algumas ocasiões barafustar e zangar-me com Jesus.

Não sei. Parece-me que crer pode tornar-se muitas vezes uma luta dentro de nós próprios. Porque às vezes há pontos, acontecimentos, reflexões que parecem conduzir-nos para um lado oposto à crença. Aí, não crer, talvez seja mais vantajoso...

Por outro lado, socialmente falando, ser crente nem sempre é "bem" aceite, no sentido de uma pessoa ser qualificada de beata, conservadora, chata... Nesta vida da religião fácil, em que se vai à igreja para os baptizados, casamentos e funerais, viver a religião um pouco mais a sério pode bater nesta incompreensão dos conhecidos/amigos/familiares. Dum ponto de vista puramente social, terreno, ser crente de uma forma levezinha é "bem mais" vantajoso que possuir uma crença mais forte.

A verdadeira vantagem que eu vejo na crença é a ligação pessoal (fraca, imperfeita, com defeitos) que cada um estabelece com Deus e o caminho que essa ligação impele a seguir (mesmo que muito devagar).

Abraços

Cassima

P.S.: O soneto é muito bonito.



Editado 1 vezes. Última edição em 15/10/2008 15:04 por Cassima.

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Chris Luz BR (IP registado)
Data: 16 de October de 2008 21:18

O autor é São joão da Cruz


Não me move, para querer- vos
a glória que me tendes prometido.
Não me move o inferno tão temido,
para deixar por isto de ofender-vos.

Moveis-me vós, Senhor, move-me o ver-vos
pregado nessa cruz, escarnecido.
Move-me o vosso corpo tão ferido
e esta morte que vejo padecer-vos.

Minh'alma em vos amar tanto se esmera
que, ainda se faltar o céu, eu vos amara
e, não havendo o inferno, eu vos temera.

Nada por vos amar de vós espera.
E , se ainda o que espero não esperara,
o mesmo que vos quero eu vos quisera.

São João da Cruz.

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Chris Luz BR (IP registado)
Data: 16 de October de 2008 21:49

A Cristo Crucificado
[ocdsprovinciasaojose.blogspot.com]

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 16 de October de 2008 21:57

Chris:

Sobre o soneto, há muitas teorias.

Cfr. a página de onde retirei o texto que expus:

Citação:
Han sido muchos los intentos de atribución de este soneto a uno u otro autor, sin que la crítica se haya sentido suficientemente comprometida a corroborar una autoría, falta de argumentos probatorios suficientes. San Juan de la Cruz, santa Teresa, el P. Torres, capuchino, y el P. Antonio Panes, franciscano perteneciente a la Provincia de Valencia, figuran entre otros de probabilidad más dudosa. La atribución a los dos carmelitas responde al tema del amor desinteresado, que anticipa la mística franciscana, de donde bebe santa Teresa, al menos. El estilo que muestra el soneto, rico en juegos formales, no nos recuerda la riqueza imaginativa que singulariza al de Fontiveros, ni el más simple y llano de la santa abulense. Consta, además, en cartas que conserva la Orden, que antes de las fechas en que vive el P. Torres, los misioneros franciscanos enseñaban este soneto y el Bendita sea tu pureza, del P. Panes, a sus indios americanos, como oraciones cotidianas de la propia devoción seráfica.

El soneto, por su perfecta factura, figura como modélico en todas las antologías que se precien, desde que lo incluyó en la suya de las Cien Mejores Poesías de la lengua castellana don Marcelino Menéndez Pelayo.

Nunca el amor a Cristo crucificado había alcanzado tal grado de pureza e intensidad en la sensibilidad de la expresión poética. En fechas en que la superficialidad cifraba en el temor al destino dudoso del hombre en el más allá, la moción de la piedad popular, este poeta acierta a olvidar premios y castigos para suscitar un amor que, por verdadero, no necesita del acicate del correctivo interesado, sino que nace limpio y hondo de la dolorosa contemplación del martirio con que Cristo rescata al hombre. Esa es la única razón eficaz que puede mover a apartarse de la ingratitud del ultraje a quien llega a amarte de manera tan extrema.

Concluido el desarrollo del tema en el espacio de los dos cuartetos, trazada la preceptiva línea de simetría armoniosa que distingue y define la bondad del soneto clásico, vuelven a retomar el desarrollo temático las dos estrofas restantes, mediante cambios sintácticos que encadenan sucesivas concesiones ponderativas, tendentes a reforzar de manera excluyente y convencida el propósito de amar a Cristo por encima de cualquiera otra consideración espúrea y cicatera.

El estilo es directo, enérgico, casi penitencial por lo desnudo de figuras y recursos ornamentales. No es la belleza imaginativa del lenguaje lo que define a este soneto, sino la fuerza con que se renuncia a todo lo que no sea amar a cuerpo descubierto a quien, por amor, dejó destrozar el suyo. El lenguaje, renunciando a los afeites del lenguaje figurado, se atiene y acopla, en admirable conjunción, desde la forma recia y musculosa, a la mística desnudez del contenido.

(Fr. Ángel Martín, o.f.m.)

De qualquer forma, seja de quem for, é muito profundo e bonito. E património comum. Obrigado pela versão portuguesa.

Alef

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Luis Gonzaga (IP registado)
Data: 16 de October de 2008 22:33

Chris,

Embora baseado num desenho existente de S. João da Cruz, a imagem de Cristo Crucificado de S. João da Cruz ( [ocdsprovinciasaojose.blogspot.com] ) foi pintado por Salvador Dali (ver [en.wikipedia.org]).

Luís

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 16 de October de 2008 22:33

Chris:

Creio que o «post» a que remetes cai num pequeno equívoco.

Essa imagem chama-se, de facto, «O Cristo de S. João da Cruz», mas, a imagem não corresponde ao texto.

O que se passa é o seguinte. A imagem é uma recriação de Salvador Dalí (1951), a partir do desenho original de que fala o texto.

Por isso, quando o texto fala em «este pequeno desenho» não se refere à imagem que se vê (uma pintura de Dalí), mas sim a outra figura, que devia estar ali. Não é muito conhecida, mas pode-se ver aqui ou aqui.

Há ainda outra versão, mais em bruto, que não sei se tem maior autenticidade que a primeira. Pode ser vista aqui ou aqui. Desta vê-se às vezes uma versão algo rodada, que acentua a semelhança de «plano» com a pintura de Dalí.

Alef

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Albino O M Soares (IP registado)
Data: 17 de October de 2008 21:13

Se entendermos que Fé é a força que dimana do sentido e propósito que queremos dar à nossa vida, poderemos dizer que é a Fé que nos faz. Assim em vez de termos por razão o passado, passamos a ter por razão o futuro. Não sei se tal é vantajoso, mas seguramente que muita coisa muda.

*=?.0

Re: As vantagens de ser crente...
Escrito por: Chris Luz BR (IP registado)
Data: 18 de October de 2008 16:55

Que bom Alef vc conseguiu o desenho de são joão da Cruz. conhecia a história ,mas nunca tinha visto o desenho. Obrigada.

Quanto as vantagens de ser crente : Dizem que faz bem a saúde! -)

desvantagens : a inquietude .



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